Antes mesmo de a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) se posicionar para que as reformas do governo de Michel Temer
(PMDB) fossem abordadas criticamente em missas e nas comunidades católicas,
uma igreja da zona leste de São Paulo decidiu ela própria abordar o assunto com
os fiéis da maneira mais direta possível.
A paróquia é a Nossa Senhora do
Carmo, em Itaquera, adepta da Teologia da Libertação – movimento dentro da
Igreja Católica mais próximo de raízes marxistas.
Em um panfleto datado do último
dia 19 de março e que correu as redes sociais nesse fim de semana, um trecho da
"Oração dos fiéis" cita o presidente e os parlamentares com uma
mensagem de crítica implícita às reformas previdenciária e trabalhista,
mencionadas pela CNBB: "Senhor, vede o sofrimento do povo brasileiro,
golpeado e traído pelo governo Temer e pela maioria dos deputados e senadores que
retiram direitos constitucionais adquiridos, pedimos".
De acordo com o padre Paulo
Sérgio Bezerra, 63, pároco da unidade, o semanário litúrgico, que é da própria
igreja, "sempre teve essa linha mais crítica" nos 12 anos em que tem
circulado. A diferença, afirma, é que, "com as redes sociais, essas coisas
ganham mais visibilidade."
"A gente acaba trazendo o
contexto atual para o contexto litúrgico, o que não fere as regras da própria
Igreja sobre liturgia –de que as preces se originem no bafejo das sagradas
escrituras, mas contextualizadas. Quando se faz isso, se pegam os fatos da
vida, o momento litúrgico (por exemplo, uma missa, um funeral, um casamento) e
se indica uma contextualização –o que há de mais atual, hoje, do que essa crise
institucional e essas reformas que afetam os trabalhadores?", indagou.
"Se não trazemos essas situações para a liturgia, para que servem as
orações dos cristãos?", reforçou.
Para o religioso, é
"missão da Igreja e dos padres despertar a consciência crítica do povo
– para não ser massa, mas povo".
"Muitas vezes,
o que fazemos é traduzir em orações simples, curtas e com uma linguagem mais
direta o que está por aí, no cotidiano, ou mesmo em manifestos como o da CNBB
– até porque é muito mais fácil guardar a mensagem como em oração do que como um
texto ou uma declaração", avaliou.
"Em política
partidária a gente não se mete"
Se houve críticas
na comunidade à atuação mais politizada do padre? Bezerra admite que sim.
"Em política partidária a gente não se mete; eu mesmo nunca declarei e
jamais declararia meu voto no púlpito. Estou na paróquia há 35 anos, e, se
nesse tempo um ou outro fiel deixou de frequentá-la pelos posicionamentos nas
missas, percebo que essas são reações isoladas –até porque as orações são
elaboradas pela coordenação pastoral, que envolve leigos", observou.
"Mas as reações costumam ser mais de fora da paróquia. Não tem católico
que critica até o papa Francisco?", indagou.
Bezerra garantiu
ter o aval do bispo Manuel Parrado Carral, da Diocese de São Miguel Paulista,
também na zona leste da capital, para as mensagens de teor político. A diocese
é uma das quatro que existem na cidade – além da Arquidiocese, que mantém,
com elas, uma relação de independência litúrgica e jurídica. "Tenho
autorização do meu bispo para isso, e estou também respaldado pelo meu direito
de liberdade de expressão e pensamento para expor isso nas redes sociais",
enfatizou o padre, simpatizante de lideranças e de ocupações
do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).
Na última página do
folheto de 19 de março, foi publicado um texto assinado pela Frente Povo
Sem Medo, que congrega movimentos sociais de esquerda, sobre a mobilização dos
trabalhadores contra as reformas da Previdência e trabalhista. O texto
fecha com as palavras de ordem "Fora Temer!" e "Diretas
Já!".
Procurada sobre o
assunto, a Arquidiocese informou que a paróquia comandada por Bezerra responde
apenas à diocese de São Miguel Paulista. Lá, a assessoria do bispo não
conseguiu localizá-lo, mas ressalvou que, "pela nota da CNBB, os padres
podem abordar, nas celebrações, as reformas que afetam os direitos dos
trabalhadores".
O governo federal
alega que a reforma trabalhista visa a garantir a flexibilização e modernização
das relações de trabalho - sobretudo, pela terceirização irrestrita da mão de
obra, aprovada na Câmara há duas semanas e sancionada por Temer semana
passada. Já a reforma previdenciária, defende o governo, é o que garantiria
sanar um rombo bilionário nas contas públicas e retomar a capacidade de
investimentos futura.
Em 2015, mesma
igreja atacava violência contra LGBT
A menção a Temer e
aos congressistas não é a primeira polêmica em que o padre de Itaquera se envolve. Em 2015, também na "Oração dos Fiéis", os presentes eram
conclamados a suplicar contra "a
ofensiva homofóbica, fundamentalista e histérica presente no Congresso
Nacional" e a enfrentar situações como essa "com
ousadia e serenidade" e em defesa de "causas libertárias". Na
ocasião, o texto pedia ainda pelo diálogo sobre as sexualidades, para que isso
levasse "as igrejas cristãs a superar a demonização das relações
afetivas".
Na ocasião, a
ofensiva contra a população LGBT ganhara reforço com a 19ª Parada do Orgulho
LGBT, em São Paulo, depois que a atriz transexual Viviany Beleboni desfilou sobre uma cruz. O gesto despertou a ira da bancada evangélica da Câmara
Federal, que ameaçou votar o projeto de lei que tornava a
"Cristofobia" crime hediondo.
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