Aquilo
que a Igreja ensina sobre o matrimonio e sobre a complementaridade dos sexos
propõe uma verdade, evidenciada pela reta razão e reconhecida como tal por
todas as grandes culturas do mundo. O matrimonio não é uma união qualquer entre
pessoas humanas. Foi fundado pelo Criador, com uma sua natureza, propriedades
essenciais e finalidades.(3) Nenhuma ideologia pode cancelar do espírito humano
a certeza de que só existe matrimonio entre duas pessoas de sexo diferente, que
através da recíproca doação pessoal, que lhes é própria e exclusiva, tendem à
comunhão das suas pessoas. Assim se aperfeiçoam mutuamente para colaborar com
Deus na geração e educação de novas vidas.
3. A
verdade natural sobre o matrimónio foi confirmada pela Revelação contida nas
narrações bíblicas da criação e que são, ao mesmo tempo, expressão da sabedoria
humana originária, em que se faz ouvir a voz da própria natureza. São três os
dados fundamentais do plano criador relativamente ao matrimónio, de que fala o
Livro do Génesis.
Em
primeiro lugar, o homem, imagem de Deus, foi criado « homem e mulher » (Gn 1,
27). O homem e a mulher são iguais enquanto pessoas e complementares enquanto
homem e mulher. A sexualidade, por um lado, faz parte da esfera biológica e,
por outro, é elevada na criatura humana a um novo nível, o pessoal, onde corpo
e espírito se unem.
Depois, o
matrimonio é instituído pelo Criador como forma de vida em que se realiza
aquela comunhão de pessoas que requer o exercício da faculdade sexual. « Por
isso, o homem deixará o seu pai e a sua mãe e unir-se-á à sua mulher e os dois
tornar-se-ão uma só carne » (Gn 2, 24).
Por fim,
Deus quis dar à união do homem e da mulher uma participação especial na sua
obra criadora. Por isso, abençoou o homem e a mulher com as palavras: « Sede
fecundos e multiplicai-vos » (Gn 1, 28). No plano do Criador, a
complementaridade dos sexos e a fecundidade pertencem, portanto, à própria
natureza da instituição do matrimonio.
Além
disso, a união matrimonial entre o homem e a mulher foi elevada por Cristo à
dignidade de sacramento. A Igreja ensina que o matrimonio cristão é sinal
eficaz da aliança de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 32). Este significado
cristão do matrimonio, longe de diminuir o valor profundamente humano da união
matrimonial entre o homem e a mulher, confirma-o e fortalece-o (cf. Mt 19,
3-12; Mc 10, 6-9).
4. Não
existe nenhum fundamento para equiparar ou estabelecer analogias, mesmo
remotas, entre as uniões homossexuais e o plano de Deus sobre o matrimónio e a
família. O matrimonio é santo, ao passo que as relações homossexuais estão em
contraste com a lei moral natural. Os atos homossexuais, de fato, « fecham o
ato sexual ao dom da vida. Não são fruto de uma verdadeira complementaridade
afectiva e sexual. Não se podem, de maneira nenhuma, aprovar ».(4)
Na
Sagrada Escritura, as relações homossexuais « são condenadas como graves depravações…
(cf. Rm 1, 24-27; 1 Cor 6, 10; 1 Tm 1, 10). Desse juízo da Escritura não se
pode concluir que todos os que sofrem de semelhante anomalia sejam pessoalmente
responsáveis por ela, mas nele se afirma que os atos de homossexualidade são
intrinsecamente desordenados ».(5) Idêntico juízo moral se encontra em muitos
escritores eclesiásticos dos primeiros séculos,(6) e foi unanimemente aceito
pela Tradição católica.
Também
segundo o ensinamento da Igreja, os homens e as mulheres com tendências
homossexuais « devem ser acolhidos com respeito, compaixão e delicadeza. Deve
evitar-se, para com eles, qualquer atitude de injusta discriminação ».(7) Essas
pessoas, por outro lado, são chamadas, como os demais cristãos, a viver
a castidade.(8) A inclinação homossexual é, todavia, « objectivamente
desordenada »,(9) e as práticas homossexuais « são pecados gravemente
contrários à castidade ».(10)
ARGUMENTAÇÕES
RACIONAIS CONTRA
O RECONHECIMENTO LEGAL
DAS UNIÕES HOMOSSEXUAIS
6. A
compreensão das razões que inspiram o dever de se opor desta forma às
instâncias que visem legalizar as uniões homossexuais exige algumas
considerações éticas específicas, que são de diversa ordem.
De ordem
relativa à reta razão
A função
da lei civil é certamente mais limitada que a da lei moral.(11) A lei civil,
todavia, não pode entrar em contradição com a reta razão sob pena de perder a
força de obrigar a consciência.(12) Qualquer lei feita pelos homens tem razão
de lei na medida que estiver em conformidade com a lei moral natural,
reconhecida pela reta razão, e sobretudo na medida que respeitar os direitos
inalienáveis de toda a pessoa.(13) As legislações que favorecem as uniões
homossexuais são contrárias à reta razão, porque dão à união entre duas pessoas
do mesmo sexo garantias jurídicas análogas às da instituição matrimonial.
Considerando os valores em causa, o Estado não pode legalizar tais uniões sem
faltar ao seu dever de promover e tutelar uma instituição essencial ao bem
comum, como é o matrimonio.
Poderá
perguntar-se como pode ser contrária ao bem comum uma lei que não impõe nenhum
comportamento particular, mas apenas se limita a legalizar uma realidade de
facto, que aparentemente parece não comportar injustiça para com ninguém. A tal
propósito convém reflectir, antes de mais, na diferença que existe entre o
comportamento homossexual como fenômeno privado, e o mesmo comportamento como
relação social legalmente prevista e aprovada, a ponto de se tornar numa das
instituições do ordenamento jurídico. O segundo fenômeno, não só é mais grave, mas
assume uma relevância ainda mais vasta e profunda, e acabaria por introduzir
alterações na inteira organização social, que se tornariam contrárias ao bem
comum. As leis civis são princípios que estruturam a vida do homem no seio da
sociedade, para o bem ou para o mal. « Desempenham uma função muito importante,
e por vezes determinante, na promoção de uma mentalidade e de um costume ».(14)
As formas de vida e os modelos que nela se exprimem não só configuram
externamente a vida social, mas ao mesmo tempo tendem a modificar, nas novas
gerações, a compreensão e avaliação dos comportamentos. A legalização das
uniões homossexuais acabaria, portanto, por ofuscar a percepção de alguns
valores morais fundamentais e desvalorizar a instituição matrimonial.
De ordem
biológica e antropológica
7. Nas
uniões homossexuais estão totalmente ausentes os elementos biológicos e
antropológicos do matrimonio e da família, que poderiam dar um fundamento
racional ao reconhecimento legal dessas uniões. Estas não se encontram em condição
de garantir de modo adequado a procriação e a sobrevivência da espécie humana.
A eventual utilização dos meios postos à sua disposição pelas recentes
descobertas no campo da fecundação artificial, além de comportar graves faltas
de respeito à dignidade humana,(15) não alteraria minimamente essa sua
inadequação.
Nas
uniões homossexuais está totalmente ausente a dimensão conjugal, que representa
a forma humana e ordenada das relações sexuais. Estas, de fato, são humanas,
quando e enquanto exprimem e promovem a mútua ajuda dos sexos no matrimonio e
se mantêm abertas à transmissão da vida.
Como a
experiência confirma, a falta da bipolaridade sexual cria obstáculos ao
desenvolvimento normal das crianças eventualmente inseridas no interior dessas
uniões. Falta-lhes, de fato, a experiência da maternidade ou paternidade.
