CARTA ENCÍCLICA MORTALIUM
ANIMOS
DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XI
AOS REVMOS. SENHORES PADRES PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS,
BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DOS LUGARES EM PAZ E UNIÃO COM A SÉ APOSTÓLICA SOBRE
A PROMOÇÃO DA VERDADEIRA UNIDADE DE RELIGIÃO
Veneráveis irmãos
Saúde e
Bênção Apostólica
1. Ânsia Universal de Paz e
Fraternidade
Talvez jamais em uma outra época os espíritos dos mortais foram
tomados por um tão grande desejo daquela fraterna amizade, pela qual em razão
da unidade e identidade de natureza – somos estreitados e unidos entre nós,
amizade esta que deve ser robustecida e orientada para o bem comum da sociedade
humana, quanto vemos ter acontecido nestes nossos tempos.
Pois, embora as nações ainda não usufruam plenamente dos
benefícios da paz, antes, pelo contrário, em alguns lugares, antigas e novas
discórdias vão explodindo em sedições e em conflitos civis; como não é
possível, entretanto, que as muitas controvérsias sobre a tranquilidade e a
prosperidade dos povos sejam resolvidas sem que exista a concórdia quanto à
ação e às obras dos que governam as Cidades e administram os seus negócios;
compreende-se facilmente (tanto mais que já ninguém discorda da unidade do
gênero humano) porque, estimulados por esta irmandade universal, também muitos
desejam que os vários povos cada dia se unam mais estreitamente.
2. A Fraternidade na Religião.
Congressos Ecumênicos
Entretanto, alguns lutam por realizar coisa não dissemelhante
quanto à ordenação da Lei Nova trazida por Cristo, Nosso Senhor.
Pois, tendo como certo que rarissimamente se encontram homens
privados de todo sentimento religioso, por isto, parece, passaram a ter a
esperança de que, sem dificuldade, ocorrerá que os povos, embora cada um
sustente sentença diferente sobre as coisas divinas, concordarão fraternalmente
na profissão de algumas doutrinas como que em um fundamento comum da vida
espiritual.
Por isto costumam realizar por si mesmos convenções, assembleias e
pregações, com não medíocre frequência de ouvintes e para elas convocam, para
debates, promiscuamente, a todos: pagãos de todas as espécies, fiéis de Cristo,
os que infelizmente se afastaram de Cristo e os que obstinada e pertinazmente
contradizem à sua natureza divina e à sua missão.
3. Os Católicos não podem
aprová-lo
Sem dúvida, estes esforços não podem, de nenhum modo, ser
aprovados pelos católicos, pois eles se fundamentam na falsa opinião dos que
julgam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e louváveis, pois,
embora não de uma única maneira, elas alargam e significam de modo igual aquele
sentido ingênito e nativo em nós, pelo qual somos levados para Deus e
reconhecemos obsequiosamente o seu império.
Erram e estão enganados, portanto, os que possuem esta opinião:
pervertendo o conceito da verdadeira religião, eles repudiam-na e gradualmente
inclinam-se para o chamado Naturalismo e para o Ateísmo. Daí segue-se
claramente que quem concorda com os que pensam e empreendem tais coisas
afasta-se inteiramente da religião divinamente revelada.
4. Outro erro. A união de todos os
Cristãos. Argumentos falazes
Entretanto, quando se trata de promover a unidade entre todos os
cristãos, alguns são enganados mais facilmente por uma disfarçada aparência do
que seja reto.
Acaso não é justo e de acordo com o dever – costumam repetir
amiúde – que todos os que invocam o nome de Cristo se abstenham de
recriminações mútuas e sejam finalmente unidos por mútua caridade?
Acaso alguém ousaria afirmar que ama a Cristo se, na medida de
suas forças, não procura realizar as coisas que Ele desejou, ele que rogou ao
Pai para que seus discípulos fossem "UM" (Jo 17,
21)?
Acaso não quis o mesmo Cristo que seus discípulos fossem identificados
por este como que sinal e fossem por ele distinguidos dos demais, a saber, se
mutuamente se amassem: "Todos conhecerão que sois meus discípulos nisto:
se tiverdes amor um pelo outro?" (Jo 13, 35).
Oxalá todos os cristão fossem "UM", acrescentam: eles
poderiam repelir muito melhor a peste da impiedade que, cada dia mais, se
alastra e se expande, e se ordena ao enfraquecimento do Evangelho.
5. Debaixo desses argumentos se
oculta um erro gravíssimo
Os chamados "pancristãos" espalham e insuflam estas e
outras coisas da mesma espécie. E eles estão tão longe de serem poucos e raros
mas, ao contrário, cresceram em fileiras compactas e uniram-se em sociedades
largamente difundidas, as quais, embora sobre coisas de fé cada um esteja
imbuído de uma doutrina diferente, são, as mais das vezes, dirigidas por
acatólicos.
Esta iniciativa é promovida de modo tão ativo que, de muitos
modos, consegue para si a adesão dos cidadãos e arrebata e alicia os espíritos,
mesmo de muitos católicos, pela esperança de realizar uma união que parecia de
acordo com os desejos da Santa Mãe, a Igreja, para Quem, realmente, nada é tão
antigo quanto o reconvocar e o reconduzir os filhos desviados para o seu
grêmio.
Na verdade, sob os atrativos e os afagos destas palavras oculta-se
um gravíssimo erro pelo qual são totalmente destruídos os fundamentos da fé.
6. A verdadeira norma nesta
matéria
Advertidos, pois, pela consciência do dever apostólico, para que
não permitamos que o rebanho do Senhor seja envolvido pela nocividade destas
falácias, apelamos, veneráveis irmãos, para o vosso empenho na precaução contra
este mal. Confiamos que, pelas palavras e escritos de cada um de vós, poderemos
atingir mais facilmente o povo, e que os princípios e argumentos, que a seguir
proporemos, sejam entendidos por ele pois, por meio deles, os católicos devem
saber o que devem pensar e praticar, dado que se trata de iniciativas que dizem
respeitos a eles, para unir de qualquer maneira em um só corpo os que se
denominam cristãos.
7. Só uma religião pode ser
verdadeira: A revelada por Deus
Fomos criados por Deus, Criador de todas as coisas, para este fim:
conhecê-lO e servi-lO. O nosso Criador possui, portanto, pleno direito de ser
servido.
Por certo, poderia Deus ter estabelecido apenas uma lei da
natureza para o governo do homem. Ele, ao criá-lo, gravou-a em seu espírito e
poderia portanto, a partir daí, governar os seus novos atos pela providência
ordinária dessa mesma lei. Mas, preferiu dar preceitos aos quais nós
obedecêssemos e, no decurso dos tempos, desde os começos do gênero humano até a
vinda e a pregação de Jesus Cristo, Ele próprio ensinou ao homem, naturalmente
dotado de razão, os deveres que dele seriam exigidos para com o Criador:
"Em muitos lugares e de muitos modos, antigamente, falou Deus aos nossos
pais pelos profetas; ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho" (Heb 1,1 Seg).
Está, portanto, claro que a religião verdadeira não pode ser outra
senão a que se funda na palavra revelada de Deus; começando a ser feita desde o
princípio, essa revelação prosseguiu sob a Lei Antiga e o próprio Cristo
completou-a sob a Nova Lei.
Portanto, se Deus falou – e comprova-se pela fé histórica Ter ele
realmente falado – não há quem não veja ser dever do homem acreditas, de modo
absoluto, em deus que se revela e obedecer integralmente a Deus que impera.
Mas, para a glória de Deus e para a nossa salvação, em relação a uma coisa e
outra, o Filho Unigênito de Deus instituiu na terra a sua Igreja.
8. A única religião revelada é a
Igreja Católica
Acreditamos, pois, que os que afirma serem cristão, não possam
fazê-lo sem crer que uma Igreja, e uma só, foi fundada por Cristo. Mas, se se
indaga, além disso, qual deva ser ela pela vontade do seu Autor, já não estão
todos em consenso.
Assim, por exemplo, muitíssimos destes negam a necessidade da
Igreja de Cristo ser visível e perceptível, pelo menos na medida em que deva
aparecer como um corpo único de fiéis, concordes em uma só e mesma doutrina,
sob um só magistério e um só regime. Mas, pelo contrário, julgam que a Igreja
perceptível e visível é uma Federação de várias comunidades cristãs, embora
aderentes, cada uma delas, a doutrinas opostas entre si.
Entretanto, cristo Senhor instituiu a sua Igreja como uma
sociedade perfeita de natureza externa e perceptível pelos sentidos, a qual,
nos tempos futuros, prosseguiria a obra da reparação do gênero humano pela
regência de uma só cabeça (Mt 16, 18 seg.;Lc 22, 32; Jo 21, 15-17), pelo magistério de uma voz
viva (Mc 16,15) e pela dispensação dos
sacramentos, fontes da graça celeste (Jo 3, 5; 6,48-50; 20,22 seg.; cf. Mt 18, 18; etc.). Por esse motivo, por
comparações afirmou-a semelhante a um reino (Mt,
13), a uma casa (Mt 16, 18), a um redil de ovelhas (Jo 10, 16) e a um rebanho (Jo 21, 15-17).
Esta Igreja, fundada de modo tão admirável, ao Lhe serem retirados
o seu Fundador e os Apóstolos que por primeiro a propagaram, em razão da morte
deles, não poderia cessar de existir e ser extinta, uma vez que Ela era aquela
a quem, sem nenhuma discriminação quanto a lugares e a tempos, fora dado o
preceito de conduzir todos os homens à salvação eterna: "Ide, pois,
ensinai a todos os povos" (Mt 28, 19).
Acaso faltaria à Igreja algo quanto à virtude e eficácia no
cumprimento perene desse múnus, quando o próprio Cristo solenemente prometeu
estar sempre presente a ela: "Eis que Eu estou convosco, todos os dias,
até a consumação dos séculos?" (Mt 28, 20).
Deste modo, não pode ocorrer que a Igreja de Cristo não exista
hoje e em todo o tempo, e também que Ela não exista hoje e em todo o tempo, e
também que Ela não exista como inteiramente a mesma que existiu à época dos
Apóstolos. A não ser que desejemos afirmar que: Cristo Senhor ou não cumpriu o
que propôs ou que errou ao afirmar que as portas do inferno jamais
prevaleceriam contra Ela (Mt 16,18).
9. Um erro capital do movimento
ecumênico na pretendida união das Igrejas cristãs
Ocorre-nos dever esclarecer e afastar aqui certa opinião falsa, da
qual parece depender toda esta questão e proceder essa múltipla ação e
conspiração dos acatólicos que, como dissemos, trabalham pela união das igrejas
cristãs.
Os autores desta opinião acostumaram-se a citar, quase que
indefinidamente, a Cristo dizendo: "Para que todos sejam um"...
"Haverá um só rebanho e um só Pastor"(Jo 27,21;
10,16). Fazem-no, todavia, de modo que, por essas palavras, queiram significar
um desejo e uma prece de Cristo ainda carente de seu efeito.
Pois opinam: a unidade de fé e de regime, distintivo da verdadeira
e única Igreja de Cristo, quase nunca existiu até hoje e nem hoje existe; que
ela pode, sem dúvida, ser desejada e talvez realizar-se alguma vez, por uma
inclinação comum das vontades; mas que, entrementes, deve existir apenas uma
fictícia unidade.
Acrescentam que a Igreja é, por si mesma, por natureza, dividida
em partes, isto é, que ela consta de muitas igrejas ou comunidades
particulares, as quais, ainda separadas, embora possuam alguns capítulos comuns
de doutrina, discordam todavia nos demais. Que cada uma delas possui os mesmos
direitos, que, no máximo, a Igreja foi única e una, da época apostólica até os
primeiros concílios ecumênicos.
Assim, dizem, é necessário colocar de lado e afastar as
controvérsias e as antiquíssimas variedade de sentenças que até hoje impedem a
unidade do nome cristão e, quanto às outras doutrinas, elaborar e propor uma
certa lei comum de crer, em cuja profissão de fé todos se conheçam e se sintam
como irmãos, pois, se as múltiplas igrejas e comunidades forem unidas por um
certo pacto, existiria já a condição para que os progressos da impiedade fossem
futuramente impedidos de modo sólido e frutuoso.
Estas são, Veneráveis Irmãos, as afirmações comuns.
Existem, contudo, os que estabelecem e concedem que o chamado
Protestantismo, de modo bastante inconsiderado, deixou de lado certos capítulos
da fé e alguns ritos do culto exterior, sem dúvida gratos e úteis, que, pelo
contrário, a Igreja Romana ainda conserva.
Mas, de imediato, acrescentam que esta mesma Igreja também agiu
mal, corrompendo a religião primitiva por algumas doutrinas alheias e
repugnantes ao Evangelho, propondo acréscimos para serem cridos: enumeram como
o principal entre estes o que versa sobre o Primado de Jurisdição atribuído a
Pedro e a seus Sucessores na Sé Romana.
Entre os que assim pensam, embora não sejam muitos, estão os que
indulgentemente atribuem ao Pontífice Romano um primado de honra ou uma certa
jurisdição e poder que, entretanto, julgam procedente não do direito divino,
mas de certo consenso dos fiéis. Chegam outros ao ponto de, por seus conselhos,
que diríeis serem furta-cores, quererem presidir o próprio Pontífice.
E se é possível encontrar muitos acatólicos pregando à boca cheia
a união fraterna em Jesus Cristo, entretanto não encontrareis a nenhum deles em
cujos pensamentos esteja a submissão e a obediência ao Vigário de Jesus Cristo
enquanto docente ou enquanto governante.
Afirmam eles que tratariam de bom grado com a Igreja Romana, mas
com igualdade de direitos, isto é, iguais com um igual. Mas, se pudessem
fazê-lo, não parece existir dúvida de que agiriam com a intenção de que, por um
pacto que talvez se ajustasse, não fossem coagidos a afastarem-se daquelas
opiniões que são a causa pela qual ainda vagueiem e errem fora do único aprisco
de Cristo.
10. A Igreja Católica não pode
participar de semelhantes reuniões
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa Sé, não pode, de
modo algum, participar de suas assembleias e que, aos católicos, de nenhum modo
é lícito aprovar ou contribuir para estas iniciativas: se o fizerem concederão
autoridade a uma falsa religião cristã, sobremaneira alheia à única Igreja de Cristo.
11. A verdade revelada não admite
transações
Acaso poderemos tolerar – o que seria bastante iníquo-, que a
verdade e, em especial a revelada, seja diminuída através de pactuações?
No caso presente, trata-se da verdade revelada que deve ser defendida.
Se Jesus Cristo enviou os Apóstolos a todo o mundo, a todos os
povos que deviam ser instruídos na fé evangélica e, para que não errassem em
nada, quis que, anteriormente, lhes fosse ensinada toda a verdade pelo Espírito
Santo, acaso esta doutrina dos Apóstolos faltou inteiramente ou foi alguma vez
perturbada na Igreja em que o próprio Deus está presente como regente e
guardião?
Se o nosso Redentor promulgou claramente o seu Evangelho não
apenas para os tempos apostólicos, mas também para pertencer às futuras épocas,
o objeto da fé pode tornar-se de tal modo obscuro e incerto que hoje seja
necessário tolerar opiniões pelo menos contrárias entre si?
Se isto fosse verdade, dever-se-ia igualmente dizer que o Espírito
Santo que desceu sobre os Apóstolos, que a perpétua permanência dele na Igreja
e também que a própria pregação de Cristo já perderam, desde muitos séculos,
toda a eficácia e utilidade: afirmar isto é, sem dúvida, blasfemo.
12. A Igreja Católica: depositária
infalível da verdade
Quando o Filho unigênito de Deus ordenou a seus enviados que
ensinassem a todos os povos, vinculou então todos os homens pelo dever de crer
nas coisas que lhes fossem anunciadas pela "testemunha pré-ordenadas por
Deus" (At 10, 41). Entretanto, um e outro
preceito de Cristo, o de ensinar e o de crer na consecução da salvação eterna,
que não podem deixar de ser cumpridos, não poderiam ser entendidos a não ser
que a Igreja proponha de modo íntegro e claro a doutrina evangélica e que, ao
propô-la, seja imune a qualquer perigo de errar.
Afastam-se igualmente do caminho os que julgam que o depósito da
verdade existe realmente na terra, mas que é necessário um trabalho difícil,
com tão longos estudos e disputas para encontrá-lo e possuí-lo que a vida dos
homens seja apenas suficiente para isso, com se Deus benigníssimo tivesse
falado pelos profetas e pelo seu Unigênito para que apenas uns poucos, e estes
mesmos já avançados em idade, aprendessem perfeitamente as coisas que por eles
revelou, e não para que preceituasse uma doutrina de fé e de costumes pela
qual, em todo o decurso de sua vida mortal, o homem fosse regido.
13. Sem fé, não há verdadeira
caridade
Estes pancristãos, que empenham o seu espírito na união das
igrejas, pareceriam seguir, por certo, o nobilíssimo conselho da caridade que
deve ser promovida entre os cristãos. Mas, dado que a caridade se desvia em
detrimento da fé, o que pode ser feito?
Ninguém ignora por certo que o próprio João, o Apóstolo da
Caridade, que em seu Evangelho parece ter manifestado os segredos do Coração
Sacratíssimo de Jesus e que permanentemente costumavas inculcar à memória dos
seus o mandamento novo: "Amai-vos uns aos outros", vetou inteiramente
até mesmo manter relações com os que professavam de forma não íntegra e
incorrupta a doutrina de Cristo: "Se alguém vem a vós e não traz esta
doutrina, não o recebais em casa, nem digais a ele uma saudação" (2 Jo10).
Pelo que, como a caridade se apóia na fé íntegra e sincera como
que em um fundamento, então é necessário unir os discípulos de Cristo pela
unidade de fé como no vínculo principal.
14. União Irracional
Assim, de que vale excogitar no espírito uma certa Federação
cristã, na qual ao ingressar ou então quando se tratar do objeto da fé, cada
qual retenha a sua maneira de pensar e de sentir, embora ela seja repugnante às
opiniões dos outros?
E de que modo pedirmos que participem de um só e mesmo Conselho
homens que se distanciam por sentenças contrárias como, por exemplo, os que
afirmam e os que negam ser a sagrada Tradição uma fonte genuína da Revelação
Divina?
Como os que adoram a Cristo realmente presente na Santíssima
Eucaristia, por aquela admirável conversão do pão e do vinho que se chama
transubstanciação e os que afirmam que, somente pela fé ou por sinal e em
virtude do Sacramento, aí está presente o Corpo de Cristo?
Como os que reconhecem nela a natureza do Sacrifício e a do
Sacramento e os que dizem que ela não é senão a memória ou comemoração da Ceia
do Senhor?
Como os que creem ser bom e útil invocar súplice os Santos que
reinam junto de Cristo - Maria, Mãe de Deus, em primeiro lugar - e tributar
veneração às suas imagens e os que contestam que não pode ser admitido
semelhante culto, por ser contrário à honra de Jesus Cristo, "único
mediador de Deus e dos homens"? (1
Tim 2, 5).
15. Princípio até o indiferentismo
e o modernismo
Não sabemos, pois, como por essa grande divergência de opiniões
seja defendida o caminho para a realização da unidade da Igreja: ela não pode
resultar senão de um só magistério, de uma só lei de crer, de uma só fé entre
os cristãos. Sabemos, entretanto, gerar-se facilmente daí um degrau para a
negligência com a religião ou o Indiferentismo e para o denominado Modernismo.
Os que foram miseravelmente infeccionados por ele defendem que não é absoluta,
mas relativa a verdade revelada, isto é, de acordo com as múltiplas
necessidades dos tempos e dos lugares e com as várias inclinações dos
espíritos, uma vez que ela não estaria limitada por uma revelação imutável, mas
seria tal que se adaptaria à vida dos homens.
Além disso, com relação às coisas que devem ser cridas, não é
lícito utilizar-se, de modo algum, daquela discriminação que houveram por bem
introduzir entre o que denominam capítulos fundamentais e capítulos não
fundamentais da fé, como se uns devessem ser recebidos por todos, e, com
relação aos outros, pudesse ser permitido o assentimento livre dos fiéis: a
Virtude sobrenatural da fé possui como causa formal a autoridade de Deus
revelante e não pode sofrer nenhuma distinção como esta.
Por isto, todos os que são verdadeiramente de Cristo consagram,
por exemplo, ao mistério da Augusta Trindade a mesma fé que possuem em relação
dogma da Mãe de Deus concebida sem a mancha original e não possuem igualmente
uma fé diferente com relação à Encarnação do Senhor e ao magistério infalível
do Pontífice romano, no sentido definido pelo Concílio Ecumênico Vaticano.
Nem se pode admitir que as verdades que a Igreja, através de
solenes decretos, sancionou e definiu em outras épocas, pelo menos as proximamente
superiores, não sejam, por este motivo, igualmente certas e nem devam ser
igualmente acreditadas: acaso não foram todas elas reveladas por Deus?
Pois, o Magistério da Igreja, por decisão divina, foi constituído
na terra para que as doutrinas reveladas não só permanecessem incólumes
perpetuamente, mas também para que fossem levadas ao conhecimento dos homens de
um modo mais fácil e seguro. E, embora seja ele diariamente exercido pelo
Pontífice Romano e pelos Bispos em união com ele, todavia ele se completa pela
tarefa de agir, no momento oportuno, definindo algo por meio de solenes ritos e
decretos, se alguma vez for necessário opor-se aos erros ou impugnações dos
hereges de um modo mais eficiente ou imprimir nas mentes dos fiéis capítulos da
doutrina sagrada expostos de modo mais claro e pormenorizado.
Por este uso extraordinário do Magistério nenhuma invenção é
introduzida e nenhuma coisa nova é acrescentada à soma de verdades que estando
contidas, pelo menos implicitamente, no depósito da revelação, foram
divinamente entregues à Igreja, mas são declaradas coisas que, para muitos
talvez, ainda poderiam parecer obscuras, ou são estabelecidas coisas que devem
ser mantidas sobre a fé e que antes eram por alguns colocados sob controvérsia.
16. A única maneira de unir todos
os cristãos
Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a razão pela qual esta Sé
Apostólica nunca permitiu aos seus estarem presentes às reuniões de acatólicos
por quanto não é lícito promover a união dos cristãos de outro modo senão promovendo
o retorno dos dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que
outrora, infelizmente, eles se apartaram dela.
Dizemos à única verdadeira Igreja de Cristo: sem dúvida ela é a
todos manifesta e, pela vontade de seu Autor, Ela perpetuamente permanecerá tal
qual Ele próprio A instituiu para a salvação de todos. Pois, a mística Esposa
de Cristo jamais se contaminou com o decurso dos séculos nem, em época alguma,
poderá ser contaminada, como Cipriano o atesta: "A Esposa de Cristo não
pode ser adulterada: ela é incorrupta e pudica. Ela conhece uma só casa e
guarda com casto pudor a santidade de um só cubículo" (De Cath. Ecclessiae unitate,
6).
E o mesmo santo Mártir, com direito e com razão, grandemente se
admirava de que pudesse alguém acreditar que "esta unidade que procede da
firmeza de Deus pudesse cindir-se e ser quebrada na Igreja pelo divórcio de
vontades em conflito" (ibidem).
Portanto, dado que o Corpo Místico de Cristo, isto é, a Igreja, é
um só (1 Cor 12, 12), compacto e conexo (Ef. 4, 15), à semelhança
do seu corpo físico, seria inépcia e estultície afirmar alguém que ele pode
constar de membros desunidos e separados: quem pois não estiver unido com ele,
não é membro seu, nem está unido à cabeça, Cristo (Cfr. Ef.
5, 30; 1, 22).
17. A obediência ao Romano
Pontífice
Mas, ninguém está nesta única Igreja de Cristo e ninguém nela
permanece a não ser que, obedecendo, reconheça e acate o poder de Pedro e de
seus sucessores legítimos.
Por acaso os antepassados dos enredados pelos erros de Fócio e dos
reformadores não estiveram unidos ao Bispo de Roma, ao Pastor supremo das
almas?
Ai! Os filhos afastaram-se da casa paterna; todavia ela não foi
feita em pedaços e nem foi destruída por isso, uma vez que estava arrimada na
perene proteção de Deus. Retornem, pois, eles ao Pai comum que, esquecido das
injúrias antes gravadas a fogo contra a Sé Apostólica, recebê-los-á com máximo
amor.
Pois se, como repetem frequentemente, desejam unir-se Conosco e
com os nossos, por que não se apressam em entrar na Igreja, "Mãe e Mestra
de todos os fiéis de Cristo" (Conc. Later 4, c.5)?
Escutem
a Lactâncio chamado amiúde: "Só... a Igreja Católica é a que retém o
verdadeiro culto. Aqui está a fonte da verdade, este é o domicílio da Fé, este
é o templo de Deus: se alguém não entrar por ele ou se alguém dele sair, está
fora da esperança da vida e salvação. é necessário que ninguém se afague a si
mesmo com a pertinácia nas disputas, pois trata-se da vida e da salvação que, a
não ser que seja provida de um modo cauteloso e diligente, estará perdida e
extinta" (Divin. Inst. 4, 30, 11-12).
18. Apelo às seitas dissidentes
Aproximem-se, portanto, os filhos dissidentes da Sé Apostólica,
estabelecida nesta cidade que os Príncipes dos Apóstolos Pedro e Paulo
consagraram com o seu sangue; daquela Sede, dizemos, que é "raiz e matriz
da Igreja Católica" (S. Cypr., ep. 48 ad Cornelium, 3), não com o objetivo
e a esperança de que "a Igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da
verdade" (1 Tim 3, 15) renuncie à integridade
da fé e tolere os próprios erros deles, mas, pelo contrário, para que se
entreguem a seu
magistério e regime.
Oxalá auspiciosamente ocorra para Nós isto que não ocorreu ainda
para tantos dos nossos muitos Predecessores, a fim de que possamos abraçar com
espírito fraterno os filhos que nos é doloroso estejam de Nós separados por uma
perniciosa dissensão.
Prece a Nosso Senhor e a Nossa Senhora. Oxalá Deus, Senhor nosso,
que "quer salvar todos os homens e que eles venham ao conhecimento da
verdade"(1 Tim.
2, 4) nos ouça suplicando fortemente para que Ele se digne chamar à unidade da
Igreja a todos os errantes.
Nesta questão que é, sem dúvida, gravíssima, utilizamos e queremos
que seja utilizada como intercessora a Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da graça
divina, vencedora de todas as heresias e auxílio dos cristãos, para que Ela
peça, para o quanto antes, a chegada daquele dia tão desejado por nós, em que
todos os homens escutem a voz do seu Filho divino, "conservando a unidade
de espírito em um vínculo de paz" (Ef.
4, 3).
19. Conclusão e Bênção Apostólica
Compreendeis, Veneráveis Irmãos, o quanto desejamos isto e
queremos que o saibam os nossos filhos, não só todos os do mundo católico, mas
também os que de Nós dissentem. Estes, se implorarem em prece humilde as luzes
do céu, por certo reconhecerão a única verdadeira Igreja de Jesus Cristo e, por
fim, nEla tendo entrado, estarão unidos conosco em perfeita caridade.
No aguardo deste fato, como auspício dos dons de Deus e como
testemunho de nossa paterna benevolência, concedemos muito cordialmente a vós,
Veneráveis Irmãos, e a vosso clero e povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia seis de janeiro, no ano
de 1928, festa da Epifania de Jesus Cristo, Nosso Senhor, sexto de nosso
Pontificado.
PIO PP. XI.
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