Lá
vou eu, novamente, escrevendo do que percebo, do que meu coração intui...
É triste e trágico o que tem acontecido com a Igreja católica nas últimas décadas. Vou logo dizendo que se trata de uma interpretação torta, unilateral e truncada do Concílio Vaticano II. De modo algum é culpa do Concílio, mas de uma certa leitura dele, que se impôs vulgarmente...
Estou
pensando concretamente no fenômeno da secularização e de sua consequência mais
palpável: a dessacralização. Pouco a pouco, a golpe de picaretas de
vulgaridade, superficialidade, mau gosto e informalidade, vão-se jogando fora
expressões veneráveis que eram importantes mediações do Mistério. Símbolos,
sinais, gestos, comportamentos, tudo vai sendo jogado fora, ridicularizado,
tratado com zombaria como forma de causar constrangimento...
O
Deus invisível, visível no Senhor Jesus e, ainda assim, misterioso, era
serenamente mediado continuamente nos símbolos, gestos, palavras, ritos,
costumes que, inspirados pela fecunda e discreta ação do Espírito na Igreja,
foram se desenvolvendo paulatinamente no seio da Comunidade eclesial. Esse
conjunto simbólico e consuetudinário colocava o fiel como que imerso no
Mistério divino, ajudando-o a perceber psicológica e existencialmente a
realidade ontológica que envolve aqueles que em Cristo são feitos novas
criaturas.
Após
o Concílio, muitíssimos esposaram a ideia torta de que a secularização
aproximaria a Igreja do mundo. Não perceberam, não percebem que tal atitude
somente banaliza a fé, mundaniza a Igreja, amolece e adormece nos corações dos
crentes o sentido do sagrado, da presença de Deus e de Sua santidade... Sem
esta mediação da sacralidade, a Igreja vai perdendo a capacidade de perceber o
Mistério, de abrir-se a Ele, de escutá-Lo. Ela vai perdendo a atitude
fundamental que brota do "Ouve, ó Israel"
e vai se tornando uma Igreja autorreferencial, que se preocupa o tempo todo
consigo mesma, em ser atraente e aplaudida diante do mundo secularizado... Mas,
o resultado é o oposto!
Neste
caso, vamos perdendo a qualidade de religião para assumirmos, na percepção dos
de fora, a característica de ONG encarregada de temas humanitários... Sem
dúvida, uma Instituição ainda com alguma utilidade, mas, não mais religiosa.
Porque a religião somente pode ser expressa enquanto tal quando nos liga ao
Mistério divino e, a Ele nos ligando, liga os fieis entre si e liga os
múltiplos aspectos da vida no coração de cada fiel.
Um
exemplo que exprime de modo dramático o que estou afirmando - poderia citar
outros - é a tremenda crise da vida religiosa. Um dos principais motivos é a
secularização. Dessacralizada, tendo perdido símbolos e observâncias, tendo
deixado de lado a materialidade de suas práticas, reduzindo muitíssimo de sua
riqueza a ideias e conceitos abstratos ela não atrai, não traz aos que a procuram
a doce alegria de perceber-se e ser percebido como alguém que tudo deixou e foi
separado do mundo secular para servi-lo como sinal e mediação do Eterno. Não é
por acaso que tantos, depois da primeira profissão deixam tudo e voltam à vida
secular... Não é por acaso que as novas comunidades atraem a tantos, e tantos
que se entregam de modo tão generoso! Alguns podem contestar o que afirmo, mas
isto não muda a dura realidade das coisas!
Deveríamos
ter a coragem de reconhecer a tremenda crise na qual nos metemos... Deveríamos
deixar de lado preconceitos, triunfalismos ilusórios e desbotados discursos
ideológicos mais próprios dos anos 60 ou 70 do século passado (!) e dialogar de
modo desarmado e fecundo com o imenso patrimônio da Igreja nos seus vinte séculos
de caminho...
Alguns
podem sentir-se contrariados com estas afirmações, pensando de modo unilateral
e simplístico que a Encarnação do Verbo seja álibi para a secularização. O
Verbo Se fez mundo, poderiam exclamar! Errado! Em Cristo Jesus, verbo divino
feito humano, feito matéria, feito mundo, Deus Se nos dá, vem a nós, faz-Se
Emanuel, mas continua o Santo, o Misterioso!
