Dar e receber perdão. Desviar-se e ser acolhido ao
regressar. Pedir ajuda sem precisar humilhar-se. Ter alguém com quem chorar as
próprias desventuras. Saber que errou e ter a chance de reparar. Não precisar
disfarçar as próprias feridas sob o olhar compassivo do outro. Festejar a
alforria da escravidão. Ter amigos e recitar seus nomes sem receio. Ser
visitado quando doente ou prisioneiro. Sentir-se sinceramente aceito pelos
demais. Ter um endereço seguro ao termo das viagens. Ser consolado na aflição.
Receber a defesa da verdade quando injustiçado. Encontrar abrigo nas horas de
tempestade. Sentar-se à mesa e partilhar o pão. Provar afetos. Libertar-se das
mágoas. Curar os remorsos. Ser tratado com dignidade, mesmo na pobreza.
Saber-se amado, com tudo e apesar de tudo. Assim é a experiência da
misericórdia: regeneradora, paciente, gratuita, alegre. Pois é sempre - e
fundamentalmente - uma experiência de amor: amor em ato de resgate, em ato de
cura, em ato de salvação. De tal modo, que o hino da caridade de 1Cor 13
poderia ser entoado à misericórdia, especialmente quando esta procede de Deus.
Enquanto compaixão, misericórdia e ternura se ampliam e divagam nas
inúmeras variações de linguagem, se abraçam e se concentram na experiência
humana - avessa a fronteiras estreitas quando se trata de amor. Compaixão,
misericórdia e ternura se repartem entre si, se aliam à piedade, justiça e
solidariedade e, assim, cooperam mutuamente na edificação de uma humanidade
reconciliada e feliz. É o que verificamos nas páginas da Bíblia, na voz dos místicos,
na observação profunda da psique, no protesto das artes e no aprendizado
dramático da história - sempre à caça de olhares capazes de discernimento.
1.
Compaixão: afeto que mobiliza
A compaixão é geralmente experimentada como um
"sentir com o outro" em face de suas aflições. Contudo, o que a
caracteriza não é só este afeto específico (affectus), mas o movimento que ele
causa (motus). Pois trata-se de um "sentir com" que constrange,
desloca e afeta as "motivações" - no sentido original de moção ou movimento.
De fato, a compaixão pousa o olhar e o coração sobre as dores do outro, fazendo
deste outro não um alheio, mas um próximo. É sentimento que move ao encontro,
que motiva afetivamente uma aproximação efetiva. Os textos bíblicos raramente
dizem "sentir compaixão"; o que mais destacam é "mover-se de
compaixão" (cf. Êx 3,7-8; Os 11,8; Lc 10,33; Lc 15,20; Mc 6,34).
Quem se compadece, faz jus à preposição com que
registra esse sentir nas línguas neo-latinas: compadecer, compassivo, compaixão
- do latim compatire. De tal modo, que o afeto se faz compatível com a situação
de carência do outro, aproximando o sujeito do próximo que padece. O affectus,
sem este motus, não seria compaixão. Por isso, a compaixão favorece a prática
da misericórdia, uma vez que é um sentir que move à solidariedade. Do sentir ao
praticar, a compaixão dá um passo e se faz obra de misericórdia. Sem
misericórdia o motus afetivo da compaixão seria um sentir estéril e incompleto,
que não encontrou o seu sentido. Enquanto que, sem compaixão, a misericórdia
perderia seu afeto, dissociada do coração e motivada, unilateralmente, pela
superioridade daquele que ajuda o necessitado, visto como inferior.
Compaixão,
piedade e justiça:
De fato, a compaixão realiza uma "proximidade
solidária", como deduzimos do prefixo com de sua versão latina
(com-passio) e grega (syn-pathos). Tanto com quanto syn mostram a reciprocidade
que põe face a face aquele que oferece e aquele que recebe compaixão. Pois
embora a situação de carência os distinga, a humanidade que partilham é a
mesma. Diversamente do caso de Deus, que age com a distinção da graça: sendo
Ele divino, se compadece da humanidade realmente, sem renunciar à sua
divindade, aproximando-se de nós por gratuita benevolência. Fato extremo e
paradoxal dessa divina compaixão se dá na encarnação, paixão e ressurreição do
Verbo, Jesus de Nazaré: a piedade divina assume a miséria humana
historicamente, para elevar a humanidade à comunhão com Deus. Assim, a divina
compaixão se mostra claramente no mysterium pietatis que nos devolveu a
liberdade e a dignidade de filhos de Deus (cf. 1Tm 3,16).
Diferente da linguagem greco-romana, os termos
hebraicos para designar "compaixão" são, a seu modo, muito
sugestivos. Seus radicais lingüísticos indicam uma relação eficaz entre Deus e
a humanidade: relação de Aliança, que move o coração de Deus a socorrer e
resgatar seu povo. Por isso o hebraico privilegia o termo rehem (útero,
entranhas) para indicar o amor compassivo de Deus, capaz de "refazer"
o ser amado à semelhança da geração materna. Outras vezes aparece hesed - graça
ou favor imerecido, que dispõe o coração divino ao perdão das faltas e dívidas
humanas. Rehem e hesed expressam a solicitude amorosa de Deus por nós, seus
filhos e filhas.
