A liturgia é para nosso alimento, alento e
transformação espiritual: ela nos cristifica, isto é, é obra do próprio Cristo
que, na potência do Espírito, nos dá Sua própria Vida, aquela que Ele possui em
plenitude na Sua humanidade glorificada no Céu.
Participar da liturgia é participar das coisas do
Céu, é entrar em comunhão com a própria Vida plena e glorificada do Cristo
nosso Senhor.
A liturgia não é feita produzida por nós, não é
obra nossa!
Ela é instituição do próprio Senhor.
Para se ter uma ideia, basta pensar em Moisés, que
vai ao faraó e lhe diz: “Assim fala o Senhor: deixa o Meu povo partir para
fazer-Me uma liturgia no deserto”. E, mais adiante, explica ao faraó que
somente lá, no deserto, o Senhor dirá precisamente que tipo de culto e que
coisas o povo Lhe oferte.
Isto tem a ação litúrgica de específico e
encantador: não entramos nela para fazer do nosso modo, mas do modo de Deus;
não entramos nela para nos satisfazer, mas para satisfazer a vontade de Deus.
Por isso digo tantas vezes que o espaço litúrgico
não é primeiramente antropológico, mas teológico: a liturgia é espaço
privilegiado para a manifestação e atuação salvífica de Deus em Cristo Jesus
nosso Senhor.
Nela, a obra salvífica de Cristo é perenemente
continuada na Igreja.
Dito de modo ainda mais direto: a Liturgia não é
primeiramente ação da Igreja que louva a Deus - é isto também, é isto sim de
modo irrenunciável -, mas é primeiramente ação do próprio Deus Triuno que vem a
nós com a Sua salvação, dando-nos, assim, o que oferecer a Ele!
O problema é que entrou em certos ambientes da
Igreja uma concepção errada de liturgia, totalmente alheia ao sentido da
genuína tradição cristã: a liturgia como algo que nós fazemos, do nosso modo, a
nosso gosto, para exprimir nossos próprios sentimentos.
Numa concepção dessas, o homem, com seus
sentimentos, gostos e iniciativas, é o centro e Deus fica de lado!
Trata-se, então, de uma simples busca de nós
mesmos, produzida por nós mesmos; uma ilusão, pois aí só encontramos nós e os
sentimentos que provocamos. É o triste curto-circuito: faz-se tudo aquilo
(coreografias, palmas, trejeitos, barulho, baterias infernais, sorrisinhos do
celebrante, comentários e cânticos intimistas, invenções impertinentes e
despropositadas...) para que as pessoas sintam, liguem-se, “participem”... Mas,
tudo isto somente liga a assembleia a si mesma. Não passa de uma exaltação
subjetiva e sentimental!
Aí não se abre de fato para o Silêncio de Deus,
para Aquele que vem nos surpreender com Sua glória e Sua ação silenciosa,
profunda, consistente e transformadora.
A assembleia já não celebra com a Igreja de todos
os tempos e de todos os lugares; muito menos com a Igreja celeste!
Num ambiente assim, a ação litúrgica já não é
expressão do mistério salvífico do Pai pelo Filho no Espírito, mas festinha da
assembleia barulhenta, oca e autorreferencial.
O sentido da liturgia é um outro: é um culto
prestado a Deus porque Ele é Deus!
O seu centro, o seu polo unificador é Deus!
A liturgia é algo devido a Deus e instituído pelo
próprio Deus!
Quando alguém participa de uma liturgia celebrada
como a Igreja determina e sempre celebrou, se reorienta, se reencontra, toma
consciência de sua própria verdade: sou pequeno, dependente de Deus e
profundamente amado por Ele: Nele está minha vida, meu destino, minha verdade,
minha paz.
Nada é mais libertador que isso; nada mais real,
nada mais capaz de nos amadurecer, nada mais didático para que o homem aprenda
toda a sua pequenez, toda a sua grandeza e todo o sentido da sua existência!
Vê-se a diferença entre essas duas atitudes ante a
realidade litúrgica: Na visão que se está difundindo, criamos uma sensação, uma
ilusão. É algo parecido com a sensação de bem-estar que se pode sentir diante
de uma paisagem bonita, num bloco de carnaval, num show, num momento sublime,
numa noite com a pessoa amada...
O resultado final não é o crescimento na vida com
Deus nem o amadurecimento profundo de quem tem consciência serena e clara do
que é e do sentido da própria existência...
Têm-se momentos gostosos, "celebrativos",
como gracinhas feitas numa creche para animar e entreter a meninada infantil...
Na perspectiva que a Igreja sempre teve e ensinou,
não!
Na ação litúrgica, estamos diante da Verdade que é
Deus; verdade que não produzimos nem inventamos, mas vem a nós como dom, como
oferta, como graça, como surpresa, como novidade e enche o nosso coração!
Devemos procurá-la, esta Verdade? Certamente sim:
"Fizeste-nos para Ti, Senhor, e nosso coração andará inquieto enquanto não
descansar em Ti!"
Mas para isto é indispensável a capacidade de
silêncio que acolhe, de escuta que procura, de abrir os olhos do coração para a
beleza de Deus. A liturgia nos dá isto!
Alguém dirá, certamente: Mas, o povo não compreende
estas coisas sofisticadas, tudo isto é muito distante da nossa realidade!
Atenção: a Liturgia é como um bom vinho! Ninguém,
naturalmente, aprecia o vinho, a não ser que vá aprendendo a degustá-lo...
Com a liturgia sempre foi assim! Os grandes
pastores e doutores da Igreja tiveram continuamente a peito introduzir o Povo
de Deus nos santos mistérios que celebrava. É o que se chama de mistagogia:
introdução à celebração dos santos mistérios!
Não é a liturgia que deve ser barateada,
vulgarizada, empobrecida para descer à mediocridade do nosso mundo do
superficial e do descartável, da novidade vazia, do barulho e do óbvio... São
os pastores da Igreja que, vivendo profundamente o mistério, no Altar e na vida,
devem ajudar o Povo de Deus a elevar-se!
"Corações ao Alto!" - devem dizer sempre
os pastores!
"O nosso coração está em Deus!" - deve
aprender a responder sempre o rebanho!
Dom Henrique
Soares
___________________________________
In Guardia
Nenhum comentário:
Postar um comentário