Não está fácil ser cristão, em várias
partes do mundo! Muitos estão sendo cerceados em sua liberdade de consciência,
perseguidos e martirizados, apenas por serem discípulos de Jesus Cristo. São muito
atuais as palavras de advertência de Jesus, ao encorajar os discípulos,
falando-lhes do que os esperava: “sereis perseguidos e odiados por minha causa”
(cf Lc 21, 12-19). Jesus não prometeu vida fácil a seus seguidores!
A cena de Jesus com seus discípulos no
caminho para Jerusalém, retratada no Evangelho de São Mateus (cf Mt 16,21-27),
é muito ilustrativa. Jesus lhes fala da própria rejeição pelas autoridades do
templo de Salomão, em Jerusalém, de seus sofrimentos, morte na cruz e
ressurreição ao terceiro dia. Pedro, cheio de vontade de “defender” o Mestre,
quer convencê-lo a desistir do caminho para Jerusalém: “Deus te livre, isso não
te acontecerá!”
As palavras de Jesus a Pedro são duras:
“vá para longe de mim, satanás! És para mim, ocasião de tropeço!” São as mesmas
palavras usadas por Jesus para superar a terceira tentação no deserto, antes de
iniciar sua missão pública (cf Mt 4,10). Pedro fazia o papel de “tentador” e
Jesus o afastou decididamente, continuando seu caminho para Jerusalém: “tu não pensas
conforme Deus, mas conforme os homens!” (cf Mt 16,23).
De qual tentação tão grave se tratava?
Se Jesus desse razão a Pedro, evitaria os sofrimentos anunciados. Qual seria o
mal? É que essa tentação implicava em desistir do Evangelho e da missão de Jesus.
Pedro, ingenuamente, querendo impedir que algo de mal acontecesse a Jesus,
acabaria desviando Jesus do seu caminho, impedindo-o de ser a testemunha fiel
da verdade de Deus, de ser coerente e fiel à missão de manifestar o amor de
Deus até às últimas consequências. Era uma grande tentação!
Jesus não atrai os discípulos para
facilidades, vantagens, prosperidade e glórias terrenas: “se alguém quer me
seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga!” (Mt 16,24). Várias
outras passagens do Evangelho retratam o convite a seguir Jesus, não por
interesses pessoais, mas a abraçar de coração inteiro o Evangelho do reino de
Deus por ele anunciado e tornado presente no mundo.
É antiga e sempre atual a tentação de
oferecer Jesus como um “produto” para a solução mágica para todos os males, sem
a exigência de verdadeira fé e conversão ao reino de Deus. Um cristianismo sem
mudança de vida, sem cruz nem renúncia aos próprios projetos, sem sintonia com
o projeto de Deus, sem os 10 mandamentos da lei de Deus, seria falsificar Jesus
e o Evangelho!
Essa tentação insidiosa, mais do que
nunca, pode ser atual em nossos dias: pretende-se apresentar um Jesus simpático
e atraente, produto falsificado nas vitrines de um mercado religioso sempre
mais florescente, para atrair adeptos com toda sorte de facilidades e
vantagens. Lembrou o papa Francisco: uma Igreja sem Jesus Cristo crucificado e
ressuscitado, acabaria sendo uma espécie de “ONG do bem”, mas não seria mais a
Igreja de Cristo!
Tentação perigosa, pois mexe com coisas
muito sérias e induz a engano fatal: “de que adianta alguém ganhar o mundo
inteiro, mas perder a sua vida?” – pergunta Jesus. (cf Mt 16,26). Quem busca
Jesus apenas para ter vantagens pessoais, facilidades, vaidades e riquezas, não
“arrisca” nada por ele; não é a Jesus e o reino de Deus que busca, mas apenas a
si próprio e a seus projetos pessoais. A “renúncia a si mesmo” equivale, de
fato, à primazia absoluta dada a Deus e a seus caminhos.
A “religião fácil” é uma tentação
perigosa, um grave engano! No final de tudo, se não houve sincera conversão e
“renúncia a si mesmo”, mesmo tendo conseguido todas as vantagens do mundo, a
frustração poderá ser total.
Cardeal Odilo Pedro Scherer
Arcebispo de São Paulo (SP)
Publicado em O São Paulo, de 4 de setembro de 2014.
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