Em abril
deste ano, o instituto de pesquisas Pew Research Center, sediado nos EUA,
divulgou a informação de que em 2050 “o número de muçulmanos igualará quase ao de cristãos”, desde que as tendências de crescimento de ambas – cristianismo
e islamismo – permanecerem inalteradas.
Para
chegar a essa conclusão, o documento se baseou em projeções que levaram em
conta, principalmente, a taxa de fertilidade, a idade da população, as
migrações e as tendências de conversão. O islã “crescerá mais rápido
que qualquer outra religião”, afirmava o documento.
Liberdade Religiosa
Contudo,
como toda pesquisa meramente quantitativa, esta necessita de uma análise mais
profunda da situação. Fatores que influenciam – e muito – no crescimento ou
declínio de uma determinada religião ficaram de fora, um deles é o grau de
liberdade religiosa de um país em detrimento de outro.
Um
muçulmano, por exemplo, pode expor a fé de forma bastante livre em países
ocidentais, como a França, o Brasil e até mesmo nos EUA. Por outro lado, em países
como a Arábia Saudita um cristão só pode utilizar a bíblia para uso pessoal[1],
jamais para pregar nas ruas ou em locais públicos. Em locais como o Afeganistão
a situação pode ser ainda mais complexa, chegando a ter parlamentares que
defendam a execução de afegãos convertidos ao cristianismo[2]. Nesta lógica, se
apenas muçulmanos podem pregar aos cristãos, e não o contrário, disparidades
naturalmente começarão a ser observadas.
Repare
que nos Emirados Árabes Unidos, país onde a resistência para com os
cristãos é menor[3], a pesquisa do Pew Research aponta para um cenário
diferente entre 2010 e 2050: crescimento do cristianismo (de 12,6%
para 12.9%) e diminuição do islamismo (de 76.9% para 73%).
E o que
dizer do número de muçulmanos que se converte em países para os quais
emigraram, mas que preferem manter o anonimato a fim de evitar represálias?! É
o que acontece, por exemplo, em Berlim, na Alemanha, onde dioceses e paróquias
relatam um aumento crescente de muçulmanos em busca de uma nova fé, mas que não
fazem disso algo a ser divulgado aos quatro cantos por simples medo
dos próprios pares[4].
Natalidade
Outro
ponto a ser aprofundado é questão da natalidade. A pesquisa utilizou isto como
um ponto de análise. Mas a natalidade dos muçulmanos nunca esteve tão em queda
quanto hoje. Se há alguns anos os índices de natalidade entre muçulmanos eram
significativamente elevados, hoje já é possível perceber uma mudança. Em artigo
publicado[5] no portal EcoDebate, intitulado Transição demográfica
nos países islâmicos, de autoria do professor José Eustáquio Diniz Alves,
doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e
Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, é
afirmado o seguinte:
Considerando
46 países com população majoritariamente muçulmana, a Taxa de Fecundidade Total
(TFT) estava, em 1950, acima de 7 filhos por mulher em 25 deles, entre 6 e 7
filhos em 17 países e entre 5 e 6 filhos em 4 países. [...] a partir de 1985, a
fecundidade começou a cair em praticamente todos os países muçulmanos (as
exceções são apenas Somália, Afeganistão e Yemen). Em 2008, 21 países tinham
taxas de fecundidade igual ou abaixo do nível de reposição (2,1 filhos por
mulher) que é o número necessário de filhos para manter a população estável no
longo prazo. Fecundidade abaixo de 2,1 filhos por mulher significa que a
população vai decrescer no longo prazo.
O caso da
Indonésia é ilustrativo. O maior país muçulmano – e o quarto maior do mundo –
tinha uma população de 77 milhões de habitantes em 1950, chegou a 230 milhões
em 2009 e deve atingir 288 milhões em 2050. Mas a TFT já se encontra em torno
de 2,1 filhos por mulher atualmente e deve ficar abaixo do nível de reposição
na próxima década. [...] Os dados mostram que a população da Indonésia crescia
a 2,3% ao ano no quinquênio 1970-75, caiu para 1,2% entre 2005-10 e deve ter
crescimento zero no quinquênio 2045-50. Na segunda metade do século XX deve
haver decréscimo populacional no país.
Mas cabe
ao Irã o recorde na rapidez da transição demográfica. A TFT encontrava-se em
torno de 7 filhos por mulher até o quinquênio 1960-65. Caiu para 6,4 filhos em
1970-75 e voltou a subir para 6,6 filhos em 1980-85, logo após a revolução
islâmica, liderada pelo aiatolá Khomeini. Porém, entre 1985-90 e 2000-05 a
fecundidade caiu para 2,1 filhos por mulher, transformando a transição da
fecundidade do Irã na mais rápida ocorrida no mundo.
Assim,
prezado leitor/a, repare que se pegarmos apenas a tendência total (sem fazer
qualquer detalhamento comparativo dos períodos mais recentes) do crescimento da
população mundial nos últimos 100 anos, então veremos um grandioso aumento dos
muçulmanos para os próximos 100, 200 anos. Mas se analisarmos
pormenorizadamente as taxas de fecundidade das nações islâmicas, tomando como
base a comparação dos quinquênios apontados pelo professor José Eustáquio no
artigo acima, a conclusão será de que este crescimento não será tão certo.
Conclusão
Embora
pesquisas sejam sempre bem-vindas, é preciso de um pouco mais de crítica para
analisá-las, sobretudo quando se quer chegar a conclusões tão importantes.
Comparar os números obtidos numa análise ‘X’ com os obtidos em outra análise
‘Y’ permite que tenhamos uma noção mais acurada do cenário que está querendo
ser projetado. Se, por um lado, o Pew Research Center aponta que o número de
cristãos e muçulmanos será igual em 2050, percebe-se que há tendências na
natalidade da população islâmica que provavelmente não foram levadas em
consideração.
Também é
preciso esclarecer que é pouco provável que uma pesquisa consiga prever
mudanças geopolíticas profundas. Por exemplo: se os países muçulmanos se
abrirem à entrada de missionários ou simplesmente se tornarem mais tolerantes
quanto à prática de outras religiões, será que não teríamos um cenário
diferente? Talvez sim, vide o exemplo dos Emirados Árabes Unidos tratado nesse
mesmo artigo.
Dito
isto, cabe-nos observar que, embora as projeções estatísticas sejam relevantes,
é importante, no momento de analisá-las, levar em conta múltiplos fatores e
variáveis que os números não conseguem decifrar tão bem, tendo sempre em mente
que muito mais relevante do que saber qual será a religião que estará em
ascensão ou não, é refletir sobre a contribuição da mesma para que as
sociedades sejam menos desiguais.
Aliás, no
fim das contas, o grande desejo de todos nós é que líderes cristãos e
muçulmanos tenham, mais do que nunca, a noção exata de suas responsabilidades
perante a grandeza do mundo e a singeleza da vida para que, juntos, construam
um mundo melhor. Nessa ótica, pouco importará o crescimento desta ou daquela
corrente religiosa.
Geanderson Reis
é jornalista, publicitário e
assessor de comunicação do CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do
Brasil.
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CONIC
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