O Novo Testamento usa geralmente a palavra grega
éleos - piedade, compaixão ou benevolência - donde deriva o verbo eléison:
"ter piedade". É o clamor que a humanidade eleva a Deus, como
entoamos na liturgia judaica (rahém alêinu) e cristã, no Oriente (eléison
hymas) e no Ocidente (miserere nobis).
Nas relações fraternas, a compaixão move o sujeito
ao próximo carente e miserável, abrindo as portas da solidariedade. Tal
comportamente diferencia o homem justo (pio) do injusto (ímpio). De fato, a
piedade está mais ligada à justiça, do que ao sentimento de pena ou dó. Se o
Direito tarda em socorrer os aflitos, a compaixão nos leva solicitamente até
eles, favorecendo obras de misericórdia. Assim, a compaixão adianta-se à Lei e
garante que o bem seja feito, a começar dos mais carentes. Compaixão, piedade e
justiça caminham juntas[1].
Para uma "lectio
divina" da compaixão:
Em Mc 6,30-44 (cena da primeira multiplicação dos
pães) a compaixão de Jesus é retratada em cores fortes e dinâmicas. Tudo começa
com sua sensibilidade: mais que mestre, ele é o amigo atento às necessidades
dos discípulos. Percebe-os cansados e esgotados. Então os convida a irem, com
ele, a um lugar deserto, na outra margem do lago, para repousar. Aqui, o
deserto, a outra margem das águas e o repouso - oferecido pelo Cristo - nos remete
ao shabat messiânico, em paralelo com Mt 11,28: "Vinde a mim todos os que
estais casados sob o peso do vosso fardo e vos darei descanso". Jesus é
novo Moisés que, qual pastor, guia o povo no deserto, atravessa as águas e os
leva a repousar (cf. Sl 95,7-11).
Esta sensibilidade diante do cansaço dos discípulos
sinaliza a compaixão de Jesus, presente em seu coração. Em seguida, ele
literalmente se comove, quando a multidão de pobres e enfermos o alcança,
chegando às margens de Tiberíades antes dele e dos discípulos: "Assim que
ele desembarcou, viu uma grande multidão e ficou tomado de compaixão por eles,
pois estavam como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas
coisas" (v. 34). A expressão esplanchnísthe (esplagcnisqh) - que significa
tomado de compaixão, equivale ao hebraico rahamin: comoção visceral (cf. Os
11,8). É um afeto profundo que brota das vísceras (ou útero) e transborda nos
gestos. Mas qual sentido exterior o ativa? - O olhar: Jesus vê e multidão e
suas entranhas se comovem. O olhar ativa a segunda esfera da compaixão em
Jesus, que agracia o povo com sua palavra salvadora: "E começou a
ensinar-lhes muitas coisas" (v. 34b).
Contudo, o ensino não basta. A noite vem e o povo
faminto inspira cuidados. Jesus questiona os discípulos, organiza o povo em
grupos, toma pães e peixes, bendiz a Deus, dá início à partilha e sacia a
multidão (v. 37-44). Eis a terceira esfera da compaixão: a dádiva do alimento.
Com isto, o "lugar deserto" (v. 35) se torna "grama verde"
(v. 39): a mudança no cenário mostra Jesus como o pastor que conduz o rebanho
às verdes pastagens, onde comem e descansam (cf. Sl 23,2; Jo 10,3). Onde há
compaixão, há partilha; e onde a partilha acontece, a vida se renova, como
relva que germina em pleno deserto!
Outro texto marcado pelo olhar compassivo, é Lc
7,11-16 (Jesus revive o filho da viúva de Naim). Diante da desolação daquela
mulher, viúva com seu filho morto, Jesus se compadece e age. Quatro verbos dão
ritmo à cena: Jesus vê, aproxima-se, toca e vivifica (v. 13-15). Ao ver a mulher,
se comove e a consola. Depois se aproxima do jovem morto. Toca o esquife e o
convoca à vida: "Jovem, eu te ordeno, levanta-te!" (v. 14). O fato
extraordinário inspirou temor e alegria naquela gente, que glorificava a Deus e
dizia: "Um grande profeta surgiu entre nós e Deus visitou o seu
povo!" (v. 16). Na Bíblia, Deus visita seu povo muitas vezes, sobretudo
durante as noites da dor, da escravidão e da morte, para curar, libertar e
restaurar a vida (cf. Gn 18,1; Êx 3,7-8; Sl 80,14; Lc 1,43). Jesus é a compaixão
de Deus que visita a humanidade: "Graças ao misericordioso coração do
nosso Deus, pelo qual nos visita o Astro das alturas, para iluminar os que
jazem nas trevas e na sombra da morte, para guiar nossos passos no caminho da
paz!" (Lc 1,78). De fato, visitar quem padece é uma obra de misericórdia
(cf. Mt 25,36; Tg 1,27).
Enfim, temos o exemplo do bom samaritano (Lc
10,29-37). Novamente, a compaixão nasce com o olhar. Quando passava, o
samaritano notou um homem ferido, caído à beira da estrada: "Chegou junto
dele, viu-o e moveu-se de compaixão" (v. 33). Na seqüência, seis gestos
dão ritmo à compaixão do samaritano para com o homem caído: aproxima-se, limpa
as feridas, coloca-o sobre seu animal de montaria, leva-o à hospedaria,
dispensa-lhe cuidados, provê o tratamento com o hospedeiro. A compaixão
mobiliza: do olhar compassivo brotam gestos de misericórdia. Ainda que o
samaritano seja uma figura do messias, Jesus conclui ordenando aos seus
seguidores: "Vai, e também tu, faze o mesmo" (v. 37). Assim, a compaixão
e as obras dela decorrentes se tornam missão para os discípulos do Senhor.
