Você deve ter visto as notícias, faz algumas
semanas, da descoberta da “possível” casa de Jesus em Nazaré. As manchetes de
vários sites e jornais diziam: “Arqueólogos podem ter descoberto a casa da
infância de Jesus”.
A tal casa já tinha sido encontrada, na verdade, em
1880: uma ordem de freiras descobriu por acaso uma antiga cisterna, começou a
cavar em torno dela e achou um complexo de paredes, estruturas e cavernas que
tinham ficado enterradas durante muito tempo. Em 1930, um padre que tinha sido
arquiteto fez mais algumas escavações no local e descobriu um pouco mais das
estruturas enterradas.
Tudo ficou por isso mesmo até que o arqueólogo Ken
Dark, da Universidade de Reading, começasse a fazer extensas escavações no
local ao longo dos últimos anos. Ele encontrou evidências arqueológicas que o
convenceram de que aquele era um lar judaico do século I. E não só isto: ele
observou que, sobre aquela casa, tinha sido construída uma igreja bizantina,
que, por sua vez, foi substituída alguns séculos mais tarde por outra igreja,
desta vez do tempo das cruzadas. Com base nos indícios materiais e históricos,
Ken Dark especulou que a igreja bizantina fosse a Igreja da Nutrição,
construída sobre uma casa que os bizantinos acreditavam ter sido o lar da
infância de Jesus em Nazaré.
A recente divulgação dessas pesquisas não fez
afirmação alguma de que aquela casa fosse “com certeza” o lar em que Jesus
passou a infância. O artigo publicado por Ken Dark simplesmente declarava que,
com base nos indícios encontrados, havia essa possibilidade.
E o que tudo isso tem a ver com os ateus?
Ultimamente, eu tenho lido alguns blogs mantidos
por ateus porque quero entender melhor em que os ateus acreditam e por quê.
Afinal, se pretendo falar sobre ateísmo, não quero deturpar os pensamentos e
crenças deles, mas sim tentar compreendê-los e dialogar com eles.
Foi assim que achei um artigo no blog “Friendly
Atheist” [“Ateu Amigável”], escrito por alguém que atende pelo nome de Terry
Firma. Um dos artigos desse blog pretendia dar uma resposta ao anúncio de que
fora descoberta a possível casa de Jesus em Nazaré.
Terry Firma escreveu: "É impossível saber se
Mark Twain seduziu a cantora de ópera Jenny Lind no quarto da minha casa, que
foi construída no século XIX. Mas essa possibilidade não pode ser descartada...
Além disso, é impossível confirmar que, segundo as lendas locais, há um
magnífico tesouro enterrado na baía próxima da minha casa. Mas isso também não
pode ser refutado". A seguir, ele convidou os seus leitores a participarem
da "brincadeira" de ridicularizar Ken Dark por ter afirmado que o seu
achado arqueológico não está definitivamente comprovado, mas tampouco há
elementos para descartá-lo.
O que Terry Firma fez foi ignorar todos os indícios
factuais, históricos e arqueológicos da descoberta de Ken Dark, tirar suas
palavras de contexto, distorcê-las completamente e ridicularizá-las. A
comparação entre o achado de Ken e as lendas locais em torno à baía de Terry é
ilógica e intelectualmente desonesta: ele tenta equiparar evidências
arqueológicas reais com meras suposições folclóricas sem embasamento concreto.
O possível lar de Jesus em Nazaré era, de fato, uma
casa judaica do século I. Uma igreja bizantina foi, de fato, construída sobre
aquela casa. Há indícios históricos de que essa igreja seja a da Nutrição, o
que demonstraria que os cristãos acreditavam, desde tempos muito antigos, que
se tratasse mesmo da casa de Jesus. A igreja da época das cruzadas também foi,
de fato, construída sobre o mesmo local, reforçando a ideia de que, ao longo
dos séculos da cristandade, atribuiu-se àquele lugar uma grande importância.
Tudo isso prova que era mesmo o lar de Jesus? Não. É claro que não. Mas Ken
Dark nunca afirmou que isso estivesse provado. Ele apenas falou em indícios.
E quanto a Terry Firma, será que ele respondeu de
forma imparcial, tolerante, racional, lógica e científica diante dos indícios
arqueológicos apresentados por Ken Dark?
Vejamos. Ken Dark apresentou indícios bastante
concretos de que aquele achado arqueológico pode ser a casa de Jesus em Nazaré.
Terry Firma, por sua vez, apresentou paralelos sem embasamento algum em dados e
fatos arqueológicos, históricos, empíricos. Aliás, se aplicarmos o mesmo tipo
de paralelo que Terry apresentou, podemos afirmar que “é bem possível que Terry
Firma seja um extraterrestre. Não há provas disso. Mas isso também não pode ser
refutado”.
Por que estou falando desse despropósito todo?
Porque esse tipo de despropósito é exatamente o que
eu mais encontro na maioria das minhas conversas com pessoas que se dizem
ateias. São pessoas que subestimam as minhas crenças. São pessoas que
subestimam a minha inteligência. São pessoas que me menosprezam. Eu já fui
ofendido, de dezenas de maneiras, por simplesmente fazer perguntas e propor
respostas a partir de uma perspectiva cristã. Eles repudiam argumentos em favor
da existência de Deus usando a mesma “lógica comparativa” com que Terry Firma
repudia as evidências arqueológicas de Ken Dark: como se elas simplesmente não existissem.
Eles insistem em fazer um paralelo improcedente entre a ideia da existência de
Deus e a da existência de duendes, unicórnios e fadas. Terry Firma faz
exatamente isto ao comparar fofocas sobre Mark Twain e boatos de um tesouro
enterrado com as evidências físicas e históricas, reais e concretas,
apresentadas por Ken Dark.
Terry Firma vai em frente: "É notável para
todo o mundo que Ken Dark e sua equipe, talvez estimulados pela mídia ávida por
uma história sensacional, trabalharam a partir de um resultado
pré-concebido". É notável? E para todo o mundo? E com base em quê? Como
Terry Firma pode saber qual foi a motivação de Ken Dark? Talvez com base no
seguinte raciocínio: “Todo mundo sabe que isso não pode ser verdade porque
Jesus nunca existiu. Portanto, todo o trabalho de Ken Dark parte de um
resultado pré-concebido”. Quem está partindo de uma ideia pré-concebida é Terry
Firma, ao assumir como premissa incontestável que Jesus não existiu. Provas?
Ele não propõe nenhuma. Parece que só os outros precisam apresentar provas; ele
não.
E Terry Firma encerra o seu artigo, pouco
surpreendentemente, mencionando os unicórnios.
Agora dê uma olhada em alguns comentários que os
leitores de Terry fizeram em seu blog:
"Está vendo esta pedra? Está vendo este
arranhão na pedra? Nós acreditamos que Jesus começou a escreveu o nome dele
aqui, mas foi interrompido. Não podemos saber com certeza, mas também não
podemos afirmar que isto não aconteceu" (AlissaA).
"Cavando um buraco no meu quintal, encontrei
uma coleção de pedras que são restos de um casebre de luxo em que Adão e Eva se
hospedaram durante suas viagens pelo mundo, milênios atrás" (bicfj).
"Vejam o que eu encontrei! É o carvalho
principal da floresta de Sherwood! Não vejo mais nenhuma razão para afirmar que
Robin Hood não foi uma pessoa real" (TiltedHorizon).
Sarcasmo, arrogância, infantilidades. Nem sequer um
único argumento racional contra a possibilidade apresentada por Ken Dark (esta,
sim, baseada em indícios concretos). Eu me atrevo a conjeturar, além do mais,
que nenhum desses comentaristas se preocupou em ler o artigo original escrito
por Ken Dark antes de “comentá-lo” e “desqualificá-lo”. Os comentaristas se
ativeram apenas aos filtros questionáveis de um blogueiro, dando-os por
imparciais e corretos, e pareceram pressupor que estavam respondendo com
racionalidade às “meras crenças” de um pesquisador “intelectualmente inferior”
e “influenciado por lendas religiosas”.
E tudo isso num blog chamado “Friendly Atheist”
[“Ateu Amigável”]. Imagine o que diriam os ateus hostis...
John
Martignoni
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Aleteia
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