Inserir crianças nas uniões homossexuais através da adopção significa, na
realidade, praticar a violência sobre essas crianças, no sentido que se
aproveita do seu estado de fraqueza para introduzi-las em ambientes que não
favorecem o seu pleno desenvolvimento humano. Não há dúvida que uma tal prática
seria gravemente imoral e pôr-se-ia em aberta contradição com o princípio
reconhecido também pela Convenção internacional da ONU sobre os direitos da
criança, segundo o qual, o interesse superior a tutelar é sempre o da criança,
que é a parte mais fraca e indefesa.
De ordem
social
8. A
sociedade deve a sua sobrevivência à família fundada sobre o matrimonio. É,
portanto, uma contradição equiparar à célula fundamental da sociedade o que
constitui a sua negação. A consequência imediata e inevitável do
reconhecimento legal das uniões homossexuais seria a redefinição do matrimonio,
o qual se converteria numa instituição que, na sua essência legalmente reconhecida,
perderia a referência essencial aos fatores ligados à heterossexualidade, como
são, por exemplo, as funções procriadora e educadora. Se, do ponto de vista
legal, o matrimonio entre duas pessoas de sexo diferente for considerado apenas
como um dos matrimonios possíveis, o conceito de matrimonio sofrerá uma
alteração radical, com grave prejuízo para o bem comum. Colocando a união
homossexual num plano jurídico análogo ao do matrimonio ou da família, o Estado
comporta-se de modo arbitrário e entra em contradição com os próprios deveres.
Em defesa
da legalização das uniões homossexuais não se pode invocar o princípio do
respeito e da não discriminação de quem quer que seja. Uma distinção entre
pessoas ou a negação de um reconhecimento ou de uma prestação social só são
inaceitáveis quando contrárias à justiça.(16) Não atribuir o estatuto social e
jurídico de matrimónio a formas de vida que não são nem podem ser matrimoniais,
não é contra a justiça; antes, é uma sua exigência.
Nem tão
pouco se pode razoavelmente invocar o princípio da justa autonomia pessoal. Uma
coisa é todo o cidadão poder realizar livremente actividades do seu interesse,
e que essas actividades que reentrem genericamente nos comuns direitos civis de
liberdade, e outra muito diferente é que actividades que não representam um
significativo e positivo contributo para o desenvolvimento da pessoa e da
sociedade possam receber do Estado um reconhecimento legal especifico e
qualificado. As uniões homossexuais não desempenham, nem mesmo em sentido
analógico remoto, as funções pelas quais o matrimónio e a família merecem um
reconhecimento específico e qualificado. Há, pelo contrário, razões válidas
para afirmar que tais uniões são nocivas a um reto progresso da sociedade
humana, sobretudo se aumentasse a sua efectiva incidência sobre o tecido
social.
De ordem
jurídico
9. Porque
as cópias matrimoniais têm a função de garantir a ordem das gerações e,
portanto, são de relevante interesse público, o direito civil confere-lhes um
reconhecimento institucional. As uniões homossexuais, invés, não exigem uma
específica atenção por parte do ordenamento jurídico, porque não desempenham
essa função em ordem ao bem comum.
Não é
verdadeira a argumentação, segundo a qual, o reconhecimento legal das uniões
homossexuais tornar-se-ia necessário para evitar que os conviventes
homossexuais viessem a perder, pelo simples fato de conviverem, o efetivo
reconhecimento dos direitos comuns que gozam enquanto pessoas e enquanto
cidadãos. Na realidade, eles podem sempre recorrer – como todos os cidadãos e a
partir da sua autonomia privada – ao direito comum para tutelar situações
jurídicas de interesse recíproco. Constitui porém uma grave injustiça
sacrificar o bem comum e o recto direito de família a pretexto de bens que podem
e devem ser garantidos por vias não nocivas à generalidade do corpo social.(17)
CONCLUSÃO
11. A
Igreja ensina que o respeito para com as pessoas homossexuais não pode levar,
de modo nenhum, à aprovação do comportamento homossexual ou ao reconhecimento
legal das uniões homossexuais. O bem comum exige que as leis reconheçam,
favoreçam e protejam a união matrimonial como base da família, célula primária
da sociedade. Reconhecer legalmente as uniões homossexuais ou equipará-las ao
matrimonio, significaria, não só aprovar um comportamento errado, com a
consequência de convertê-lo num modelo para a sociedade atual, mas também
ofuscar valores fundamentais que fazem parte do patrimônio comum da humanidade.
