Mais uma vez temos a fuga de
notícias. Parece que nada mudou...
Um velho
vaticanista commo Benni Lai dizia que no Vaticano há muita fofoca porque os
padres não tem em casa mulher para poder conversar sobre o que ocorreu no
trabalho... mas, é claro, trata-se de uma explicação muito leve para descrever
o que realmente está acontecendo. Desenha-se um cenário, que me parece, não
corresponde ao que é verdadeiro, que visa dar uma ideia de um Vaticano sem um
governo forte, ou então, que seja impossível reformar.
Acho que
aconteceram coisas graves, mas circunscritas. E, sobretudo, relativas à esfera
econômica sobre a qual se abateu a foice de Francisco. O Pontífice mexeu com
equilíbrios atávicos, algumas vezes, corruptos, e isto suscitou reações pesadas
no interior da Cúria. Os documentos que estão no centro das fugas de notícias
são todas de tipo econômico e isto confirma que o desafio se dá neste terreno.
É aqui que está a areia movediça. Daqui é que se fala de uma crise de governo
ou de um Papa que não sabe escolher as pessoas certas. O Papa governa de
maneira forte e com sucesso, mas podem acontecer incidentes.
As duas pessoas presas foram
nomeadas durante o seu pontificado...
A senhora
Chaoqui não tinha uma posição tão importante que tivesse ser escolhida pelo
Pontífice. Quando ao padre Vallejo Balda, ele já estava na Cúria e o seu nome foi
sugerido pelo então arcebispo de Madri (cardeal Rouco). Mas o Papa não o quis
como número dois de Pell (o 'ministro da Economia do Vaticano'). Assim, não se
pode falar de nomeações erradas, ainda que isto também pode acontecer...
Mas parece haver uma forte
contradição entre a espiritualidade da Igreja de Francisco e estes fatos tão
terrenos...
A
contradição existe. O Vaticano é uma grande administração internacional, feita
por homens, uma grande instituição com as suas debilidades. Mais ainda: é composta
por tipos humanos muito diferentes, filhos de culturas, mentalidades e hábitos
diferentes. Uma Cúria muito variada, filha de uma internacionalização que
susbtitui a precedente, toda italiana. Uma instituição sujeita às mesmas leis
das classes dirigentes e burocráticas do mundo, que nem sempre são de tão alto
nível... acrescento que esta Cúria não está no Céu mas em Roma, e o clima que
se respira nesta cidade, certamente, não é o melhor...
Antes o senhor falava da reforma
da Cúria. Em que direção se moverá esta reestruturação?
Não é
necessária somente uma reforma das estruturas ou do seu conjunto, mas também de
uma revolução no recrutamento: é preciso ter a presença de mais mulheres e
leigos na máquina administrativa. A burocracia é ainda muito clerical.
A senhora Chaouqui é uma mulher e
leiga, mas o seu perfil, inclusive nas colunas sociais, parece ser pouco idôneo
para a Igreja...
Não a
conheço, mas recordo que ela não tinha um posto importante. Até agora o
recrutamento é feito por cooptação clerical e isto é um limite. São necessárias
regras: se numa grande empresa são revelados documentos reservados,
imediatamente se demite.
O Vaticano nunca será uma simples
empresa...
Mas chegou
o momento de superar este ar de segredo que circunda o Vaticano. João Paulo II
dizia que o segredo pontifício é conhecido por todos em Roma, menos pelo
próprio Papa. Acho que a reserva deve ser mantida sobre algumas questões, mas
sobre todo o resto deve haver mais publicidade e transparência. Caso contrário,
qualquer folheto de um cardeal, torna-se um caso...
Acho que
Francisco, com o seu estilo de vida parco e com o discurso sobre a 'esclorese'
da Cúria romana, está indo nesta direção, ou seja, na direção do fim de uma
ideia principesca destas funções. Ou seja, naquele discurso temos o programa do
Pontificado, e é neste terreno que se colocam estes incidentes e talvez outros
que acontecerão. É um caminho difícil.
É aqui que residem os riscos de
uma "crise de governo" inclusive dentro da maioria que elegeu
Bergoglio?
Sem
dúvida, há muitas resistências. Pessoalmente, não ouvi bispos falar
criticamente do Papa. Assim, acho que, hoje, há somente a vontade de prospectar
este cenário, pois o seu governo é muito forte.
Pelo que se sabe de algumas antecipações
do livro "Avareza" do jornalista Fittipaldi, emerge que o apartamento
do cardeal Bertone foi reestruturado com o dinheiro de uma fundação destinada a
recolher fundos para o Hospital Bambin Gesù. São instantâneos que mostram uma
Igreja opulenta, muito distante do espírito franciscano.
Uma coisa
é a Igreja italiana, uma outra é o Vaticano. E a primeira, certamente, está
melhor que a segunda. Não conheço o caso do Bambin Gesù, mas recordo que já
Paulo VI tentou reorganizar a máquina econômica do Vaticano, mas houve o caso
Marcinkus, muito mais grave do que o Vatileaks. Não é mistério que no último
pré-conclave, no centro da discussao estava a exigência de mexer na máquina
econômica...
Permanece a sensação, amarga, de
um Vaticano como qualquer conselho regional. Com despesas loucas...
A riqueza
do Vaticano é um mito. Uma só diocese como a de Colônia, na Alemanha, é mais
rica que o Vaticano... Quanto aos cardeais, ganham cinco a seis mil euros por
mês. Isto é muito menos do que o estipêndio dos embaixadores e prefeitos. Não
me parece que se pode descrevê-los com nababescos...
O senhor acha que nos últimos
acontecimentos há um papel peculiar do Opus Dei?
Absolutamente,
não. Citar sempre o Opus Dei faz parte da criaçaõ de um cenário à la Dan Brown,
que sempre está prospectando uma crise de governo. Um cenário alimentado por
pessoas cansadas deste Pontificado, na Cúria e no mundo católico. Acho que há
processos diferentes dentro do mesmo laboratório, mas Bergoglio na sua vida
passada demonstrou que é capa de colocá-los em ordem...
Andrea Riccardi,
historiador
da Igreja e fundador da Comunidade de Santo Egídio, em entrevista concedida a
Andrea Carugati e publicada no Huffingtonpost.
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Disponibilidade e Tradução: IHU
On-Line.
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