“A terra estava
deserta e vazia, as trevas cobriam o abismo...”. Assim começa a narração do
Livro do Gênesis, permitindo uma analogia com o atual momento político do
Brasil. A política partidária instalou incontestavelmente o caos na sociedade.
Está perdida a capacidade para o diálogo que gera consensos e entendimentos.
Não paira, absolutamente, o Espírito de Deus no mundo da política. É uma
escuridão que fomenta o caos - um “salve-se quem puder” que passa por cima do
bem comum como um trator. Não há esperança de que a política partidária
consiga, rapidamente, oferecer contribuições para os rumos da nação. A lista de
desmandos, escolhas absurdas, interesseiras e manipulações é interminável.
Comenta-se, em muitas esferas da sociedade, sobre a expectativa do surgimento
de um líder político capaz de gerar agregação e apontar novas direções.
Isso parece ser difícil de ocorrer, justamente pelo atual cenário vivido
pela política partidária. Quem seria capaz, agora, de reverter essa difícil
situação? O mundo da política partidária no Brasil configura-se como um
devastador desastre humano à semelhança das incidências horrendas que ferem o
meio ambiente.
A deterioração
da esfera política e o tratamento inadequado das questões ambientais se
desenvolvem a partir da mesma raiz. Aqui vale relembrar as palavras do Papa
Francisco, na sua Exortação Apostólica Alegria do Evangelho, quando se refere à
nova idolatria do dinheiro. O caos vem dessa idolatria. É inexistente a nobreza
de fazer política pelo bem comum, com o objetivo de ajudar a nação a alcançar
patamares de civilidade e de funcionamentos que promovam, sem populismos, os
seus cidadãos. A falta dessa nobreza é resultado de carência na formação
humanística que ilumina intuições, capacita para o bem, muito acima do
interesse de enriquecimentos ilícitos. O Papa Francisco afirma que “uma das
causas desta situação está na relação estabelecida com o dinheiro porque
aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e nossas sociedades”. Essa
verdade explica os desajustes no tecido da cultura, que delineia a identidade
da sociedade e influencia suas direções.
O Papa Francisco
oferece a chave de interpretação desse caos instalado que produz, por exemplo,
a crise financeira que pesa sobre os ombros de todos. A base da desordem é a
negação da primazia do ser humano. Esse colapso antropológico tem muitas
feições. Descompassa relações, articulações de grupos e segmentos na
sustentação de uma sociedade que deve se mover no horizonte da justiça e da
solidariedade. É triste constatar o que ocorre na política partidária. O desejo
de ocupar cargos públicos não vem acompanhado do sentido cidadão mais profundo
de ajudar decisivamente na construção de uma sociedade solidária e justa.
Trata-se de interesse doentio pelo dinheiro, para alimentar ilusórias sensações
de poder e segurança. Uma ambição que produz essa economia sem rosto e sem um
objetivo verdadeiramente humano.
Ora, a idolatria
do dinheiro é perigosa, gera ilusões e desgasta o mais nobre sentido da
política, que é promover o bem comum. Essa idolatria é tão terrível que faz
crescer, de modo generalizado, a sensação de que não há mais tempo para fazer o
que é necessário. Isto fica explícito nas muitas lamentações e ladainhas
exaustivamente propaladas.
O interesse
mesmo é ganhar sempre mais, produzir menos. Nada de sacrifícios e esforços para
alcançar o bem de todos. Uma luz precisa brilhar para iluminar essas trevas. E
de onde ela pode vir? Em primeiro lugar, da corresponsabilidade e seriedade
cidadã de cada indivíduo. Sistemicamente, essa luz pode e precisa brilhar com o
fortalecimento, em seriedade e audácia, dos diferentes segmentos da sociedade -
empresarial, religioso, judiciário, acadêmico e intelectual, artístico e outros
mais. Cada setor, pela seriedade e honestidade, tem o dever de dissipar as
trevas que preenchem o abismo onde está inserida a sociedade brasileira. Que
venha de todas as pessoas e grupos, pelo compromisso com o bem, a justiça e a
verdade, essa a luz que tem a força para resgatar o país do caos.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
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