Desde tempos remotos a sociedade tem recorrido a
formas eficazes de exclusão. Há sempre um jeito de afastar pessoas e coisas
consideradas inconvenientes e disso tirar algum proveito. A sociedade cristã, do
início até a era contemporânea, foi manejada pelo catolicismo. A igreja, ao
longo dos séculos, fez acordos e conchavos com reis e tiranos, apoiando-os em
suas ambições e, em troca, exercendo o controle social, em proveito próprio.
Levava ao povo o ensino, o cartório, a catequese e, de quebra, o controle
social. A fase mais aguda desse controle foi certamente aquele exercido pela “Congregação da Sacra, Romana e Universal Inquisição do Santo Ofício”. Ou simplesmente: Santa Inquisição. Milhares de pessoas foram condenados por ela.
Com pena de morte na fogueira, para servir de exemplo. Para que os demais
andassem na linha, sem ferir os interesses da igreja.
Mas ao longo da História, uma
das penas mais recorrentes pela igreja foi a excomunhão. Por essa pena, uma
pessoa, ou um grupo, ou uma pessoa e seus descendentes ficava excluída da
comunhão. O excomungado estava para sempre impedido de acessar os sacramentos ministrados pela Igreja. Como, pelo catecismo em vigor, quem não fazia uso dos
sacramentos estava condenado ao fogo do inferno, um simples praguejo de padre
era o bastante para condenar alguém à danação eterna.
Hoje em dia, no entanto, essas
pragas de padre já não assustam mais. Se alguém é excomungado numa igreja,
corre pra outra. E se for um pouco mais empreendedor, funda a sua própria, e
congrega aqueles que têm pensamentos parecidos com os seus. O que pouca
gente percebe é que a excomunhão milenarmente exercida pela igreja, de repente
ficou laica, mundana. Foi refeita, modernizada, customizada, recebeu
certificação ISO 9000 e se encontra em plena aplicação pelo mercado.
A pena de excomunhão mudou até
de nome para não assustar os incautos. Mas no fundo ela continua a mesma. Só um
pouco mais feroz. Hoje ela se deixa chamar pelo singelo apelido de data de
validade. Ou obsolescência. E o mercado é mais tinhoso. Não precisa aplicar a
pena com estardalhaços diretamente sobre as pessoas. Aplica a pena sobre as
coisas, as ferramentas, os objetos de trabalho e indiretamente as pessoas são
afastadas da comunhão social. São literalmente excomungadas.
O excomungado da igreja
contava com a possibilidade de converter a pena em pecúnia. Ou seja, pagava um
valor, sempre exorbitante, e voltava a acessar os santos
sacramentos, recobrando assim a possibilidade de ver a face de Deus. O método
do mercado é o mesmo. Alguém ficou obsoleto porque suas ferramentas já não
acessam mais as fontes de informação e conhecimento, é só pagar o preço e
adquirir ferramentas novas. E, é claro, se preparar para a nova
excomunhão. O ciclo é cada vez mais curto.
A excomunhão da igreja
assombrava as pessoas, mas nunca foi capaz de pôr em risco a existência humana.
Já a excomunhão exercida pelo mercado, esta sim. Mesmo não assustando, e talvez
por isso mesmo, põe em risco a existência da espécie. Com tanto consumo e
desperdício, o esgotamento do planeta parece próximo. Infelizmente, o fim do
mundo pela ação humana vai deixando de ser uma simples profecia de
malucos.
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Edival Lourenço
Publicado no jornal O Popular - Goiânia - Goiás em 06 de dezembro de
2012.
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