A Encarnação nos diz que a Igreja e seus filhos devem estar no mundo com uma atitude benévola e benigna e nele serem luz, serviço, mansidão, misericórdia, humildade, testemunho, mas como sinais do Santo, do Eterno, do Senhor, do Deus que nos convida à conversão e não Se dobra às nossas malandragens! O Jesus aparecido entre nós na Sua humilde e pobre humanidade continua Deus e, ressuscitado gloriosamente, é adorado como Senhor, Vivente tremendo, diante de Quem João cai prostrado no Apocalipse.
O Senhor não é nosso compadre e a Igreja não é nossa propriedade , não é uma organização que possamos manipular a nosso arbítrio para fazê-la mais simpática e atraente. Assim, ela será somente insignificante enquanto religião e já não mais evocará sacramentalmente o Mistério Daquele Único Necessário que dá sentido e Vida à vida do mundo e de cada um de nós... Infelizmente, é assim que muitos, dentro e fora dela, a compreendem e imaginam...
Alicerçados numa certeza
Vivemos
num mundo de tantas ideias, diversas, desencontradas e contraditórias... Mil
visões sobre a realidade que nos envolve: têm-se opiniões e teorias sobre o universo,
sobre a natureza, sobre a história e suas leis, sobre a biologia, sobre o
psiquismo humano, o sentido da sexualidade, da cultura... No entanto, nenhuma
dessas ideias explica e engloba o todo da realidade, nenhuma satisfaz realmente
o nosso coração, com suas perguntas infindáveis...
Também
as religiões: tantas! E agora, com a globalização dos meios de comunicação e a
inédita intensidade de deslocamentos humanos, vamos nos dando conta da
diversidade impressionante no modo como a humanidade concebe o Divino, o
sagrado e suas relações com Ele...
Também no cristianismo mesmo: nunca se viu tantas denominações, tantas seitas, tantas “igrejas” pegue-e-pague como agora! Igrejas de araque, pastores de araque, missionários de araque com milagres de araque e promessas de araque... Ante tal realidade tão complexa e inusitada, não são poucos os que se sentem perplexos e se questionando se existe mesmo a Verdade e a religião verdadeira.
Não seria o cristianismo, não seria a nossa fé católica simplesmente mais uma possibilidade entre tantas, mais uma tentativa ilusória de explicar e enfrentar a existência?
É
necessário, meu caro Amigo, recordar de onde viemos, qual o nosso nascedouro:
não uma filosofia, uma ideia, um sonho utópico.
Tudo
começou com um fato bem concreto, histórico, desconcertante. Pedro e João dele
falaram, bem no iniciozinho do nosso caminho de Igreja neste mundo; falaram
diante do Sinédrio de Israel: “O Deus de nossos pais ressuscitou Jesus, a quem
vós matastes suspendendo-O no madeiro. Deus, porém, O exaltou com a Sua
Direita, fazendo-O Chefe e Salvador. Nós somos testemunhas destas coisas, nós e
o Espírito Santo!” (At 5,30ss).
Eis
aqui o princípio de tudo: homens ignorantes, rudes, sem grande instrução
religiosa nem posição social (cf. At 4,13) testemunharam corajosamente um fato,
uma experiência objetiva que modificou para sempre a vida deles!
Quando,
na corrida da vida, o turbilhão de ideias e ideologias nos apoquentarem e
ameaçarem nos desviar do essencial, recordemos a simplicidade do princípio, a
concretude contundente das nossas origens: Jesus de Nazaré pregador e
taumaturgo, crucificado e morto, ressuscitado com Poder pelo Pai, que
constituiu com autoridade, coragem e sabedoria os Doze primeiros, a ponto de
derramarem o sangue para testemunhar o que viram e ouviram!
Cristão,
tu não vieste de uma ideia, tua origem não se funda numa lenda: tu vens de
Alguém concreto, tua fé se funda num anúncio e num testemunho selado com o
próprio sangue!
Atenção, cristão, para não confundires nunca a verdade do Evangelho que te foi anunciado com as fantasias e opiniões tão provisórias deste mundo! Recorda-te: os céus e a terra passarão, mas o que te foi anunciado jamais passará!
Dom Henrique Soares Fernandes
Bispo de Palmares, PE
Excelente matéria Dom Henrique Soares Fernandes.
ResponderExcluirSobre este assunto o que o Senhor tem a dizer do surgimento e o crescimento do Caminho Neocatecumenato na igreja.