Chegaram a um antiquário duas peças raras: um confessionário e um divã.
Dizem que no silêncio da noite as coisas conversam entre si (e ninguém
contesta, pois a maioria dos humanos está dormindo nessa hora). O divã olhou o
confessionário de alto a baixo e perguntou:
– Quem e o que é você? Eu nunca vi algo
semelhante.
O confessionário muito educado, respondeu:
– Boa noite, Doutor Divã! Eu sou um
confessionário, outrora muito utilizado e, vim de um tradicional Mosteiro. Era
em mim que os monges atendiam a confissão dos fiéis. E você de onde é?
O divã mirou o confessionário com arrogância:
– Eu sou deveras importante. Pertenci a um
conceituado consultório de psiquiatria, cujo profissional, era um ilustre
psiquiatra e, que atendia às figuras mais famosas da sociedade.
O confessionário com humildade disse:
– Os monges que atendiam as confissões em
mim, eram homens santos e desconhecidos, que recebiam carinhosamente qualquer
tipo de gente, famosa ou não, que desejasse o perdão de Deus aos seus pecados.
O divã ensoberbeceu-se ainda mais:
– Deus? Isso é uma crendice popular. Todo o
homem que conseguir usar bem a sua inteligência, torna-se o seu próprio deus.
Bastante chateado, o confessionário replicou:
– Você diz assim, creio que influenciado pelo
ambiente em que vivia e, ignora que, até Sigmund Freud (o pai da psiquiatria),
mesmo sendo ateu, disse, certa vez: “Se aumentarem os confessionários,
diminuirão os consultórios psiquiátricos”.
O divã não se deixou impressionar:
– Os clientes que se recostaram em mim, não
pertenciam a qualquer religião; mas, seguiam os conselhos do psiquiatra à risca
e sei que, muitos deles, ao aprender o controle da mente, conseguiram realizar
grandes obras pelo mundo afora.
O confessionário não se deixou abater:
– E você pode garantir-me que esses bem
sucedidos são hoje felizes e bem realizados?
O divã desviou o assunto:
– Os que recostaram em mim eram neuróticos,
esquizofrênicos, perturbados mentais, depressivos e com outras loucuras mais…
Se não saíssem do consultório para se matarem, o tratamento já era considerado
um sucesso!
O confessionário sorriu convicto:
– O que você diz comprova que, quem não tem
Deus em si e não aceita Jesus como seu único Salvador, tem o coração vazio e
aí, ao tentar preencher esse vazio com prazeres mundanos, perde-se nas
encruzilhadas da vida e vai parar num divã!
O divã sorriu meio sem jeito e retrucou:
– E os seguidores desse Deus, desse Jesus,
que você fala, ficam livres de neurose, esquizofrenia, loucura, depressão,
traumas e outros problemas mentais?
O confessionário com calma, explicou:
– Todos os males que você relatou, junto a
outros problemas, como enfermidades e acontecimentos trágicos, são parte
integrante da natureza humana; ninguém está livre, seja bom ou mau. Mas, com
uma boa confissão, uma orientação espiritual, a pessoa sai melhor preparada
para enfrentar as adversidades da vida e saber que nunca estará só.
O divã ainda ia dizer mais alguma coisa, mas…
Foi interrompido pelo barulho de vidros sendo quebrados.
Dois assaltantes invadiram o antiquário e
furtaram várias relíquias, dentre elas, o divã. Quanto ao confessionário, não
quiseram levar, pois, além de muito pesado, ocupava bastante espaço, por mais
que fosse um móvel muito valioso, feito de madeira de lei pintado em verniz
ébano. Havia nele alguns desgastes: nos genuflexórios e nos amparadores de
braços, marcas de um incontável número de confissões.
Quando cessou a confusão, o confessionário
viu que estava entre algumas peças sem muita tradição e concluiu:
– Nós estamos aqui e não corremos riscos de
ir parar em algum depósito de coisas furtadas. Imaginem? Eles nunca avaliariam
o quanto perderam ao me deixar aqui… Hoje não sou mais útil como
confessionário, mas quantas graças escorreram por mim para corações doloridos,
angustiados, desesperados… Tais graças dinheiro nenhum do mundo poderia pagar!
Moacyr Oliveira
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Via Lumina
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