Naquele
tempo, Jesus foi a Nazaré, sua terra, e seus discípulos o acompanharam. Quando
chegou o sábado, começou a ensinar na sinagoga. Muitos que o escutavam ficavam
admirados e diziam: "De onde recebeu ele tudo isto? Como conseguiu tanta
sabedoria? E esses grandes milagres que são realizados por suas mãos? Este
homem não é o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, de José, de Judas e
de Simão? Suas irmãs não moram aqui conosco?" E ficaram escandalizados por
causa dele.
Jesus lhes dizia: "Um profeta só não é estimado em sua pátria, entre seus parentes e familiares". E ali não pôde fazer milagre algum. Apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. E admirou-se com a falta de fé deles. Jesus percorria os povoados das redondezas, ensinando. (Mc 6, 1-6)
"E
admirou-se com a falta de fé deles". É com essas palavras que o
Evangelista São Marcos registra os sentimentos de Cristo, rejeitado pelos que
lhe eram mais próximos, desprezado por seus conterrâneos e familiares. Não se
admira o Senhor com a pouca fé dos nazarenos, senão com a total falta dela.
O próprio texto grego, aliás, faz questão de o ressaltar: Jesus fica perplexo
diante da ἀπιστία (apistia) daqueles que, embora o conhecessem desde
pequenino, na verdade nunca chegaram a conhecê-lo de fato, porque não estavam
dispostos a crer nele. Mas o que significa, na prática, esse não ter fé?
Vejamos, antes de mais, em que consiste a fé cristã. Trata-se, com efeito, de
um dom de Deus derramado em nossos corações: é, noutras palavras, "uma
virtude sobrenatural infundida por Ele" (CIC, 153) em nossas almas. Nesse
sentido, podemos dizer que, se alguém tem fé, tem-na apenas porque Deus lha
concedeu. Ora, se tal é assim, não estariam escusados os nazarenos? Afinal, que
culpa teriam eles por um ato a que, por si sós, não têm direito e do qual,
deixados às próprias forças, são incapazes?
Sucede
porém que a fé é um dom que o Senhor quer dar a todos os homens, pois a todos
deseja a salvação: Ele "não quer que ninguém pereça", escreve o
Príncipe dos Apóstolos, "mas que todos cheguem ao arrependimento" (2Pd 3,
9). Ele a todo momento nos fala ao coração, convida-nos à conversão,
inspira-nos a abraçar a fé em seu Filho, Jesus Cristo. "Eis que estou à
porta, e bato", diz-nos todos os dias; "se alguém ouvir a minha voz,
e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo" (Ap 3,
20). Qual, então, a nossa desculpa? De que modo, pois, nos poderíamos excusar
de não crer? Não manda Deus graças mais do que suficientes para escutarmos o
seu apelo, para assentirmos à sua Palavra? Por que então, ensoberbecidos como
os nazarenos de hoje, nos fechamos à fé em Cristo? Acaso julgamos os nossos
preconceitos, as nossas tolices e a nossa "ciência", provinciana e de
curtas vistas, superiores ao Verbo eterno do Pai? Acaso pensamos ser Deus um
enganador, um embusteiro que não merece sequer a mais simplória e frágil das
confianças humanas?
O
Concílio Vaticano I nos recorda que Deus não se engana e, sendo Ele a suma
verdade, não nos pode enganar. Por isso, ao Deus que se revela temos de prestar
o obséquio da nossa mais filial e firme obediência; à Verdade que nos fala
devemos o mais sincero e humilde ato de fé, pois não é uma pessoa qualquer que
se dirige a nós, mas aquele que não mente, nem pode mentir. Se, portanto,
podemos estar certos das verdades que Ele nos atesta, pela mesma razão podemos
escutar aquele que Ele mesmo enviou, o "seu Filho bem-amado" (Mc 1,
11), que disse: "Crede em Deus, crede em mim também (Jo 14,
1). Que o Senhor nos incremente a fé, fazendo-a amadurecer cada dia mais.
Confiantes na bondade e veracidade de Deus, abramos o peito ao único que viu ao
Pai, ao único que, por isso mesmo, no-lo pode dar a conhecer (cf. Jo 6,
46; Mt 11,
27).
Padre
Paulo Ricardo
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Cristo Nihil Praeponere
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