O
"olhar" - sentido da compaixão:
Na sua primeira carta, João diz que nós anunciamos "o que nossos olhos
viram" e "nossas mãos tocaram" (1Jo 1,1). De fato, o kerigma não
é anúncio de um mero conhecimento (gnose), mas do amor experimentado,
reconhecido e vivido, a partir de Jesus Cristo (ágape). Assim, o olhar e o
toque se confirmam, na Bíblia e na experiência cotidiana, como sentidos sede da
compaixão (visão) e da misericórdia (tato). Se o coração é sua sede interior e
secreta, os sentidos são sua sede exterior e palpável - fazendo do corpo um
sacramento de ternura para o próximo.
No caso da compaixão, seu sentido-sede é o olhar
(visão). Iahweh vê a aflição do povo e vem em seu socorro (Êx 3,7-8). Jesus vê
a pessoa que padece e se move de compaixão (Mt 9,18-34; Lc 7,13); pousa o olhar
sobre o jovem, compreende sua inquietude e o ama (Mc 10,21). "Assim que
desembarcou, Jesus viu uma grande multidão e, tomado de compaixão, curou seus
doentes"(Mt 14,14). O samaritano viu e moveu-se de compaixão (Lc 10,33).
Levantando os olhos, Jesus viu Zaqueu e se propôs cear com ele (Lc 19,1-10).
Vendo dez leprosos, Jesus os cura (Lc 17,14). Ao ser negado pelo apóstolo,
Jesus olhou ternamente para Pedro, dispondo seu perdão (Lc 22,61). Ao ver o
filho que voltava, o pai correu e o abraçou (Lc 15,11-32).
O olhar favorece a compaixão e seus frutos, como a
benevolência, o perdão e a cura. Precisamos educar o olhar para sermos
compassivos. O evangelho nos ensina isto: Lc 7,36-50 mostra o contraste entre
Jesus que vê a mulher e a compreende, e Simão, que tem os olhos vendados pelo
legalismo farisaico. Ele não a perdoava, porque era incapaz de vê-la realmente.
Via apenas o pecado dela, mas não via sua contrição. Então, Jesus questiona
Simão, provocando-o: "Vês esta mulher?"(Lc 7,44). Eis aqui o apelo do
evangelho a todos nós, cristãos e cristãs: pousamos sobre as pessoas um olhar
de compaixão? Não por acaso, o evangelista João insiste que olhemos para o Cristo
transpassado - ícone da humanidade ferida de dor, violência, miséria e
opressão: "Olharão para aquele que transpassaram" (Jo 19,37).
2.
Misericórdia: toque que regenera
Se a compaixão é um sentir solidário que nos
mobiliza na direção do outro necessitado, a misericórdia se caracteriza como
ação, gesto ou iniciativa que cumpre este sentir solidário para com o outro. Na
compaixão temos um sentimento que mobiliza (motus); na misericórdia temos o
exercício deste sentimento (opus). Daí os verbos cumprir, mostrar, fazer e agir
- que expressam a eficácia do amor misericordioso humano e, sobretudo, divino
(cf. Êx 20,6; Sl 85,8; Lc 1,72 e 10,37). A misericórdia tem um evidente caráter
operativo: amor in actu salvationis - como definiu João Paulo II: "o amor
em exercício de salvação"[2]. Se o amor é a qualidade essencial de Deus
(própria do ser divino); a misericórdia é este mesmo amor exercitado para com a
criatura humana, revelando a qualidade ativa de Deus (própria do agir divino).
Assim, a misericórdia se mostra muito mais na
experiência, do que na conceituação teológica, catequética ou espiritual.
Dizendo de outro modo: os conceitos, nesse caso, são filhos da experiência. Se
o latim (e parte das línguas latinas) compreende misericordia como "um
coração voltado aos miseráveis" - é porque a experiência trouxe à luz essa
compreensão, a partir de todos os miseráveis resgatados por iniciativas
generosas. Embora seja uma palavra de beleza e afeto, o lar da misericórdia não
é a poesia, mas a solidariedade; seu órgão vital não é o coração, mas as mãos.
Amor entranhado e eficaz:
À luz deste caráter eficaz, podemos examinar a
semântica da misericórdia na Bíblia[3]. Três termos se destacam:
"graça" (hesed em hebraico, éleos em grego); "entranhas"
(rahamin em hebraico, splanchna em grego); "piedade" (hannun em
hebraico; oiktirmós em grego):
O termo graça provém das experiências do favor
divino, quando Deus socorre e ampara a pessoa, apesar de seu pecado e
imerecimento. O que motiva esse amor gratuito e favorável de Deus? Sua radical
paternidade: "Com efeito, tu és nosso pai. Ainda que Abraão não nos
reconhecesse e Israel se esquecesse de nós, tu, Iahweh, és nosso pai" (Is
63,16)[4]. Pois Deus permanece "pai", apesar dos descaminhos de seus
filhos e filhas. Ama-os com amor eterno e, por isso, insiste em perdoá-los e
repropor-lhes aliança (cf. Jer 31,31-34).
Já o termo entranhas provém das experiências de regeneração (nova
gestação e novo nascimento), à semelhança do amor materno. Indo além do
"coração" (leb, kardia), as entranhas remetem ao "útero"
(rahamin, splanchna). Este termo traduz o caráter "generoso" da
misericórdia: um amor com potência regenerativa: aproxima, perdoa, resgata,
cura, refaz. Enfim, amor que devolve a vida (cf. Jer 31,9; Lc 15,22-24).
O termo piedade provém da consolação ou benignidade
recebidas, sobretudo de Deus. Indica afeição e bondade intensas. Por isso, nas
diversas edições da Bíblia, é traduzido por "misericórdia" ou
"bondade", aproximando-se do amor entranhado (rahamin, splanchna). Um
dos mais belos textos em que o termo aparece, aliás no plural (twn oiktirmwn =
ton oiktirmôn = as misericórdias), é o louvor de Paulo: "Bendito seja o
Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda
consolação" (1Cor 1,3).
Para uma "lectio divina" da misericórdia:
O amor entranhado de Deus se dá a nós para gerar e
regenerar a vida. Esta tem sido a experiência mais marcante do amor divino ao
longo da Bíblia. Das Escrituras Judaicas recordamos: a teofania do Sinai, na
qual Iahweh se declara "Deus de ternura e piedade, rico em graça e
fidelidade" (Êx 34,6-9), o resgate da vida e da justiça pelo Ano da Graça
(Lv 25), os salmos de perdão (Sl 6, 32, 38, 51, 103, 130, 143); o amor divino
que conduz o Povo da Aliança (Sl 136); a consolação de Israel (Is 30,18-26; 35
e 40 inteiros); as obras de misericórdia em Is 58,3-12 e o hino ao Deus Amigo,
jóia da literatura sapiencial:
Teu grande poder está sempre a teu
serviço e quem pode resistir à força de teu braço? O mundo inteiro está diante
de ti, como um grão de areia na balança, como gotícula de orvalho que cai e se
perde no chão.
Mas te compadeces de todos, pois tudo
podes: fechas os olhos diante dos pecados dos homens, para que se arrependam. Sim,
tu amas tudo o que criaste, não te irritas como nada do que fizeste: Se
tivesses odiado alguma coisa, não a terias criado. E, contudo, como alguma
coisa poderia subsistir, se não a tivesses querido? Como conservaria a sua
existência, se não a tivesses chamado? Mas a todos poupas, porque todos
pertencem a ti, ó Senhor, amigo da vida! (Sb 11,21-26).
Nas Escrituras Cristãs há muitas passagens. Citamos: os cânticos de
Maria, Simeão e Zacarias, que glorificam o amor fiel de Deus pelos pequenos,
pobres e famintos; o hino à caridade de 1Cor 13; o hino à misericórdia de Ef
2,4-10; as bem-aventuranças (Mt 5,1-12); a parábola do bom samaritano (Lc
10,29-37) e as parábolas de misericórida de Lc 15. Todos são inspiradores. Mas
alguns estão marcados pela exemplaridade, na qualidade de ensino autoritativo
de Jesus para os discípulos de ontem e de hoje: textos emblemáticos que
solicitam nossa adesão e seguimento. Têm esse caráter a parábola do
bom-samaritano - que detalha passo-a-passo o amor misericordioso ativo, desde o
primeiro olhar de compaixão aos gestos concretos; como também a parábola do pai
misericordioso - que retrata a extrema degradação da condição humana e o rosto
jesuano de Deus como pai compassivo e fiel.
É interessante notar que todos esses textos convergem na exortação de Lc
10,37: "Vai e faze o mesmo". Eis, pois, o caráter operante da
misericórdia - à semelhança de Deus, que age misericordiosamente. Com isso, os
textos nos mostram as "três graças" da misericórdia: 1) sua
operosidade: ela realiza os ditames do amor; 2) sua bem-aventurança: ela torna
feliz a pessoa redimida; 3) sua alegria: ela alegra quem a exerce e quem a
recebe[5].
As
obras de misericórdia:
Como vimos acima, muitos ditos e gestos de Jesus propõem que pratiquemos
misericórdia. Dentre tantos, três passagens têm sido meditadas pela comunidade
cristã, porque sugerem uma lista didática de obras de misericórdia:
Inauguração do ano da graça em Lc 4,16-21:
evangelizar os pobres, proclamar a libertação aos prisioneiros, recuperar a
vista aos cegos, libertar os obrimidos. Quatro obras proféticas, que Jesus atua
ao longo de sua vida messiânica.
O sermão da montanha em Mt 5-6: consolar os aflitos,
saciar quem tem fome e sede de justiça, promover a paz, praticar e ensinar a
justiça, reconciliar-se com o próximo, repartir as posses com o necessitado,
amar os inimigos, orar pelos perseguidores, praticar a esmola e perdoar as
dívidas. Dez obras do Reino, centradas na exortação "bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (5,7).
