“Pôs-me em
desolação, afogada em tristeza todo o dia” (Jer. 1, 13)
Diz São Boaventura que, depois da sepultura de Jesus,
as mulheres piedosas velaram a Bem aventurada Virgem com um manto lúgubre, que
lhe cobria todo o rosto. Acrescenta São Bernardo, que na volta do sepulcro para
sua casa, a pobre Mãe andava tão aflita e triste, que comovia muitos a
chorarem, ainda que involuntariamente. De modo que, por onde passava, todos
aqueles que a encontravam, não podiam conter as lágrimas. Os santos discípulos
e as mulheres que a acompanhavam, quase que choravam mais as penas de Maria do
que a perda de seu Salvador.
Quando a Virgem passou por diante da Cruz, banhada
ainda com o sangue do seu Jesus, foi a primeira a adorá-la. Ó Santa Cruz, disse
então, eu te beijo e te adoro, já que não és mais madeiro infame, mas trono de
amor e altar de misericórdia. Consagrado com o sangue do Cordeiro divino, quem
em ti foi imolado pela salvação do mundo. Deixa depois a Cruz e volta à casa. Chegada
ali, a aflita Mãe volve os olhos em torno, e não vê mais o seu Jesus; em vez da
presença do querido Filho, apresentam-lhe aos olhos todas as recordações da sua
bela vida e da sua desapiedada morte. Recorda-se dos abraços dados ao Filho no
presépio de Belém, da conversação com ele por trinta anos na casa de Nazaré; Recorda-se dos mútuos afetos, dos olhares cheios de
amor, das palavras de vida de vida eterna saídas daquela boca divina e depois
se lhe representa a cena funesta presenciada naquele mesmo dia;
Veem-lhe à memória os cravos, os espinhos, as carnes
dilaceradas do Filho, as chagas profundas, os ossos descarnados, a boca aberta,
os olhos escurecidos. E com tão funesta recordação, quem poderá dizer qual
tenha sido a dor, a desolação de Maria? E tu? Por que não choras?
Ah, que noite de dor foi para a Bem aventurada Virgem
aquela que se seguiu à sepultura do seu divino Filho! Voltando-se a dolorosa
Mãe para São João, perguntou-lhe com voz triste: Ah! Filho, onde está o teu
mestre? Depois perguntou a Magdalena: Filha, dize-me, onde está o teu dileto? Ó
Deus! Quem no-lo tirou?
Chora Maria, e todos os que estão com ela choram
também. E tu, minha alma, não choras? – Ah! Volta-te a Maria, e roga-lhe que te
admita consigo a chorar. Ela chora por amor, e tu, chora pela dor de teus
pecados. Minha aflita Mãe, não vos quero deixar só a chorar; não, quero
acompanhar-vos também com as minhas lágrimas.
Eis a graça que hoje vos peço: alcançai-me uma memória
contínua, junto com uma terna devoção para com a paixão de Jesus e a vossa; A
fim de que todos os dias que me restam de vida, não me sirvam senão para chorar
as vossas dores e as do meu Redentor. Espero que, na hora da minha morte, essas
dores me darão confiança e força para não desesperar à vista das ofensas que
tenho feito a meu Senhor. Elas devem impetrar-me o perdão, a perseverança e o
paraíso.
E Vós, ó meu Senhor Jesus Cristo, que para resgatar o mundo
quisestes nascer, receber a circuncisão, ser condenado pelos judeus; traído por
Judas com um ósculo, acorrentado, levado para o sacrifício como um inocente
cordeiro; arrastado com tanta ignomínia diante de Anás, Caifás, Pilatos e
Herodes, acusado por falsas testemunhas, flagelado, esbofeteado; carregado de
opróbrios, coberto de escarros, coroado de espinhos, ferido com uma cana,
vendado, despojado dos vossos vestidos, pregado e levantado na cruz entre dois
ladrões; abeberado de fel e vinagre e transpassado por uma lança; Suplico-Vos,
ó Senhor, em nome destas santas penas que venero, ainda que indigno; Suplico-Vos
por vossa santa cruz e morte, livrai-me do inferno; E dignai-Vos levar-me para
onde levastes o bom ladrão crucificado convosco; Ó meu Jesus, que viveis e
reinais com o Pai e o Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Assim
seja!
Santo Afonso
de Ligório,
Meditações para todos os dias e festas do ano
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