Não o acaso, não as coincidências, mas o paciente
trabalho de tantas pessoas, as preces de muitos fiéis, a resoluta vontade dos
dois primazes e as circunstâncias históricas fizeram, sim, que este abraço
ocorresse não na Europa, ante as multidões ortodoxas ou católicas movidas pelo
extraordinário evento, mas na ilha do Caribe, num aeroporto, lugar laico por
excelência, ágora da era contemporânea, espelho evocativo de viagens, de
chegadas e partidas, onde as pessoas se cruzam, mas não se conhecem, mas também
lugar simbólico de decolagens para novos horizontes e perspectivas.
Aquela disponibilidade patenteada pela presença de
observadores do patriarcado de Moscou no Concílio Vaticano II, aquele auspício
levado a Roma pelo metropolita Nikodim falecido entre os braços de João Paulo
I, aquele elo cultivado de uma parte e da outra pela ex-cortina de ferro de
modo particularmente intenso após a queda do regime soviético, aquele desejo
alimentado pelos esforços de João Paulo II e pela sabedoria de Bento XVI é hoje
uma realidade, ao mesmo tempo fruto de anos laboriosos e germe de messes ainda
mais abundantes.
João Paulo II havia sonhado com a viagem a Moscou e
foram feitas tentativas significativas, mas sempre se confrontara com a recusa
da igreja ortodoxa russa que repetia: “os tempos não estão maduros”. De fato, a
memória dos conflitos patriótico-religiosos entre a Polônia católica e a Rússia
ortodoxa e a defesa dos uniatas greco-católicos na Ucrânia da parte de um Papa
polaco não dissipava a desconfiança. Fora projetado um encontro no mosteiro
beneditino de Pannonhalma na Hungria, depois na Áustria, alguns haviam
ventilado o encontro em torno ao Sudário em Turim... mas, de fato nenhuma
hipótese resultara praticável.
O que, então, acelerou este encontro, preparado com
discrição há meses, mas anunciado no último momento? Quem segue desde o início
o intensificar-se das relações entre Roma e Moscou, quem conhece o que anima
simples trocas de cortesias ou mensagens aparentemente rituais de vizinhança e
fraternidade, pode pesar o alcance deste encontro além de todo cálculo
geo-religioso ou de realpolitik.
É um encontro que é fruto de sapiente tessitura
diplomática, mas antes e mais ainda de uma consciência compartilhada: os
cristãos devem prestar contas de suas divisões e dos esforços para superá-las
não por uma instância internacional, mas pela precisa vontade de seu único
Senhor. As recaídas concretas também fora do espaço eclesial existirão,
certamente, e serão extremamente significativas, mas mais decisivas ainda serão
as consequências no plano do diálogo ecumênico e da busca da unidade dos
cristãos.
Não se falará de problemas teológicos – por isso
faz anos que a comissão mista católico-ortodoxa, e nenhuma igreja ortodoxa
particular é habilitada a diálogos teológicos bilaterais – mas, sobretudo dos
problemas onerados de sofrimento dos católicos e dos ortodoxos na Ucrânia e dos
cristãos perseguidos no Oriente Médio, os quais pedem solidariedade e ajuda.
É significativo, em todo caso, que a Igreja
greco-católica na Ucrânia tenha adotado somente agora, após vinte e dois anos,
o que tinha sido firmado entre católicos e ortodoxos em Balamand, em 1993: “a
recusa do unitarismo como método de busca da unidade de pesquisa da unidade
porque oposto à tradição comum das nossas igrejas”.
Também o metropolita Hilarion, ao apresentar o
evento, recordou que motivos de tensão permanecem, sobretudo na intricada
questão ucraniana, bem como impulsos à solidariedade se fazem urgentes nos
Países onde os cristãos, independentemente de sua confissão, são vítimas de
arbitrariedades, violências e perseguições.
Mas, na ótica cristã, o principal fator de
aproximação não são as adversidades que surgem dentro ou fora do espaço
eclesial, nem as oportunidades estratégicas de hipotéticas santas alianças, e
sim a vontade de restabelecer aquela comunhão fraterna que é grande sinal que
caracteriza os discípulos de Cristo.
Uma concórdia não “contra”, não em oposição a
inimigos externos, mas fruto de uma comum conversão ao Senhor da paz e da
unidade. Os cristãos não procuram a unidade porque assim lhes convém a ser
muito mais numerosos, mais fortes de modo a contar mais plenamente entre os
poderosos deste mundo: a procuram porque é a precisa vontade do próprio Jesus,
e, segundo os Evangelhos, é o último preceito por Ele confiado aos seus
discípulos.
É fácil imaginar que este encontro terá um peso
considerável também sobre os trabalhos do próximo sínodo pan-ortodoxo: não
porque expressão de alguma ingerência do bispo de Roma nas questões internas ao
cristianismo do Oriente, mas porque capaz de favorecer um clima de diálogo e de
recíproca compreensão também no interior da própria ortodoxia.
Não por nada, o primeiro a alegrar-se por este
anúncio foi precisamente o patriarca ecumênico Bartholomeos. A nítida
cordialidade de relações subitamente instaurada entre Francisco e Bartholomeos
– o primus inter pares da ortodoxia – poderá agora caracterizar também as
relações com o primaz da Igreja ortodoxa com o maior número de fiéis. Uma vez
que dois guardiões se cruzam e dois corações se falam, de fato, é difícil que o
gelo e a distância voltem a fazer sentir seu desconforto.
Que, enfim, este encontro ocorra em Cuba – ilha um
tempo símbolo da guerra fria que estava para transformar-se em conflito
nuclear, se não tivesse sido pela audaz e profética intervenção do Papa
Francisco, caiu outro muro simbólico, é um daqueles sinais dos tempos que é
preciso captar: como teria sido possível prosseguir na denegação de um abraço
entre irmãos na mesma fé, quando até aguerridos inimigos históricos decidem
voltar a se falar? Ali, no aeroporto daquela ilha, se manifestará a eficácia da
convicção do Papa Francisco, que possamos definir santamente teimosa: entre
irmãos cristãos não se pode não encontrar-se.
Lembrando-se das palavras de Jesus “Se alguém te
pede andar uma milha, anda com ele duas” (MT 5, 41) – Francisco não solicitou
que o patriarca se movesse para ele indo a Roma – como já fizeram todos os
outros patriarcas – não solicitou ir à Rússia, suscitando talvez a sensação de
triunfo sobre o antigo inimigo soviético desaparecido, mas disse: onde o patriarca
quiser, quando quiser, como quiser. Uma autêntica obediência ao Evangelho e
nada mais.
Enzo
Bianchi,
prior do
Mosteiro de Bose, teólogo leigo
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Fonte: Repubblica
Tradução:
Benno Dischinger.
Disponível
em: IHU Unisinos
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