A justiça evangélica em Mt 25,31-46: dar de comer a
quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, acolher o forasteiro, vestir quem
está nu, visitar os doentes e assistir aos prisioneiros. Seis obras, centradas
na exortação "cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos,
a mim o fizestes" (25,40).
Com o intuito de ensinar e santificar pela
fidelidade ao evangelho, a tradição eclesial condensou as obras de misericórdia
numa dupla lista de sete. Obras de misericórdia espirituais: dar bom conselho a
quem necessita, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os
aflitos, perdoar as ofensas, suportar com paciência as fraquezas do próximo,
rogar a Deus pelos vivos e mortos. Obras de misericórdia corporais: dar de
comer ao faminto, dar de beber ao sedento, vestir os maltrapilhos, abrigar os
peregrinos, cuidar dos enfermos, visitar os encarcerados, sepultar dignamente
os mortos. No século XIII, o gênio teológico de Boaventura associou as obras de
misericórdia aos sete sacramentos e às obras de justiça, como território de
ação da graça sanante ou regenerativa na vida dos fiéis cristãos[6].
O "toque" - sentido da misericórdia:
Se as entranhas (útero e coração) são a sede
interior da misericórdia, o sentido corporal do tato é sua sede exterior. A
misericórdia se realiza em toques que regeneram. A Torá diz que Deus liberta
seu povo com "mão forte e braço estendida" (Dt 26,8): assim como a
parteira que tira a criança da estreiteza do útero, Iahweh faz o povo nascer de
novo, libertando-o do "sufoco" do Egito (em hebraico Mitsraim = de
tsaram = estreiteza). Com seus toques de misericórdia, Deus restaura a vida do
povo, à semelhança do oleiro que refaz o vaso rompido - como diz Jeremias:
Eu desci à casa do oleiro, e eis que ele estava
trabalhando no torno. E estragou-se o vaso que ele estava fazendo, como
acontece à argila na mão do oleiro. Ele fez novamente outro vaso, como pareceu
bom aos olhos do oleiro. Então a palavra de Iahweh me foi dirigida nesses
termos: "Não posso eu agir convosco como este oleiro, ó casa de Israel? -
oráculo de Iahweh. Eis que, como a argila na mão do oleiro, assim sereis vós na
minha mão, ó casa de Israel" (Jer 18,3-6; também Is 64,7).
O toque expressa cuidado; reparte o pão; estende a
bênção. Com muito tato, o samaritano limpou as feridas do homem caído (Lc
10,34). Com o toque de suas mãos, Jesus alimentou os famintos, curou os
enfermos e abençoou as criancinhas (Mc 7,32-33; 8,6; 10,13-16). Foi tocado pelo
abraço que o filho se sentiu acolhido e resgatado por seu pai, que -
compadecido ao vê-lo retornar - "correu e lançou-se-lhe ao pescoço,
cobrindo-o de beijos" (Lc 15,20). "Onde Jesus entrava, nos povoados,
nas cidades ou nos campos, colocavam os doentes nas praças, rogando que lhes
permitisse ao menos tocar nas franjas do talit - seu manto de oração. E todos
os que o tocavam, eram curados" (Mc 6,56). Com toques de ternura, Maria
unge os pés de Jesus (Jo 12,3). Com toques de amizade, Jesus lava os pés dos
discípulos (Jo 13,5). Em Emaús e à beira do lago da Galiléia, Jesus toma o pão,
abençoa e reparte: os discípulos o reconhecem, por causa de seu tato
característico (Lc 24,30 ;Jo 21,12-13). Gestos que alimentam, curam e
restauram, são toques de misericórdia[7].
3.
Ternura: cuidado que aquece
Como caracterizar a ternura? Caberia ela em
conceitos? Mais uma vez, as vivências é que dão sentido à terminologia. Pois a
experiência humana neste campo é complexa: gestação, nascimento, amamentação,
enamoramento, relação conjugal, amizade, paternidade e maternidade, saudade e
despedida - são receptáculos da ternura. Portanto, anterior ao conceito, a
ternura situa-se no horizonte das vivências originárias da pessoa - ao lado de
tantas outras que formam nossa interioridade antropológica e, ao mesmo tempo, desenham
possibilidades de relacionamento humano. A ternura solicita a inteireza da
subjetividade, a saúde dos afetos e a educação das virtudes[8]:
Inteireza
da subjetividade - Comunicar o calor do cuidado a
alguém, com estima equilibrada e liberto dos segundos interesses, mergulhado no
carinho sincero e singelo, é uma vivência de inteireza que contraria (e talvez
cure) a fragmentação subjetiva. Subjetividades que se enternecem, são
subjetividades que se unificam: integradas, simples, próximas ao ideal da gratuidade
sem condições. Sua duração? Talvez poucos minutos. Mesmo breve, a ternura é
marcada pela inteireza, na qual não só as potências afetivas de unificam, mas
também os sentidos corpóreos se sintonizam com afeto interior, expressando-se
no abraço, no afago, no beijo e no cuidado que envolve alma e corpo. Na
ternura, a pessoa se torna diáfana: transparece seu íntimo e sua intimidade;
revela o coração nos gestos; mostra o que sente; fala sem usar palavras.
Saúde
afetiva - Subjetividade integrada é sinônimo de afetos
saudáveis. No ritmo do cotidiano, estes dois traços nem sempre coincidem. Mas
certamente convergem, na medida em que um solicita o outro: cuidar dos afetos é
cuidar da pessoa; cuidar da pessoa é cuidar dos afetos. Não como termo
individual da afetividade. Mas como termo conjugal - no sentido literal de
"conjugar": repartir, comunicar, interagir. Superando os afetos
desregrados, narcisistas e egocêntricos, a ternura conjuga todos os verbos que
expressam a verdade do amor. Afetos conjugados, são afetos saudáveis. Ser terno
- ou enternecer-se - significa conjugar afetos saudáveis, no ritmo do
eu-tu-ele, nós-vós-eles. Da comunicação desses afetos vem o calor
característico da ternura: cuidado que aquece.
Educação
das virtudes - A ternura nos faz fortes. Com seu
calor, superamos a frieza. Com seu cuidado, vencemos a indiferença. Com a
conjugação de seus afetos, derrotamos o narcisismo. Mais profunda que o
melodrama e resistente até nas situações de dor e humilhação, a ternura faz do
sujeito uma pessoa forte! Lembremo-nos que virtus significa força - a força da
verdade sobre a mentira e da estima sobre o desprezo. Donde a noção de virtudes
como qualidades que tornam forte o ser humano. O elenco clássico das virtudes
cardeais inicia na temperança e termina, justamente, na fortaleza (cf. Sab
8,7). Temperança, prudência, justiça e fortaleza educam a pessoa, fazendo dela
alguém livre e forte. Ao lado destas, poderíamos acrescentar outras:
benevolência, cuidado, apreço, perseverança, tolerância e afabilidade. Todas
educadoras. Da educação das virtudes provém a potência da ternura: ela conforta
quem a dá e quem a recebe, unindo-os pela virtus (força) do amor.
A
"lectio divina" da ternura:
Essas quatro solitações da ternura ao ser humano
(acima), encontram-se de modo pleno na ternura de Deus para com suas criaturas.
Deus é amor em si mesmo, compassivo e terno para com homens e mulheres que ele
criou. Reparte seu amor universalmente, sem contradição com sua justiça, nem
perda afetiva ou ontológica (= inteireza de subjetividade). Seu amor é sólido e
fiel, com perfeito equilíbrio entre o rigor da educação e o afeto da
benevolência - daí a expressão hebraica hesed we emet (amor sólido). A
fidelidade do amor de Deus o leva a amar sem mesquinhez, assumindo a desproporção
entre sua divina ternura e a limitação da criatura humana: "Como um pai é
compassivo com seus filhos, Iahweh é compassivo com aqueles que o temem; porque
ele conhece nossa estrutura: ele se lembra do pó que somos" (Sl 103,13;
também Os 11,9). O amor de Iahweh é soberano e fiel - como diz o Salmo 25 (=
saúde afetiva). Enfim, Deus educa seu povo como um pai zeloso, usando
sabiamente de ternura e vigor, como lemos em Prov 3,11: "Meu filho, não
desprezes a disciplina de Iahweh, nem te canses com a sua exortação; porque
Iahweh repreende os que ele ama, como um pai ao filho querido" (= a
educação das virtudes; também Sab 9).
Além de hesed (amor) e rahamin (misericórdia), o
hebraico expressa a ternura divina com o termo hanun (favor ou graça) -
nominando Deus de Rahum (compassivo) e Hannum (favorável ou piedoso). O termo
hannum remete, ainda, a nahum (consolação) em várias passagens bíblicas, nas
quais Deus é chamado de Consolador (menahem): "Eu sou aquele que te
consola" (= menahem'kem: Is 51,12). Aliás, o hebraico
"consolação" (nahum) expressa coerentemente o "afeto
entranhado" (rahamin) da mãe, colorindo o amor de Deus com matizes de
maternidade. Deus mesmo se declara:
Fui eu quem ensinou Efraim a andar, eu
os tomei pelos braços, mas não reconheceram que eu cuidava deles! Com vínculos
humanos eu os atraía; com laços de amor eu era para eles como os que levantam
uma criancinha junto ao rosto; eu me inclinava para ele e o alimentava. (...) Como
poderia eu abandonar-te, ó Efraim, entregar-te, ó Israel? Pois meu coração se
contorce dentro de mim, minhas entranhas se comovem (Os 11,3-4.8). Como uma mãe
consola seu filho, assim eu vos consolarei (Is 66,13).
Além de "mãe", Deus é terno como um esposo apaixonado[9]:
Eu te desposarei a mim para sempre,
Eu te desposarei a mim na justiça e no direito,
No amor e na ternura.
Eu te desposarei a mim na fidelidade
E conhecerás a Iahweh (Os 2,21-22).
No evangelho, Jesus expressa sua ternura especialmente quando:
- convida os discípulos cansados a repousarem a seu lado: Mc 6,31
- pousa o olhar carinhoso sobre o jovem inquieto: Mc 10,21
- observa e valoriza a oferta da pobre viúva: Mc 12,41-44
- abraça e abençoar as criancinhas: Mc 10,16
- chama a Deus de pai e o louva: Mt 11,25
- apresenta-se como o pastor que cuida das ovelhas: Jo 10,11
- chama seus discípulos até o fim e os chama de filhinhos: Jo 13,1.33
- trata os discípulos como amigos: Jo 15,15
- chora pelo amigo Lázaro: Jo 11,35
- expressa o amor providente do Pai por nós: Lc 12, 22-32
- acolhe, conforta e perdoa a pecadora arrependida: Lc 6,48-50
- encoraja amavelmente seus discípulos: Lc 12,32
- chama de filha a mulher que o toca e fca curada: Lc 8,48
- manifesta profundo afeto pelos discípulos à mesa com ele: Lc 22,14-16
- consola as mulheres de Jesusalém: Lc 23,28
- confia sua mãe e João ao cuidado recíproco: Jo 19,26-27
- chama Madalena de Mariâm, revelando afeto e intimidade: Jo 20,16
- serve pão e peixe aos discípulos perplexos: Jo 21,9
- aceita a pequenez de Pedro, perdoando-o incondicionalmente: Jo 21,15-17
Paulo, por sua vez, elenca as virtudes que nos educam à ternura sincera e recíproca: "Que vosso amor seja sem hipocrisia, detestando o mal e apegados ao bem; com amor fraterno, tendo carinho uns para com os outros, cada um considerando os outros como mais dignos de estima" (Rm 12,9-10). "Como eleitos de Deus, santos e amados, revesti-vos de sentimentos de compaixão, de bondade, humildade, mansidão, longanimidade, suportando-vos uns aos outros e perdoando-vos mutuamente, se alguém tem motivo de queixa contra o outro. Como o Senhor vos perdoou, assim também fazei vós. Mas sobre tudo isso, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição" (Col 3,12-14).
Noutra passagem, o apóstolo louva o "Pai de misericórdias e Deus de
toda consolação" (2Cor 1,3). A consolação expressa a ternura de Deus por
nós e o cuidado recíproco que devemos exercitar, como irmãos e irmãs: "(O
Pai) nos consola em todas as nossas aflições, para que possamos consolar os que
estão em qualquer tribulação[10], mediante a consolação que nós mesmos
recebemos de Deus" (v. 4). De tal modo, que o Espírito Santo - o
Consolador (parákletos) - é a ternura divina em Pessoa, derramada em nossos
corações: "O amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito
Santo que nos foi dado" (Rm 5,5). "Assim também o Espírito socorre a
nossa fraqueza: pois não sabemos o que pedir como convém; mas o próprio
Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis" (Rm 8,26).
O "cuidado" - calor da ternura:
A ternura remete à relação afável e cálida - em contraposição à indiferença e à
frieza. Ela é, sobretudo, zelosa, paciente, atenciosa. Entre tantas expressões
possíveis, o cuidado pode ter também a conotação de ternura, especialmente se
aliado à afabilidade e ao calor. Quando Jesus lança o olhar sobre Jerusalém,
comunica todo o calor de seu afeto: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os
profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes quis eu ajuntar os
teus filhos, como a galinha recolhe seus pintinhos debaixos das asas, e não o
quiseste!" (Mt 23,37). Séculos depois, conta-se que Francisco lançou o
olhar sobre Assis, invocando o perdão divino aos moradores da cidade[11]. Sem
dúvida, calor e afabilidade se comunicam no olhar enternecido - o mais sutil
dos afagos.
Conclusão:
Experiências de compaixão, misericórdia e ternura
são sempre uma "boa notícia"! Pois, com tais vivências, somos
refeitos, devolvidos à vida e à esperança de viver. Aqui toda a força criativa
do amor (= póiesis) se expressa: o olhar se compadece; o corpo se faz
sacramento de ternura para o outro; os toques (em vez de ferir) regeneram.
Trata-se de algo tão fundamental para a vida, que nessas vivências
transcendência e imanência se encontram: a pessoa humana inteira, reconciliada,
solidária e feliz, é a melhor imagem de Deus que poderíamos encontrar - entre
todas as criaturas.
Aqui também, o evangelho de Jesus se faz poético e
profético: tão criativo e vivificador - enquanto boa notícia para o mundo - que
provoca, inquieta e desinstala diante das situações de dor, injustiça e morte,
nas quais Deus e a humanidade são negados.
Nesse sentido, profecia e poesia se dão as mãos -
fazendo do justo, um profeta; do profeta, um misericordioso; do misericordioso,
um bem-aventurado. Enternecer-se, tocar o próximo pela solidariedade e
comunicar ternura, é algo que nos faz todos profetas e poetas - daquela
profecia e poesia próprias do evangelho. As feridas são curadas; os diálogos se
estabelecem; os bens se repartem; a comunhão acontece.
Mais que utopia, a História ensina que - se a
humanidade ainda vive, apesar da pobreza, da fome e da violência - é porque,
justamente, a compaixão e amisericórdia têm sido praticadas por pessoas
convictas e ousadas: Francisco de Assis, Francisco de Paula, Luísa de Marillac,
Vicente de Paulo, Joana Fancisca Chantal, Isabel de Portugal, José de Anchieta,
Camilo de Lelis, Luigi Orione, Charles de Foucault, Basilea Schlinck, Dietrich
Bonhöffer, Martin Luther King, Damien de Molokai, Raoul Follereau, Betinho,
Hélder Câmara, Teresa de Calcutá e Luciano Mendes de Almeida, entre tantos.
