Mensagem
do Papa Francisco para o
50° Dia Mundial das Comunicações Sociais
Sexta-feira,
22 de janeiro de 2016
Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo
Queridos irmãos e irmãs!
O Ano Santo da Misericórdia convida-nos a reflectir
sobre a relação entre a comunicação e a misericórdia. Com efeito a Igreja unida
a Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é chamada a viver a
misericórdia como traço característico de todo o seu ser e agir. Aquilo que
dizemos e o modo como o dizemos, cada palavra e cada gesto deveria poder
expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos. O amor, por sua
natureza, é comunicação: leva a abrir-se, não se isolando. E, se o nosso
coração e os nossos gestos forem animados pela caridade, pelo amor divino, a
nossa comunicação será portadora da força de Deus.
Como filhos de Deus, somos chamados a comunicar com
todos, sem exclusão. Particularmente próprio da linguagem e das acções da
Igreja é transmitir misericórdia, para tocar o coração das pessoas e
sustentá-las no caminho rumo à plenitude daquela vida que Jesus Cristo, enviado
pelo Pai, veio trazer a todos. Trata-se de acolher em nós mesmos e irradiar ao
nosso redor o calor materno da Igreja, para que Jesus seja conhecido e amado;
aquele calor que dá substância às palavras da fé e acende, na pregação e no
testemunho, a «centelha» que os vivifica.
A comunicação tem o poder de criar pontes,
favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como é bom
ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos para
superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia.
As palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos
sociais, os povos. E isto acontece tanto no ambiente físico como no digital.
Assim, palavras e acções hão-de ser tais que nos ajudem a sair dos círculos
viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os indivíduos e as
nações, expressando-se através de mensagens de ódio. Ao contrário, a palavra do
cristão visa fazer crescer a comunhão e, mesmo quando deve com firmeza condenar
o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a comunicação.
Por isso, queria convidar todas as pessoas de boa
vontade a redescobrirem o poder que a misericórdia tem de curar as relações
dilaceradas e restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas comunidades.
Todos nós sabemos como velhas feridas e prolongados ressentimentos podem
aprisionar as pessoas, impedindo-as de comunicar e reconciliar-se. E isto
aplica-se também às relações entre os povos. Em todos estes casos, a
misericórdia é capaz de implementar um novo modo de falar e dialogar, como se
exprimiu muito eloquentemente Shakespeare: «A misericórdia não é uma obrigação.
Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É uma dupla bênção:
abençoa quem a dá e quem a recebe» (O mercador de Veneza, Acto IV, Cena I).
É desejável que também a linguagem da política e da
diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá nada por perdido.
Faço apelo sobretudo àqueles que têm responsabilidades institucionais,
políticas e de formação da opinião pública, para que estejam sempre vigilantes
sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age de forma
diferente e ainda de quem possa ter errado. É fácil ceder à tentação de
explorar tais situações e, assim, alimentar as chamas da desconfiança, do medo,
do ódio. Pelo contrário, é preciso coragem para orientar as pessoas em direcção
a processos de reconciliação, mas é precisamente tal audácia positiva e
criativa que oferece verdadeiras soluções para conflitos antigos e a
oportunidade de realizar uma paz duradoura. «Felizes os misericordiosos, porque
alcançarão misericórdia. (…) Felizes os pacificadores, porque serão chamados
filhos de Deus» (Mt 5, 7.9).
Como gostaria que o nosso modo de comunicar e
também o nosso serviço de pastores na Igreja nunca expressassem o orgulho
soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhassem aqueles que a mentalidade
do mundo considera perdedores e descartáveis! A misericórdia pode ajudar a
mitigar as adversidades da vida e dar calor a quantos têm conhecido apenas a
frieza do julgamento. Seja o estilo da nossa comunicação capaz de superar a
lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar
situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos
julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas. É
nosso dever admoestar quem erra, denunciando a maldade e a injustiça de certos
comportamentos, a fim de libertar as vítimas e levantar quem caiu. O Evangelho
de João lembra-nos que «a verdade [nos] tornará livres» (Jo 8, 32). Em última
análise, esta verdade é o próprio Cristo, cuja misericórdia repassada de
mansidão constitui a medida do nosso modo de anunciar a verdade e condenar a
injustiça. É nosso dever principal afirmar a verdade com amor (cf. Ef 4, 15).
Só palavras pronunciadas com amor e acompanhadas por mansidão e misericórdia
tocam os nossos corações de pecadores. Palavras e gestos duros ou moralistas
correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e
à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa.
Alguns pensam que uma visão da sociedade enraizada
na misericórdia seja injustificadamente idealista ou excessivamente indulgente.
Mas tentemos voltar com o pensamento às nossas primeiras experiências de
relação no seio da família. Os pais amavam-nos e apreciavam-nos mais pelo que
somos do que pelas nossas capacidades e os nossos sucessos. Naturalmente os
pais querem o melhor para os seus filhos, mas o seu amor nunca esteve
condicionado à obtenção dos objectivos. A casa paterna é o lugar onde sempre és
bem-vindo (cf. Lc 15, 11-32). Gostaria de encorajar a todos a pensar a
sociedade humana não como um espaço onde estranhos competem e procuram
prevalecer, mas antes como uma casa ou uma família onde a porta está sempre
aberta e se procura aceitar uns aos outros.
Para isso é fundamental escutar. Comunicar
significa partilhar, e a partilha exige a escuta, o acolhimento. Escutar é
muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação; escutar,
ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade. A escuta permite-nos
assumir a atitude justa, saindo da tranquila condição de espectadores,
usuários, consumidores. Escutar significa também ser capaz de compartilhar
questões e dúvidas, caminhar lado a lado, libertar-se de qualquer presunção de
omnipotência e colocar, humildemente, as próprias capacidades e dons ao serviço
do bem comum.
Escutar nunca é fácil. Às vezes é mais cómodo
fingir-se de surdo. Escutar significa prestar atenção, ter desejo de
compreender, dar valor, respeitar, guardar a palavra alheia. Na escuta,
consuma-se uma espécie de martírio, um sacrifício de nós mesmos em que se
renova o gesto sacro realizado por Moisés diante da sarça-ardente: descalçar as
sandálias na «terra santa» do encontro com o outro que me fala (cf. Ex 3, 5).
Saber escutar é uma graça imensa, é um dom que é preciso implorar e depois
exercitar-se a praticá-lo.
Também e-mails, sms, redes sociais, chat podem ser
formas de comunicação plenamente humanas. Não é a tecnologia que determina se a
comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua capacidade de
fazer bom uso dos meios ao seu dispor. As redes sociais são capazes de
favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a
uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente
digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir,
realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral. Rezo para que o Ano
Jubilar, vivido na misericórdia, «nos torne mais abertos ao diálogo, para
melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento
e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação»
(Misericordiae Vultus, 23). Em rede, também se constrói uma verdadeira
cidadania. O acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro,
que não vemos mas é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede
pode ser bem utilizada para fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à
partilha.
A comunicação, os seus lugares e os seus
instrumentos permitiram um alargamento de horizontes para muitas pessoas. Isto
é um dom de Deus, e também uma grande responsabilidade. Gosto de definir este
poder da comunicação como «proximidade». O encontro entre a comunicação e a
misericórdia é fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida,
conforta, cura, acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado,
polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e
solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade.
Vaticano, 24 de Janeiro de 2016.
FRANCISCUS
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Boletim Da
Santa Sé
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