Nós estamos reunidos aqui por causa de um homem. Um
homem pessoalmente conhecido por muitos de nós, e que por muitos outros é
conhecido apenas pela reputação; um homem amado por muitos, repudiado por
muitos; um homem de muitas controvérsias, e de grande compaixão. Este homem,
obviamente, é Jesus de Nazaré.
É ele que nós professamos: Jesus Cristo, Filho do
Pai, nascido da Virgem Maria, crucificado, morto, ressuscitado, sentado à
direita do Pai. É por causa dele, por causa da Sua vida, morte e ressurreição
que nós não choramos como aqueles que não têm nenhuma esperança, mas
confiantemente recomendamos Antonin Scalia à misericórdia de Deus.
A Escritura diz que “Jesus Cristo é o mesmo ontem,
hoje e amanhã”. E isto estabelece um bom roteiro para os nossos pensamentos e
preces aqui hoje. Portanto, olhamos em três direções: para o passado, em ação
de graças. Para o presente, em súplica. E para a eternidade, em esperança.
Olhamos para Jesus Cristo ontem – quer dizer, no
passado – em gratidão pelas bênçãos que Deus derramou sobre papai. Na última
semana, muitos rememoraram o que papai fez por eles, mas hoje, aqui, lembramos
o que Deus fez por papai; como Ele o abençoou. Nós damos graças, em primeiro
lugar, pela morte expiadora e pela ressurreição vivificadora de Jesus Cristo.
Nosso Senhor morreu e ressuscitou não apenas por todos nós, mas também por cada
um de nós. E, agora, nós olhamos para esse ontem de Sua morte e Ressurreição, e
agradecemos que ele tenha morrido e ressuscitado por papai. Além disso,
agradecemos que Jesus tenha dado a ele uma vida nova no batismo, que o tenha
alimentado com a Eucaristia e o tenha curado com a confissão. Agradecemos que
Jesus lhe tenha concedido 55 anos de matrimônio com a mulher que ele amou – uma
mulher que o completou em cada passo, e que o manteve responsável.
Deus abençoou papai com uma profunda fé católica —
a convicção de que a presença e o poder de Cristo continua no mundo de hoje
através do Seu corpo que é a Igreja. Ele amava a coerência e a clareza do
Magistério da Igreja. Ele amava as cerimônias eclesiais, em especial a beleza
de seu culto ancestral. Ele acreditava no poder dos Sacramentos como os meios
de salvação – como o Cristo trabalhando em seu interior pela sua salvação.
Embora, uma vez, num sábado à tarde, ele tenha
ralhado comigo por ter ouvido confissões naquela tarde, naquele mesmo dia. E eu
espero que seja uma fonte de consolação (se houver algum jurista aqui presente)
que o colarinho romano nunca tenha sido um escudo contra suas críticas. O assunto,
naquela tarde, não era que eu estivesse ouvindo confissões, mas que ele tivesse
ido parar na minha fila do confessionário. E ele rapidamente se retirou: “sem
chance de que eu me confesse com você!”. O sentimento era recíproco.
Deus abençoou papai, como se sabe, com um amor pelo
seu país. Ele sabia muito bem quão apertada fora a fundação de nossa nação. E
ele enxergava nessa fundação como os próprios fundadores também achavam, uma
bênção. Uma bênção logo desperdiçada quando a fé foi banida do espaço público,
ou quando nos recusamos a levá-la até ali. Assim, ele compreendeu que não havia
nenhum conflito entre amar a Deus e amar o próprio país, entre a própria fé da
pessoa e o seu serviço público. Papai compreendeu que quão mais profundo ele
chegasse em sua fé católica, tão melhor cidadão e servidor público ele se
tornaria. Deus o abençoou com um desejo de ser o melhor servo para o seu país,
porque ele era o melhor servo para Deus.
Nós, Scalias, de todo modo, damos graças por uma
bênção particular que Deus nos concedeu. Deus abençoou papai com um amor por
sua família. Estivemos emocionados de ouvir e ler as muitas palavras de louvor
e admiração por ele, sua inteligência, seus escritos, seus discursos, sua
influência e tudo o mais. Mas mais importante para nós – e para ele o é que ele
era o papai. Ele era o pai que Deus nos deu para a grande aventura da vida
familiar. É claro que ele esquecia nossos nomes às vezes, ou os misturava: mas
éramos nove. Ele nos amava, e lutava para mostrar tal amor, e lutava para compartilhar
a bênção da fé que ele estimava tanto. E ele nos deu uns aos outros, para
apoiar-nos reciprocamente. Esta é a maior riqueza que um pai pode legar, e
neste momento somos particularmente gratos por ela.
