Sou o primeiro
crítico do sistema político de nosso país quando o assunto aparece. Acho ele
ineficiente, pouco democrático e — muita calma para não chegar a conclusões
abruptas sobre isto — pouco representativo.
Mas já digo logo
que uma assembleia constituinte específica para a reforma política é uma coisa
absurda, porque isso não existe.
Não tem essa de
montar um grupinho de pessoas para fazer, ou refazer, um pedaço da
Constituição. Pouco importa se esse grupinho foi indicado por plebiscito, por
um conselho de moças virgens ou pelos deputados estaduais cujos nomes começam
com M. O problema não é formar o grupo, mas não entender o que é uma
Constituição.
Ela não é uma
simples lei que, se não funcionar direito, basta trocar por outra. Há gente
mais sabida do que eu nesse assunto que sequer chama uma norma constitucional
de lei, porque a Constituição não é um simples acordo legal ou jurídico. Ela é
um acordo político. É, em poucas palavras, um país colocado no papel. Uma nova
Constituição só pode aparecer depois de uma ruptura MUITO grave desse acordo
político (leia sobre isso com mais detalhes e em juridiquês neste link).
Sair da monarquia
para a república ou vice-versa é uma ruptura muito grave do acordo político.
Sair de um regime ditatorial para um democrático e vice-versa é uma ruptura
muito grave do acordo político. Perceber que o sistema político e eleitoral
requer mudanças NÃO É uma ruptura muito grave do acordo político.
Se ainda não
ficou claro, resumo em outra frase: se não tem como fazer meio-país, então não
tem como fazer meia-Constituição.
Por isso as
constituições não podem ser alteradas de qualquer forma ou totalmente revogadas
e reescritas, como as leis. Elas somente podem ser emendadas em assuntos
específicos e sob regras certas. Na nossa Constituição, essas regras estão
principalmente no artigo 60.
Apoiar uma
constituinte específica para a reforma política é dizer que nosso acordo
político, não somente nossas leis, fracassou nesse ponto. É concluir que nossos
constituintes de 1987 falharam e que nosso pacto social é incapaz de manter um
consenso em regras democráticas — regras que esses mesmos constituintes
esperaram duas décadas para começar a rascunhar. Imagino o clima de renovação,
de novo pacto social da Constituinte de 87 indo pelo ralo menos de trinta anos
depois. Nossos constituintes ficariam bastante decepcionados.
Alguns criticam
o Brasil por ter criado sete constituições em menos de dois séculos, sendo duas
delas impostas. Deixando de lado por um instante o prejuizo que vem com tantas
mudanças institucionais, eu não veria tanto problema nisso se cada Constituição
for de fato uma lei magna respeitada e não um balaio-de-gato. É preferível uma
herança de vinte Constituições consistentes do que uma só maleável como pudim.
Uma Constituição inconsistente é pior do que nenhuma.
O principal
argumento favorável a uma constituinte específica (relevando o fato de que isso
não existe) para uma reforma política é que essa seria a única maneira de
reformar. Bem… não é. Existe um Congresso Nacional com quase 600 representantes
eleitos e regras definidas. Existem governos eleitos diretamente, tanto
nacional quanto estaduais. Existe um Ministério Público e uma corte
constitucional. Existem zilhões de conselhos e organizações regionais e
federais de tudo que é assunto político, agora com mais força depois do decreto
sobre participação social. Existe, puxa vida, você mesmo. Que começem a trabalhar.
A lição
histórica é que o brasileiro terá de aprender a resolver seus problemas sem
apertar o botão reset a toda hora. Por enquanto preferimos começar algo do zero
do que enfrentar um conflito para solucioná-lo. É preciso sair da infância
cívica e resolver os conflitos feito adultos.
Depois de sete
constituições, a gente deveria começar a concluir que o problema não é
exatamente a Constituição. Tem algo errado que não percebemos, como naquela
piada em que a senhora chega ao médico dizendo que tudo dói, onde ela encosta
dói, e o médico nota que o que dói é apenas a ponta do dedo dela. Talvez o erro
esteja não na Constituição, mas no nosso jeito de fazer política. Se ainda
assim você acha que uma constituinte resolveria tudo, imagina comigo: se fosse
criada uma constituinte, que pessoas estariam nela?
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Fonte: Contos do Átrio
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