Pela segunda vez neste ano, Paris foi ferida pelos
ataques terroristas de sexta-feira passada, dia 13 de novembro. Nada a ver com
“sexta-treze”, nem com “gato preto, passando debaixo da escada...”. Não
aconteceu por alguma ação oculta e imponderável de amuletos mágicos, mas pela
ação humana, fria, estudada e calculada, para semear, pânico morte e dor pela
cidade. A apreensão tomou conta de todo o mundo.
O terrorismo tenta justificar suas ações contra
cidadãos comuns indefesos e desprevenidos com argumentos inaceitáveis: “lutar
por uma causa justa”: a causa foi, de fato, justa? Qual tribunal legítimo
proferiu a sentença de morte contra cidadãos indefesos, executados a esmo?
“Luta contra o mal, em nome de Deus”: de qual Deus?
A violência praticada, supostamente, em nome de Deus, é um grave e inaceitável
equívoco; é uma pesada blasfêmia e ofensa a Deus, como definiu o Papa
Francisco. Não se honra a Deus, fazendo o mal ao próximo. Infelizmente, essa
instrumentalização do nome de Deus aparece com frequência para justificar atos
de intolerância e terror. O uso da religião como ideologia política para a
busca do poder e da dominação é altamente reprovável.
A violência estaria justificada porque os
antepassados também praticaram violência contra este ou aquele grupo? O
colonialismo francês do passado justificaria os ataques terroristas de agora,
em Paris? Temos que concordar que, injustiças do passado ainda hoje alimentam
ódios e discriminações; mas, em sã consciência, isso não pode ser alegado para
legitimar atos de barbárie contra as atuais gerações: vingança e ódio não são
formas civilizadas para resolver tais pendências; o caminho deve ser o da
justiça, da negociação política, da reparação, da reconciliação e do perdão.
Entre as causas do terrorismo e das discriminações,
que podem degenerar em violência, está o fanatismo religioso, que se baseia
numa compreensão equivocada da religião e da sua prática. O fanatismo torna
cego e fechado diante das razões do próximo, que pode passar a ser visto como
um inimigo incômodo a ser destruído.
As alegações religiosas para a violência,
geralmente, decorrem de interpretações equivocadas e fundamentalistas de textos
sagrados. Por isso, cabe às religiões e suas organizações a promoção de uma
adequada formação religiosa, que não leve à instrumentalização fundamentalista
e ideológica dos princípios e sentimentos religiosos das pessoas. Tais
sentimentos são muito profundos e relacionados com a consciência das pessoas.
O convívio humano não pode ser movido por
sentimentos de ódio e desejos de vingança, que não são formas aceitáveis e
civilizadas para aplacar ofensas ou injustiças sofridas. Esses impulsos
negativos da alma humana são destrutivos e podem se tornar verdadeiros vícios e
marcas da personalidade, se não forem colocados sob disciplina da vontade e da
consciência moral. As tendências à agressividade e à violência precisam ser
orientadas para a prática das virtudes da tolerância, do respeito ao próximo e
à capacidade de perdoar.
Cardeal
Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de
São Paulo (SP)
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