Aqueles que levam a cabo atos perversos de terror
em nome do chamado Estado Islâmico (o que, apesar de suas reivindicações
distorcidas, nada tem a ver com Deus ou religião) se transformaram numa grande
ameaça para o mundo de hoje.
Cada ataque terrorista que eles, e aqueles a quem
inspiram, infligem contra os cidadãos desavisados serve para interromper as
nossas rotinas e modos de vida bem-estabelecidos. Eles estão encontrando meios
de tumultuar cada canto desta natureza divina e de piorar muitos lugares que já
estavam arrasados.
Mas estes fanáticos desorientados e depravados não
são a maior ameaça à vida na forma como a conhecemos atualmente.
Há uma ameaça muito mais perigosa aí fora.
É o Papa Francisco.
Não, ele não está planejando um reino de terror.
Ele está, isto sim, profeticamente disseminando uma mensagem que – se a
acatarmos de fato – poderá facilmente abalar e mudar as nossas vidas de um modo
muito mais radical e desestabilizador do que tudo o que os militantes do ISIS
possam vir desencadear.
Ele vem assim agindo em níveis múltiplos e em
várias frentes. Ele tem encontrado focos de resistência em setores da
sociedade, e mesmo dentro da Igreja Católica.
Existem aqueles que frequentam as missas aos
domingos e que se irritam com os seus pedidos insistentes por uma reforma ampla
da “economia que mata”, incluindo uma maior regulamentação dos livres mercados.
Existem os benfeitores ricos e generosos das dioceses católicas, pessoas que
tentam ser tão responsáveis com os seus recursos quanto ser esforçados em
lucrar, pessoas que se ofendem pelos apelos angustiados do papa por uma
distribuição mais justa da riqueza.
Existem cidadãos bons e decentes de todas as
crenças e entre aqueles que não possuem nenhuma religião, pessoas apaixonadas
que se ofendem com o pontífice e acreditam que ele está redondamente enganado
ao exigir que a Europa e a América do Norte abram suas portas aos migrantes e
refugiados da África e do Oriente Médio.
Existem católicos sérios que estão escandalizados
com as exortações infindáveis do papa em acolher aqueles a quem as regras de
suas igrejas definem como impuros ou vivendo em pecado (tais como os
divorciados e recasados, os gays e as lésbicas autoafirmados e os que, em boa
consciência, usam métodos contraceptivos).
Eles e outros ficam horrorizados com a convicção de
Francisco de que a Igreja de Roma não tem escolha senão se envolver no diálogo
com os cristãos que rejeitam alguns de seus dogmas, com as pessoas de outros
credos que não acreditam em Jesus Cristo, com os que não acreditam em Deus, com
os céticos e mesmo com os que são os inimigos declarados da Igreja.
Toda vez que o papa condena os fabricantes de armas
e o comércio armamentista, ele enfurece aqueles, especialmente nos EUA,
inclusive católicos, que creem existir um propósito jurídico para a posse
individual de armas em casa ou para a ação militar maciça ao redor do mundo.
Assim ele enfurece os farisaicos quando se posta
contra a pena capital e mesmo contra as condenações perpétuas, insistindo que
as prisões e outras instalações correcionais deveriam ser transformadas em
centros de reabilitação, em vez de permanecerem como locais para a mera
imposição de punições.
Francisco chama ao trabalho – alguns diriam até
mesmo que ele arenga – praticamente todo mundo com um ou outro aspecto de seu
ensino abrangente a respeito da ecologia como a criação de Deus.
Por exemplo, existem aqueles que creem que o papa
passou por cima de sua autoridade e da decência humana quando insistiu que as
mulheres não têm direito a terminar ou não querer mais uma gravidez
problemática. Têm outros que dizem que ele está indo além de seu escopo quando
entra no debate em torno das mudanças climáticas ficando ao lado dos que
acreditam que a atividade humana irresponsável é o culpado pelo fenômeno do
aquecimento global.
Mas a ameaça mais perniciosa que Francisco
apresenta a tantas pessoas em nossas sociedades e em nossa Igreja relaciona-se
com a sua obsessão com a misericórdia.
Sim, a misericórdia. A misericórdia é uma arma
muito mais perigosa do que as bombas dos terroristas.
Isso porque a sua prática requer que perdoemos os
que nos têm magoado, mesmo que o tenham feito de um modo horrível. Significa
que nós os perdoamos em lugar de exigir, segundo a justiça humana, que
restaurem exatamente o que destruíram (mesmo se isso seja, na maioria das
vezes, impossível).
A misericórdia e o perdão são os opostos exatos da
retaliação, vingança e mesmo da retribuição.
Pedir que sejamos misericordiosos – tal como Jesus
diz que não devemos julgar, mas sim dar a outra face e amar os nossos inimigos
– vai contra o nosso sentimento inato de justiça e equidade.
É verdade que aqueles que nos têm prejudicado ou
que romperam com a lei devem ser responsabilizados por seus atos. Mas sem
misericórdia, perdão e reconciliação, não pode haver cura, nem para a vítima
nem para o perpetrador.
Aos nos recusarmos a demonstrar misericórdia e
perdão aos que nos atacaram ou abusaram, nós – seja um país, uma instituição,
um grupo particular ou um indivíduo singular – podemos facilmente acabar
agarrados às nossas próprias feridas com orgulho e um falso sentimento de
justiça.
A única maneira de curar estas transgressões é
libertando-nos delas.
O chamado de Francisco a uma maior misericórdia no
mundo e em nossas vidas não é uma tentativa distorcida, sentimentalista para
encobrir as faltas ou varrer os erros para baixo do tapete.
Pelo contrário, trata-se de uma mensagem
desafiadora – sim, até mesmo ameaçadora – que vai derrubar as nossas vidas se
nós, verdadeiramente, acolhermos a misericórdia e ofertá-la aos demais.
A Igreja, como o sacramento universal da salvação,
precisa assumir esta convocação à misericórdia.
Esta é uma enorme intuição de Francisco.
Se ela não ameaça algum aspecto da sua vida – não
importa se você se identifique como um tradicionalista, progressista ou algo
intermediário –, então você provavelmente não está escutando.
Robert
Mickens,
editor-chefe da revista Global Pulse. Desde 1986,
vive em Roma, onde estudou Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana antes
de trabalhar por 11 anos na Rádio Vaticano e, então, mais uma década como
correspondente do jornal The Tablet, de Londres.
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Fonte: National
Catholic Report
Tradução: Isaque
Gomes Correa.
Disponível:
IHU Unisinos
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