A Igreja não pode abdicar de defender tais valores, para o bem dos homens e de
toda a sociedade.
Referencias
(1) Cf. João Paulo II, Alocuções por ocasião
da recitação do Angelus, 20 de Fevereiro de 1994 e 19 de Junho de 1994; Discurso
aos participantes na Assembleia Plenária do Conselho Pontifício para a
Família, 24 de Março de 1999; Catecismo da Igreja Católica,
nn. 2357-2359, 2396; Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona
humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8; Carta sobre a cura pastoral
das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986;Algumas Considerações
sobre a Resposta a propostas de lei em matéria de não discriminação das
pessoas homossexuais, 24 de Julho de 1992; Conselho Pontifício para a
Família, Carta aos Presidentes das Conferências Episcopais da Europa
sobre a resolução do Parlamento Europeu em matéria de cópias homossexuais,
25 de Março de 1994; Família, matrimónio e « uniões de
facto », 26 de Julho de 2000, n. 23.
(2) Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Nota
doutrinal sobre algumas questões relativas ao empenho e comportamento dos
católicos na vida política, 24 de Novembro de 2002, n. 4.
(3) Cf. Concílio Vaticano II, Constituição
pastoral Gaudium et spes, n. 48.
(4) Catecismo da Igreja Católica, n. 2357.
(5) Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Persona
humana, 29 de Dezembro de 1975, n. 8.
(6) Cf. por exemplo, S. Policarpo, Carta aos
Filipenses, V, 3; S. Justino, Primeira Apologia, 27, 1-4;
Atenágoras, Súplica em favor dos cristãos, 34.
(7) Catecismo da Igreja Católica, n. 2358; cf. Congregação para
a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral das pessoas
homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 10.
(8) Cf. Catecismo da Igreja Católica, n.
2359; Congregação para a Doutrina da Fé, Carta sobre a cura pastoral
das pessoas homossexuais, 1 de Outubro de 1986, n. 12.
(9) Catecismo da Igreja Católica, n. 2358.
(10) Ibid., n. 2396.
(11) Cf. João Paulo II, Carta encíclica Evangelium
vitae, 25 de Março de 1995, n. 71.
(12)
Cf. ibid., n. 72.
(12) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae,
I-II, q. 95, a. 2.
(13) João Paulo II, Carta encíclica Evangelium
vitae, 25 de Março de 1995, n. 90.
(14) Cf. Congregação para a Doutrina da Fé, Instrução Donum
vitae, 22 de Fevereiro de 1987, II. A. 1-3.
(15) Cf. S. Tomás de Aquino, Summa Theologiae,
II-II, q. 63, a. 1, c.
(16) Deve, além disso, ter-se presente que existe sempre
«o perigo de uma legislação, que faça da homossexualidade uma base
para garantir direitos, poder vir de facto a encorajar uma pessoa com
tendências homossexuais a declarar a sua homossexualidade ou mesmo a procurar
um parceiro para tirar proveito das disposições da lei» (Congregação
para a Doutrina da Fé,Algumas Considerações sobre a Resposta a propostas
de lei em matéria de não discriminação das pessoas homossexuais, 24 de
Julho de 1992, n. 14).
(18)
João Paulo II, Carta encíclica Evangelium vitae, 25 de Março de
1995, n. 73.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário