Prezado leitor protestante,
Era muito conceituado, em certa cidade, um professor que ensinava, havia 50 anos. As noções que ele ministrava sobre a matemática, a história, a geografia, a língua vernácula etc, as tinha recebido de outros mestres, ainda mais antigos e tão conceituados como ele, os quais por sua vez também já haviam aprendido de outros preceptores. Mas um dia apareceu um jovem aluno que se rebelou contra o ensino de seu mestre. Não lhe agradava o método usado naquelas aulas, nem concordava com o que nelas se aprendia. A seu ver, estava tudo errado. E resolveu abrir uma nova escola, em oposição à do velho e ministrando uma instrução completamente diversa. Mas todo o mundo notou logo que o ensino do jovem revolucionário era completamente desordenado: o moço titubeava, confundia-se, caía em evidentes contradições. Isto serviu para aumentar o prestígio do velho professor, que podia agora dizer com desdém de seu antagonista: vá estudar, menino, porque você ainda não está em condições para abrir uma escola!
O grande navio, pertencente a uma antiga empresa de navegação, singrava os mares em demanda do seu destino, quando o velho comandante foi surpreendido pela revolta de muitos passageiros, que o procuravam para protestar. O navio, segundo eles diziam, estava seguindo uma direção completamente errada. Pois eles entendiam também de navegação... Embora lhes faltasse a longa experiência, tinham, no entanto em mãos o mesmo livro, os mesmos mapas que serviam de guia ao comandante e a seus auxiliares e tinham chegado à mesma conclusão de que estes estavam redondamente enganados. E diante da recusa do comandante a modificar sua rota, resolveram em nome da liberdade, abandonar o navio, construir, eles próprios, suas embarcações e seguir o caminho que lhes parecia mais acertado. Boa sorte! – respondeu-lhes o comandante. Mas os passageiros que ficaram a bordo, que tinham confiança na velha empresa, no navio, naqueles que o dirigiam, nem tiveram tempo para ver surgir no seu espírito qualquer sombra de dúvida, porque logo observaram que aqueles que protestaram coalhavam o mar de barcos e barquinhos e barcaças de toda qualidade, mas cada um seguia um rumo diferente...
Você, caro leitor protestante, está metido nesta balbúrdia de mais de trezentas seitas que ensinam as doutrinas mais diversas. Se, por acaso, os seus correligionários o tem enganado, afirmando que são divergências de muito pouca monta, fá-lo-emos conhecer melhor o que é o Protestantismo e você verá como estas divergências são profundas, escandalosas e sobre pontos importantíssimos. Gritar que só a sua seita está com a verdade e que todas as outras estão erradas, não adianta nem resolve a questão; os elementos de que você dispõe para conhecer a verdade, são os mesmos de que os milhões de adeptos de outras seitas dispõem também; e como você pode garantir que raciocina melhor do que os outros?
Não será o caso de reexaminar agora e confrontar calmamente como a Bíblia esta doutrina católica, que vocês, protestantes, rejeitaram no século XVI e que vem sendo a interpretação do Livro Sagrado, sempre antiga e sempre nova, tradicionalmente seguida, durante 20 séculos, pelos Santos Padres e Doutores e teólogos da Igreja?
Pouco importa, no caso, que o seu espírito esteja cheio de preconceitos, que o seu coração esteja abrasado de ódio contra a Igreja Católica. Se assim é, o seu maior desejo é combatê-la, não é verdade? Mas útil para quem vai entrar em luta, do que conhecer bem a fundo o adversário. E no nosso caso, atribuir à Igreja doutrinas que ela nunca ensinou (como, por exemplo, a doutrina de que o homem se salva exclusivamente pelas suas obras, pelo seu esforço pessoal), querer atacar a Igreja, atribuindo-lhe teorias por ela mesma condenadas, seria ridículo e seria falta de consciência e você é uma pessoa de consciência, pelo menos assim supomos; pois do contrário pode fechar o livro e já temos conversado.
Sendo você uma pessoa de consciência, é claro que não virá armado de truques, nem de sofismas, nem de cavilações. Nem adianta recorrer a estas armas; o livro mesmo se encarregará de inutilizá-las.
Separar a frase bíblica do seu verdadeiro contexto, para dar a ela o sentido que você quer, não conseguirá fazê-lo; veremos, nas passagens bíblicas susceptíveis de ser exploradas em sentido errôneo, não só o que disseram Jesus e os apóstolos, mas também em que ocasião, com que fim, em que sentido o disseram.
Como também não virá com a idéia de apegar-se de unhas e dentes a uns textos, desprezando e enterrando outros. A mesma Bíblia que nos ensina que o homem se salva crendo em Jesus (Atos XVI-31), nos ensina que o homem se salva observando os mandamentos (Mateus XIX-17). A mesma Bíblia que nos diz que o homem é justificado pela fé sem as obras da lei (Romanos III-28), nos diz igualmente que o homem é justificado pelas obras e não pela fé somente (Tiago II-24). Ora nos diz que a pedra angular da Igreja é Jesus Cristo (1ª Pedro II-4 a 6), ora nos diz que Pedro é a pedra sobre a qual Cristo edificou a sua Igreja (Mateus XVI-18). Ora nos diz que o sangue de Cristo nos purifica de todo pecado (1ª João 1-7), ora nos mostra a remissão dos pecados realizada pelo batismo (Atos II-38) ou pelo poder das chaves conferido aos apóstolos (João XX-23) ou, até mesmo, pela extrema-Unção (Tiago V-15). Ora nos apresenta a vida eterna como uma dádiva (Romanos VI-23), ora como um prêmio (1ª Coríntios IX-24 e 25). Tanto nos fala de Cristo como único salvador de todos (1ª Timóteo II-5 e 6), como fala do homem salvando a si mesmo e salvando os outros (1ª Timóteo IV-16). Se o ensinaram a interpretar a Bíblia aceitando, nestes contrastes, a primeira parte e desprezando, não tomando em nenhuma consideração a segunda, então lhe ensinaram uma interpretação muito errada, porque, se a Bíblia é toda ela inspirada por Deus, havemos de aceitar toda a Bíblia, e não anda a fazer escolhas entre textos, para ver somente os que nos agradam, porque é daí que nascem as seitas, as divergências, as heresias. A própria palavra heresia etimologicamente quer dizer escolha. E não há homem algum que fique satisfeito, quando dizem que ele não liga duas, não é verdade? Para que não desmoralizem assim a nossa interpretação, ela tem que conciliar todos estes pontos e mais outros que à primeira vista parecem inconciliáveis e com a graça de Deus havemos de fazê-lo.
- É, dirá você, estou de pleno acordo. Toda a Bíblia e só a Bíblia.
- Calma, caro amigo, toda a Bíblia, isto já está assentando de pedra e cal, porque toda a Bíblia é Palavra de Deus, e a Palavra de Deus não pode ser rejeitada. Quando a dizer só a Bíblia, isto não poderemos dizer agora: vamos consultá-la primeiro, estudá-la carinhosamente. Se ela nos disser que só ela é que deve ser ouvida, então aceitaremos o princípio: só a Bíblia. Se ela, porém, nos apontar outra fonte de ensino da verdade, teremos que aceitar a esta igualmente, porque não podemos ir de encontro à Bíblia, não acha?
Quanto à tradução portuguesa que usaremos no nosso estudo, não há perigo de você nos acusar de nos termos baseado num texto novo, para arranjar as coisas a nosso favor. Usaremos uma tradução muito antiga da Bíblia e muito utilizada pelos católicos como pelos protestantes: a do Pe. Antônio Pereira de Figueiredo. Servimo-nos, para maior comodidade, do ano de 1881. Mas a 1ª edição saiu e Portugal no século XVIII, portanto numa época em que o protestantismo não havia ainda penetrado no Brasil. Citaremos sempre à risca o Pe. Pereira, comparando, quando for necessário, com o texto original e com outros textos de língua portuguesa tanto católicos como protestantes. A única alteração que faremos é substituir pelo verbo dar à luz o verbo parir que, principalmente quando aplicado ao nascimento de Cristo, pode parecer estranho, indecoroso ou pouco educado aos ouvidos de hoje, embora não o fosse absolutamente no tempo em que Pe. Pereira fez a sua tradução.
Finalmente uma última palavra. Vamos estudar a Bíblia com toda sinceridade, não é assim? Pois bem, sinceridade quer dizer o seguinte: se por acaso, pelo nosso estudo, você depreender que está em erro (e é coisa do outro mundo um protestante reconhecer que está em erro? Há no protestantismo doutrinas inteiramente contrárias umas às outras e onde há contradição há erro, todos sabem disso, porque o mais universal de todos os princípios é de que uma coisa não pode ser e deixar de ser ao mesmo tempo) se você depreender que está em erro, como íamos dizendo, não se ponha obstinadamente a querer agarrar-se a argumentos ridículos, nem se limite a dizer displicentemente: “Veremos isto depois”, e dando como sujeito a discussão aquilo que já está por demais examinada e esclarecido, porque, caro amigo, nada podemos contra a verdade, senão pela verdade (2ª Coríntios XIII-8). E se, por acaso, é pastor, é líder, tem admiradores simples e rudes que confiam na sua doutrinação e você reconhece agora que lhes ensinou doutrinas errôneas (máxime se foi por escrito) a sua obrigação é retratar-se ensinando a verdade, porque só assim é que pode seguir a Jesus Cristo, que é a própria Verdade. Assim faz todo homem de bem, e com maioria de razão todo seguidor do Divino Mestre.
E sem esta sinceridade ninguém pode ir ao céu, porque, como diz S. Paulo, Deus retribui com ira e indignação aos que são de contenda e que não se rendem à verdade (Romanos II-8).
Não há nada mais belo do que o homem curvar-se perante a verdade. Nisto não há desdouro, nem motivos para constrangimentos, mas sim uma verdadeira libertação.
Quanto a você, estimado leitor católico, que vai tranqüilo e sossegado no seu navio, enquanto lá fora as barcaças revoltosas se desencontram, pouca coisa temos para lhe dizer. Que este livro lhe sirva para enriquecer o conhecimento de Cristo e de sua Religião, e o ajude a rebater ainda melhor os ataques e as objeções dos hereges protestantes, são estes os nossos sinceros votos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário