Escritor
e novelista francês Leon Bloy (1846-1917) |
Leon Bloy — o
“católico selvagem”, como costumava se definir — dizia que não há fé em ir a
Lourdes como doentes que buscam uma cura. Fé mesmo é a daqueles que, saudáveis,
vão banhar-se na gruta pedindo para ficarem doentes, quem sabe de uma doença
repugnante, para, então, poder melhor tomar parte na cruz de Cristo. Tal
paradoxo me ocorre quando às vezes me pedem para falar o que penso a respeito
de Medjugorje. Na verdade, eu fui entre os primeiros a ir àquela planície,
então, semidesértica, no centro da qual havia uma igreja de paróquia construída
há pouco tempo e claramente excessiva para o lugar. Dimensões de santuário que
levantavam suspeitas, como se os dirigentes franciscanos quisessem criar um
espaço adequado para as multidões de peregrinos. O que me movia naquela
empreitada não era o fervor dos devotos, mas a curiosidade jornalística: queria
ver o que estava acontecendo naquele lugar pouco conhecido, sobre o qual, nos
ambientes católicos, circulavam há já um bom tempo boatos estranhos.
Medjugorje
está localizada ao sul da Bósnia e Herzegovina
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Na volta,
no entanto, o carro em que peguei carona derrapou na neve enquanto
atravessávamos a região da Ístria, na Croácia, e acabamos em uma ribanceira.
Fomos retirados com cordas por bombeiros. Depois dos primeiros-socorros, eles
tornaram-se rudes quando descobriram bíblias em nossa bagagem. Saímos abatidos,
malquistos, com as lesões curadas de maneira áspera. Quando eu consegui chegar
em casa, ao sair da cama, caí por terra devido a uma vertigem violenta, que se
repetiria a cada vez que tentava me levantar. O carro capotou várias vezes, eu
bati com a cabeça, levou tempo e terapias adequadas para colocar as coisas no
lugar. Em suma, alguma coisa me fez voltar o pensamento para o paradoxo de
Bloy, embora não tenha certeza se havia rezado antes de partir. Estava em
grande forma, tinha quarenta anos na época, mas retornei com a cabeça
enfaixada, como se vestisse um turbante, e ainda por cima ferido a ponto de ter
que andar segurando uma bengala.
Os seis
videntes: Vicka, Jakov, Mirjana, Ivanka, Marija e Ivan
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Em contrapartida,
devo dizer, tive um privilégio que, para muitos peregrinos entusiasmados de
hoje, seria digno de “santa inveja”: estava entre os poucos que, amontoados na
pequena sacristia da igreja, assistiram ao êxtase — real ou presumido — dos
então seis adolescentes, e entre aqueles que puderam trocar algumas palavras,
numa mistura de várias línguas, tanto com os “videntes” quanto com os
franciscanos, que ainda mostravam espanto e medo da polícia política do regime,
devido à atenção de que eram objeto.
Um aspecto
que muitas vezes é esquecido: Tito estava morto há um ano, e seus sucessores já
prenunciavam a destruição que depois se pode verificar. Para se manterem no
poder, ao invés de afrouxar as rédeas, puxaram-nas, inclusive na questão da
luta antirreligiosa. Certamente, aqueles não eram tempos favoráveis para quem
quisesse organizar encenações de falsas aparições do Céu, usando-se, além de
tudo, de seis jovenzinhos: muito novos para ludibriarem de forma convincente
uma polícia famosa por sua brutalidade, que no primeiro interrogatório poderia
desmascará-los.
Pensei em
contar a história do meu “milagre invertido” (partir saudável e voltar
estropiado) para tentar amainar, com bom humor, a paixão — a favor ou
contra — que é despertada muitas vezes quando se fala de Medjugorje.
Milhares
de peregrinos visitam Medjugorje todos os anos
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Paixões que
têm, no entanto, a sua justificativa. De fato, em uma perspectiva católica, não
se exagera definindo o dilema como dramático. Por um lado, pergunta-se: a
Igreja não teria se omitido nos últimos 33 anos (o início dos fatos é de 1981)
ao não reconhecer e dar autorização oficial àquela manifestação que, a Senhora,
a Mãe de Cristo, anuncia como sendo a última aparição da história, e que é
repleta de exortações, conselhos, para se por em guarda? Por outro lado, também
se pergunta: não seria a Igreja, talvez, culpada por não ter intervindo, depois
de tantos anos, para desmascarar uma superstição, uma possível fraude contra a
qual trovejaram com palavras terríveis os bispos da diocese, sem serem capazes
de acabar com as peregrinações que têm enganado milhões de fiéis ingênuos?
Imagem de
Nossa Senhora Rainha da Paz, no local da primeira aparição
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Contudo,
a Igreja acabou se movendo, ainda que no seu próprio tempo. Na semana passada,
depois de quase quatro anos de trabalho, a Comissão de Inquérito, presidida
pelo Cardeal Camillo Ruini, apresentou seu volumoso processo para a Congregação
da Doutrina da Fé. Ela irá analisar tudo e apresentará suas conclusões ao Papa,
que será responsável, é claro, pela decisão.
Se se tem
esperado por tanto tempo — e se ainda se esperará mais — a principal razão é
certamente o fato de que as “aparições” ainda estão em curso e que, portanto, é
impossível julgá-las, sem saber como elas vão ser no futuro. Assim, por ora,
estamos limitados a medidas como a proibição de peregrinações “oficiais”,
organizadas e lideradas pelo clero (aliás, medida desrespeitada por devotos,
alguns bispos e por pelo menos um par de cardeais).
Cardeal
Camillo Ruini,
presidente da
Comissão de Inquérito
sobre as manifestações
em
Medjugorje
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Porém, o
que preocupa mesmo a Santa Sé é que, em qualquer caso, a decisão não será
indolor. Se negativa, o dano será imenso à pastoral, tendo em conta os milhões
de peregrinos, de todo o mundo, que viajaram até Medjugorje, mas vão descobrir
que foram vítimas de um embuste. Se positiva, será devastador para o direito canônico,
que concede aos bispos locais o juízo sobre os fatos presumivelmente
sobrenaturais ocorridos em suas dioceses. Em Medjugorje, encontramo-nos diante
da rejeição categórica e controversa dos prelados que se sucederam em Mostar, a
capital eclesiástica. Desmentindo-os, a Igreja nega a sua própria lei e sua
hierarquia, com consequências perigosas.
É mais
previsível que, ao final, se faça um comunicado interlocutório “non
constat de sobrenaturalidade”, ou seja, sem a certeza (até o momento)
da sobrenaturalidade dos fatos, portanto, sem caráter de decisão final.
Parece-nos remota a hipótese de ser emitido um definitivo e direto “constat
de não sobrenaturalidade”, ou seja, os fatos (com certeza) não são
sobrenaturais.
Assim, à
espera de novos eventos esclarecedores, a Igreja sugere que os católicos
continuem a colher os frutos espirituais abundantes de uma árvore que — deve
ser dito — revelou-se bastante fecunda. Orando, confessando-se, aproximando-se
da Eucaristia, deixando de lado, por ora, a questão do que deu origem a tudo
isso. Os céticos — e para eles também, deve-se dizer, há uma avalanche de
argumentos para se opor à crença — poderão refletir sobre o que me disse um
mariólogo famoso: “Não sei se, no início, Nossa Senhora realmente estava
presente em Medjugorje. O que constato, passados 30 anos, a julgar por esses
devotos apaixonados que a invocavam e continuam a invocá-la, é que agora ela
não pode deixar de estar ali”.
Vittorio Messori
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Corriere della Sera
Disponível em: Medium
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