Hoje, as obras de misericórdia se organizam de modo
criativo e inteligente, inseridas na promoção da solidariedade, da justiça e da
paz. Iniciativas como Casas de Misericórdia, Adveniat, Misereor, Ajuda à Igreja
que Sofre, Pontifícias Obras Missionárias, Campanhas das Fraternidades, Década
de Superação da Violência, Conferência Vicentina, Voluntariados, Leigos para o
Terceiro Mundo, Médicos sem Fronteiras, Forums permanentes de Justiça e Paz,
Universidade Solidária, Cidade dos Meninos, Campanhas pela Superação da Miséria
e da Fome, Banco de Alimentos, Casas Vida, Casa do Zezinho, Casas Betânia,
Pastorais Sociais, ONG's e Novas Comunidades (católicas e evangélicas) fazem da
misericórdia uma profecia para nosso tempo e um bálsamo para antigas e novas
feridas humanas. É como diz Jesus: "Vai e faze o mesmo!" (Lc 10,37).
Dr. Pe.
Marcial Maçaneiro SCJ
Doutor em teologia pela Pontifícia
Universidade Gregoriana de Roma. Membro do Grupo de reflexão ecumênica e de
diálogo inter-religioso da CNBB (Gredire). Membro do Comitê teológico
internacional de sua Congregação religiosa. Professor de teologia sistemática e
comparada na Faculdade Dehoniana. Editor da revista TQ Teologia em Questão.
Assessor para diálogo ecumênico e inter-religioso da CNBB. Verificador do MEC
para cursos de Filosofia e Teologia no Brasil. Colaborador do CEM - Centro de
Estudos Mineiros (UFMG) para estética e religiosidade do barroco. Pertence à
Congregação dos Padres do Coração de Jesus (dehonianos).
marcialscj@hotmail.com fone (12) 3621-2564
dehoniana@uol.com.br fone
(12) 3632=7830
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[1] No Judaísmo, Isaías adverte sobre o jejum que agrada a Deus, porque é
acompanhado pela prática do direito para com os pobres, orpimidos, famintos e
desabrigados (Is 58,1-12). No Cristianismo, além dos evangelhos, Tiago prega a
piedade para os necessitados e a justiça para os assalariados (Tg 2 e 5). No
Islam, vale citar esta bela passagem do Al-Qurân: "A piedade não consiste
em voltar a face ao Oriente ou ao Ocidente. Piedoso é aquele que crê em Deus,
no juízo, nos anjos, no Livro e nos profetas; que, por amor a Deus, dá de deus
bens aos parentes, aos órfãos, aos necessitados, aos peregrinos e aos mendigos;
é aquele que resgata os escravos, recita as preces e paga o tributo dos pobres;
que cumpre suas obrigações, suportando adversidades, infortúnios e perigos.
Assim são os crentes e piedosos" (Surata 2,177).
[2] Dives in misericordia 4.
[3] Cf. CANCIAN, Domenico. "O evangelho da misericórdia". In VIRGILI, Rosanna et alii. Misericórdia - face de Deus e da nova humanidade. São Paulo: Paulinas,
2006, p. 37-96.
[4] Deus como "pai" no AT: Dt 32,6; 2Sm 7,14; 1Cr 17,13; 22,10;
28,6; Tb 13,4; (Sl 27,10); Sl 68,6; 89,27; Sb 14,3; Sir 23,1.4; 51,10; Is
63,13; 64,7; Jer 3,4.19; 31,9; Ml 1,6; 2,10. No NT, Paulo sintetiza estas
passagens em 2Cor 1,3 e Ef 3,14-15.
[5] Todas as cenas de misericórdia em Lc 15 são coroadas pela alegria; e
o apóstolo Paulo recomenda: "quem exerce misericórdia, faça-o com
alegria" (Rm 12,8). A alegria, associada à misericórdia e à benignidade, é
um fruto do Espírito Santo, que no-la dá nas suas consolações (cf. At 8,7-8; Rm
14,17; 2Cor 9,7; Gl 5,22).
[6] Cf. BUENAVENTURA. "Colaciones sobre los siete dones del Espíritu
Santo". In Obras de San Buenaventura, tomo V. Madrid: BAC, 1948.
[7] À luz de de Ef 2,8-10 e Gl 5,6 as "obras de misericórdia" são
o testemunho diaconal e sacerdotal do Povo de Deus, ungido pelo batismo. Assim,
temos um consenso ecumênico sobre o valor das "boas obras" - enquanto
obras da fé, suscitadas pela graça - que atuam o amor evangélico (ágape).
Portanto, não há contradição entre Paulo e Tiago.
[8] Cf. MURAD, Afonso; MAÇANEIRO, Marcial. A espiritualidade como caminho
e mistério. São Paulo: Loyola, 1999, p. 91-95.
[9] Cf. também o belíssimo relato de Ez 16,1-14.
[10] Consolar os aflitos é, ao mesmo tempo, expressão de ternura, obra de
misericórdia e bem-aventurança: "Felizes os aflitos, porque serão
consolados" (Mt 5,5).
[11] Por sua misericórdia e ternura, Francisco foi considerado speculum
Christi (espelho ou reflexo de Cristo) pela espiritualidade ocidental. Cf.
BOFF, Leonardo. Francisco de Assis - ternura e vigor. 5a. ed. Petrópolis:
Vozes, 1991. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. 6a. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2001.
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Amai-vos
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