Assim, olhamos para o passado, para Jesus Cristo
ontem. Recordamos todas estas bênçãos, e damos honra e glória a Nosso Senhor
por elas, porque são obras d’Ele.
Olhamos para Jesus hoje, em súplica – para o
momento presente, o aqui e o agora, enquanto pranteamos aquele que amamos e
admiramos, aquele cuja ausência nos é dolorosa. Hoje rezamos por ele, pelo
repouso de sua alma. Agradecemos a Deus pela sua generosidade com papai, porque
ele era direito e justo. Mas sabemos também que, embora acreditasse, ele o
fazia imperfeitamente, como o resto de nós. Ele tentava amar a Deus e ao seu
próximo, mas, como o resto de nós, ele o fez de modo imperfeito. Ele era um
católico praticante – praticante no sentido de que ele não tinha atingido a
perfeição ainda. Ou melhor, que Cristo ainda não era perfeito nele. E apenas aqueles em quem Cristo é trazido à perfeição, podem entrar no céu. Estamos aqui,
portanto, para fazer as nossas preces por este aperfeiçoamento, que é o dom
final da graça divina, e que libertará papai de todo o resquício de pecado.
Mas não creiam na minha palavra sobre isto. O
próprio papai, de modo não surpreendente, tinha algo a dizer sobre o assunto.
Escrevendo há alguns anos a um ministro presbiteriano cujos serviços funerais
ele admirava, ele resumiu muito bem as armadilhas dos funerais (e porque ele
não gostava de encômios). Ele escreveu: “mesmo quando o falecido era uma pessoa
admirável, – aliás, especialmente quando o falecido era uma pessoa admirável –
louvar suas virtudes pode nos levar a esquecer que estamos rezando e dando
graças pela misericórdia inexplicável de Deus com um pecador”. Portanto, ele
não teria excepcionado a si mesmo disto. Nós estamos aqui, então, como ele
gostaria, para rezar pela inexplicável misericórdia divina a um pecador: para
este pecador, Antonin Scalia. Não nos permitamos demonstrar a ele um falso
amor, e deixar que a nossa admiração o prive de nossas orações. Continuaremos a
demonstrar a nossa afeição por ele, e fazer o bem a ele, rezando por ele. Que
toda mácula de pecado seja purificada, que todas as feridas sejam curadas, que
ele seja depurado de tudo que não for Cristo. Que ele descanse em paz.
Finalmente, olhamos para Jesus, para sempre, na
eternidade. Ou melhor, consideremos nosso próprio lugar na eternidade, e se
será com o Senhor. Mesmo enquanto rezamos para que papai entre rapidamente na
glória eterna, devemos lembrar de nós mesmos. Todo funeral nos lembra de quão
fino é o véu, entre este mundo e o próximo, entre o tempo e a eternidade, entre
a oportunidade de conversão e o momento do juízo. Assim, não devemos sair daqui
sem mudança. Não faz sentido que celebremos a bondade e a misericórdia divinas
se não estivermos atentos a estas realidades em nossas próprias vidas. Devemos
permitir que este encontro com a eternidade nos mude, nos afaste do pecado e
nos aproxime do Senhor. O padre dominicano inglês Bede Jarrett colocou isto
lindamente quando rezou, “Ó Filho poderoso de Deus… Enquanto tu preparas um
lugar para nós, prepare também a nós para este lugar feliz, para que estejamos
contigo e com aqueles a quem amamos por toda a eternidade.”
Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e sempre. Meus
caros amigos, esta é igualmente a estrutura da missa – a oração mais elevada
que podemos oferecer por papai, porque não é a nossa oração, mas a oração do
Senhor. A missa olha para Jesus ontem. Ela penetra no passado – para a Última
Ceia, para a Crucifixão, para a Ressurreição – e ela faz que estes mistérios e
seu poder presentes aqui, neste altar. O próprio Jesus se faz presente aqui,
hoje, sob as espécies de pão e vinho, de modo a que possamos unir todas as
nossas preces de ação de graças, de súplica e de dor com o próprio Cristo, como
uma oferta ao Pai. E tudo isto com os olhos na eternidade – chegando até o céu
– onde esperamos gozar da perfeita união com o próprio Deus e encontrar com papai de novo, e com ele nos alegrarmos na comunhão dos santos.
Reverendo
Paul Scalia,
sacerdote na
Diocese de Arlington, Virginia, e filho do justice americano Antonin Scalia,
pronunciou na homilia da missa do funeral do seu célebre pai, no último dia 20
de fevereiro de 2016.
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ZENIT
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