Perder é
ruim. Perder de goleada é pior. Sofrer a maior derrota de nossa história nos
deixa sem palavras. Dói, incomoda, chateia, dá raiva, frustra. Um misto de
sentimentos que é difícil traduzir...
Ainda
durante o jogo já começaram as análises dos entendidos. Algumas interessantes,
outras nem tanto. A imagem que transparece é que todo mundo agora diz "eu
avisei". Todo mundo sabia que ia dar errado e que era impossível dar
certo. Cabe não esquecer, no entanto, que a certeza de agora, até pouquíssimo
tempo atrás era apenas talvez. Talvez um talvez provável, mas ainda assim um
talvez. E o talvez sempre traz espaço para a esperança...
A
esperança é simplesmente o gosto de um bom futuro. O futuro que acreditamos que
estamos destinados. E que às vezes não vem. E quando não vem sentimos vergonha.
Hoje a vergonha é multiplicada porque foi em casa. Parece que a visita quebrou
o decoro e chamou para si um lugar que julgávamos nosso.
E agora?
Agora
vamos reclamar, chiar, xingar. Reclamar muito da derrota da seleção. E vamos
reclamar tanto porque sentimos a derrota como nossa. Nós tomamos de 7 a 1. Nós.
É claro que se racionalizarmos não foi bem assim. Nós não jogamos, não
recebemos o salário dos jogadores. Mas mesmo racionalizando, a sensação
incômoda fica lá. E fica lá porque, embora "racionalmente" nós não
sejamos a seleção, ela funciona como um símbolo que nos congrega. Um símbolo
nos quais o clubismo se dissolve. Um lugar em que nos encontramos. Por mais que
falemos mal deles, tais símbolos existem... E nós precisamos deles para sermos
um povo.
Claro que
há a "solução" de transformar o nós em eles. E lembrar agora de tudo
o que nos separa da seleção. Fazer isso é natural, mas um pouco injusto. Afinal
se o resultado tivesse sido uma vitória, continuaríamos dizendo
"nós".
Então tá
tudo bem?
Claro que
não. Tem muita coisa ruim. Ruim com o futebol. Ruim fora do futebol. Ruim com a
CBF. Ruim com o país. Só que perceber esse ruim como nosso e não como deles nos
dá certo poder... Não, não vamos mudar os rumos da seleção ou recriar o país do
dia para a noite. Mas assumir-se como parte do problema, nos oferece um pequeno
espaço de manobra. Afinal, dá para começar alguma coisa em nós.
Nessas
horas, lembro do inglês Chesterton. Vou deixar minhas palavras de lado e
utilizar algumas dele. No texto em questão substituirei "Pimlico" por
Brasil. Acho que assim me farei compreender.
"Quando
eu era menino, havia dois tipos curiosos de homens que corriam de um lado para
o outro e que eram conhecidos como o otimista e o pessimista. Eu mesmo
empregava, constantemente, tais expressões, mas confesso, sem tristeza, que não
tinha a noção exata do que elas significavam. A única coisa que se podia
considerar evidente era que tais palavras não podiam ter um significado
literal, pois segundo o conceito comum, o otimista julgava esse mundo tão bom
quanto podia ser, enquanto o pessimista julgava-o o pior possível. Ora, como
ambas as afirmações eram obviamente uma rematada tolice, tornava-se necessário
buscar outras explicações. O otimista não podia ser o homem que considerava
tudo certo e nada errado. Tal maneira de pensar não tem sentido algum: seria o
mesmo que chamar a tudo de direito e nada de esquerdo. No final, cheguei à
conclusão de que o otimista considerava tudo bem exceto o pessimista, e o
pessimista considerava tudo mau, exceto a si mesmo.
Vamos
supor que tenhamos de nos confrontar com algo desesperador como, por exemplo, o
Brasil. Se pensarmos no que, realmente, será melhor para o Brasil,
verificaremos que nossos pensamentos nos conduzem ao místico e ao arbitrário.
Não é suficiente que um homem não goste do Brasil, pois, neste caso,
limitar-se-á a cortar o pescoço ou a mudar-se para outro lugar. Com certeza,
também não é suficiente que um homem goste do Brasil, pois em tal caso ele
continuaria a ser o que é, e isso seria terrível. A única solução seria alguém
que amasse o Brasil, mas que o amasse com um apego transcendental e sem
qualquer razão terrena. Se aparece um homem que amasse o Brasil, nesse local
erguer-se-iam torres de marfim e pináculos dourados. O Brasil enfeitar-se-ia
como uma mulher quando é amada, pois a decoração não se destina a esconder
coisas feias, mas a ornamentar o que já é adorável. Se os homens amassem o
Brasil como as mães amam os filhos, incondicionalmente, porque são seus, o
Brasil, dentro de um ano ou dois, seria mais belo do que Florença. Alguns
leitores dirão que isso não passa de mera fantasia, mas eu lhes respondo que é
a verdadeira história da Humanidade. Na verdade, foi assim que as cidades
tornaram-se grandes. Os homens não amaram Roma porque ela era grande; Roma foi
grande porque os homens a amaram."
Agora a
vida continua. A seleção brasileira perdeu, mas o Brasil continua (e a seleção
também!). Estávamos em festa. Agora estamos em luto. Logo, logo voltamos ao
cotidiano. É nele que nosso amor, nosso gosto, nosso desgosto ou nossa
indiferença se concretizam de verdade. E aí que os status quo é mantido ou que
grandeza é construída.
Agora é
bola para frente! No futebol, na política, na economia... E também no chão a
chão do dia a dia. Nas micro relações. Após o desastre, vem a tristeza, vem a
raiva. Delas podem nascer um de dois filhos. O desespero ou a esperança. A
esperança, quando amadurecida, sabe que não é realizada apenas por nobres
sentimentos. É necessária a ação. Quando isso ocorre, a esperança não
decepciona. E não faz isso porque, mesmo quando não se realiza, ela ainda assim
nos transforma.
É, sou
brasileiro. Hoje, não com tanto orgulho, mas ainda com muito amor.
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Obs: No
texto do Chesterton, excluí algumas partes para tornar mais diretas aquelas que
eu desejava ressaltar. Para quem se interessar tal texto encontra-se no livro
Ortodoxia, no capítulo "A Bandeira do Mundo".
Alessandro Garcia
Doutorando
em Sociologia - UFRJ / Fundador da Oficina de Valores
Disponível em: Links Católicos
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