Mulheres casadas, com educação de nível superior e
boas condições financeiras que queriam ser mães. Engravidaram, mas foram
diagnosticadas com o vírus Zika. Diante dos elevados números de casos de bebês
com microcefalia decorrente desta infecção, tomaram uma decisão pelo suposto
bem maior: abortar antes mesmo do diagnóstico da malformação.
Esses casos foram relatados em reportagem do jornal
Folha de S. Paulo, do dia 31 de janeiro. Segundo a publicação, médicos contaram
sobre gestantes que estavam entre a sexta e a oitava semana e resolveram
interromper a gravidez clandestinamente usando o misoprostol (Citotec), cuja
venda está proibida nas farmácias desde 1998.
Segundo a Folha procedimentos para abortar custam
entre R$5.000 e R$15.000, em clínicas particulares, dependendo do estágio da
gestação.
A reportagem cita o caso de duas grávidas de São
Paulo, atendidas pelo infectologista Artur Timerman. O médico contou que, após
confirmado que estavam com Zika, elas o perguntaram sobre os riscos de o bebê
ter microcefalia. Dr. Timerman disse ter explicado que havia sim um risco, mas
ele não saberia estimar a porcentagem de certeza. Diante disso, elas decidiram
abortar. “Em nenhum momento eu disse faça ou não faça”, afirmou o médico.
Outro caso foi assinalado pelo ginecologista Ana
(que preferiu não dar o sobrenome). Ela recordou que, no Nordeste do país,
atendeu três mulheres que, após a confirmação do Zika, optaram pelo aborto. A
médica constatou: “Não quiseram esperar para ver”.
Diante desses casos chamados muitas vezes de
“abortos preventivos”, a presidente do Movimento Brasil Sem Aborto e doutora em
microbiologia, Lenise Garcia, declarou em entrevista ao site da Arquidiocese de
Brasília que a interrupção da gravidez por causa da microcefalia pode ser
considerada eugenia (seleção da espécie).
“Inclusive, tecnicamente, a legislação de vários
países que permitem o aborto de crianças com malformação chama esse aborto de
eugênico”, afirmou a especialista.
No Brasil, a prática do aborto é despenalizada em
três casos. Quando a gravidez é resultante de estupro, o aborto deve contar com
a autorização da gestante ou de um responsável e deve acontecer até a 20ª
semana. Quando à risco à vida da mãe e se não houver outro meio de salvá-la, o
aborto pode ser feito em qualquer ponto da gravidez. E, o último caso foi
autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012 e diz respeito aos fetos
com anencefalia.
Sobre a associação entre os casos de anencefalia e
os de microcefalia, Dra. Garcia sublinhou que a jurisprudência da primeira não
pode ser utilizada na segunda, uma vez que são situações diferentes.
A especialista explicou que “a decisão do STF que
autorizou o aborto de anencéfalos foi bem específica em falar em
‘incompatibilidade com a vida’”, por outro lado, “o próprio Conselho Federal de
Medicina disse em nota que ‘no caso de fetos com diagnóstico de microcefalia,
em princípio, não há incompatibilidade com a vida’”.
A presidente do Movimento Brasil sem Aborto
ressaltou ainda que mesmo em relação à anencefalia, o termo usado pelo STF para
justificar sua decisão “é impróprio, uma vez que temos várias crianças
anencéfalas que viveram vários anos”. “Mas certamente a expressão não se aplica
para a microcefalia” reforçou.
“Crianças com deficiência devem ser especialmente
protegidas e ajudadas, e não descartadas”, afirmou Dra. Lenise ao site da
Arquidiocese de Brasília, acrescentando que “as suas famílias também merecem
todo o apoio”.
De acordo com ela, “o aborto nunca é uma solução,
pois mata uma criança inocente, deixando marcas físicas e principalmente psíquicas
e espirituais na mãe e nos outros envolvidos”.
Microcefalia
Conforme dados do Ministério da Saúde divulgados em
27 de janeiro, há atualmente no Brasil 3.448 casos de microcefalia sendo
investigados. Além disso, 270 casos foram confirmados e outros 462 foram
descartados.
A microcefalia é uma malformação da cabeça e do
cérebro do bebê, que pode ser causada por drogas consumidas pela gestante ou
por agentes biológicos, como vírus e bactérias. A Organização Mundial da Saúde
(OMS) determina que a microcefalia é definida por recém-nascidos com
circunferência da cabeça igual ou menor que 32 centímetros.
De acordo com a Dra. Lenise Garcia, a malformação
gera um “retardo no desenvolvimento intelectual e motor”. Ela ressaltou, porém,
que “pode haver uma diferença no padrão da microcefalia provocada pelo vírus
Zika”. Mas, como estes casos só foram ainda diagnosticados em recém-nascidos,
ainda não há histórico de desenvolvimento.
Os casos de microcefalia causados pelo vírus Zika
ainda estão sendo estudados por cientistas, por isso, não há comprovação de que
toda gestante que for contaminada pelo vírus terá um filho com a malformação.
Da mesma forma, ainda não há confirmações sobre o período da gestação
mais arriscado para se entrar em contato com o Zika, embora os especialistas
recordem que os três primeiros meses são sempre os mais delicados.
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ACI Digital
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