O Brasil
atravessa um difícil momento de crise política, institucional e ética, que não
deixa indiferente ninguém de nós. Ao contrário, pede-nos oração e reflexão. Se
de um lado há um despertar das pessoas para agir na sociedade, de outro há
também situações de conflitos preocupantes. Ao querer o bem do país, devemos
procurar fazê-lo bem também.
Em tempos de tantas
situações anômalas e tensas, ao mesmo tempo em que nos cabe manifestar nossas
opiniões, somos chamados também a encontrar caminhos de solução. Eis o grande
desafio que se impõe nesse momento à nossa pátria!
Em tempos como
estes, os homens da Igreja são chamados a dar uma palavra de apoio e incentivo
a todos os filhos e filhas desta amada nação que – queiramos ou não – nasceu
sob o signo da Cruz do único e divino Redentor do gênero humano. Ele, sem
deixar de ser Deus, se fez homem igual a nós em tudo, menos no pecado, na
plenitude dos tempos (cf. Gl 4,4). A história é inexorável. Pode ser
reinterpretada, nunca, porém, negada por quem quer que seja.
Essas raízes
religiosas dão base à unidade nacional de Norte a Sul, de Leste a Oeste, sempre
dentro do respeito às diferentes denominações religiosas ou mesmo às pessoas ou
grupos que afirmam não ter religião. É a unidade nacional na pluralidade de
pensamentos. Isso constitui um Estado que se confessa laico no sentido exato do
termo, mas não laicista, ou seja, aquela Nação que, sob a aparência de
laicidade, persegue as instituições não concordes com o seu modo de pensar ou,
pior, com a linha ideológica do seu governo. Isso caracterizaria um tipo de
intolerância que o próprio povo jamais toleraria.
É certo, como a
Igreja entende desde o distante pontificado do Papa Leão XIII (1878-1903), que
a chamada questão social jamais será resolvida se nos esquecermos dos valores
humanos e evangélicos, pois ela é uma questão do homem e da mulher dos nossos
tempos com fome e sede do Absoluto ou de Deus, sem o qual tudo o mais parece
sem sentido. Daí dizer aquele Papa o seguinte: “Alguns professam a opinião,
assaz vulgarizada, de que a questão social, como se diz, é somente econômica;
ao contrário, porém, a verdade é que ela é principalmente moral e religiosa e,
por este motivo, deve ser resolvida em conformidade com as leis da moral e da
religião”. (Encíclica Graves de communi, 18/01/1901).
Em outras
palavras, seguindo a sabedoria bimilenar da Igreja, não se pode fazer verdadeira
reforma social sem, antes de tudo, transformar o coração humano em um coração
que ama o próximo antes de amar a si. Mais: faz isso por amor de Deus e não por
mera filantropia. Qualquer reforma social que não parta da própria reforma
interior de cada um de nós está sujeita aos mais vergonhosos fracassos, como já
ficou comprovado em diversos países que tentaram destronar Deus para colocar em
Seu lugar qualquer outra coisa ou pessoa no campo social e político.
Um dos
princípios básicos de todo povo civilizado, que se preze de ter esse adjetivo,
tem de ser o respeito à vida desde a sua concepção até o seu natural ocaso.
Afinal, que credibilidade teria quem dissesse defender os mais fragilizados,
mas advogasse – inclusive oficialmente em um programa político ou legislativo –
a morte dos mais inermes e indefesos, como são os nascituros no ventre de suas
mães? Ainda: como poderia ser chamado de civilizado um país no qual é roubada a
dignidade de viver dos idosos a cambalearem pelas filas de alguns órgãos públicos
de saúde ou mesmo em hospitais ou instituições semelhantes?
Como poderia ser
tida por avançada uma sociedade que, por meio de suas autoridades maiores e
contra o sentimento do povo, investisse pesadamente contra a família, célula
mãe da vida social e cultural? É na família que se aprendem os primeiros passos
da fé, da honestidade, da partilha (e não do tirar vantagem, especialmente com
o que é do outro), do amor, enfim, dos valores humanos e cristãos necessários
para a vida saudável em comunidade. Tentar quebrar essa instituição querida por
Deus é desejar destruir a sociedade a partir de seus alicerces.
Ora, sem o
respeito à religião, à vida e à família não se pode, de modo algum, construir
uma sociedade verdadeiramente próspera e respeitável. Todos os artifícios de
progresso serão uma quimera, que cedo ou tarde acabarão por ruir. Seu alicerce
está sobre a areia movediça e não sobre a Rocha firme que é Deus, criador de
tudo e desejoso do bem dos seus filhos e filhas. Os caminhos que não respeitam
a fé do povo e seus valores acabam por desencadear em situações
irrespiráveis.
A falta de ética
na vida pública, especialmente no exercício de um mandato público eletivo,
neste caso, é mera consequência. É triste, mas não assusta a quem reflita um
pouco. Sim, se não se respeita a fé alheia, a vida, a família etc., que se pode
mais esperar? O triunfo ou o fracasso? Esperemos que não seja necessário cantar
como a ópera Nabucco de Verdi: “Ó minha pátria, tão bela e perdida”, que foi o
hino patriótico dos italianos no final do século XIX. Mas o Salmo a que isso se
refere (137) coloca sua confiança no Senhor: “Lembra-te, Senhor!”
Ausente de Deus,
na prática a pessoa se julga um deus acima de tudo e de todos, e exige para si
prerrogativas especiais acima dos demais seres humanos comuns. É a loucura de
alguns governantes que, ao longo da história, atribuíram a si mesmos,
inclusive, poderes divinos, ou se faziam adorar pelo povo.
Haverá espaço
para a ética aí, a não ser aquela “ética” que leva a tirar vantagens de tudo em
nome dos que mais necessitam e, pior, à custa deles? A lei, no caso, será igual
para todos, menos para alguns privilegiados? Teríamos dois pesos e duas
medidas: na hora que convém, invocar-se-ia a Constituição do País, quando não
convém, se fariam críticas ferrenhas a essa mesma Lei Maior? Lembremo-nos,
porém, de que o comum não é o normal na vida das pessoas. O sonho desmedido e
perpetuado de poder não combina com democracia e com progresso em nenhuma parte
do mundo.
Um Estado que se
pretendesse totalitário, sufocador e abocanhador das demais instituições, não
conseguiria prosperar a não ser pelo império do medo e das ameaças, ou jogos
sujos de atirar uns contra os outros e enquanto esses menos avisados brigassem
aqui embaixo, os poderosos continuariam imunes lá em cima, usufruindo dos
benefícios lícitos que o cargo lhes dá ou dos ilícitos tirados especialmente
dos mais necessitados. Necessitados que esses homens e mulheres públicos tanto
diriam defender.
Passando ao
Brasil, em especial, devemos dizer que o momento é grave e requer o despertar e
o aliar-se de todas as forças vivas da Nação, a fim de, juntos, dizermos um
forte e rotundo “Não” à corrupção, venha ela de quem vier e de que esfera ou
natureza for. Não se podem sacrificar os valores éticos e morais, nem se podem
espezinhar os benefícios ao povo sofrido como saúde, moradia, educação,
saneamento básico. Afinal, sempre é o povo humilde o mais atingido em meio a
esse turbilhão de coisas, que desde algum tempo vem se abatendo sobre o Brasil.
Essas mesmas forças
vivas da Nação precisam dizem “Sim” à união de todos os homens e mulheres,
independentemente de seu time de futebol, da sua cor de pele, da sua condição
social ou de quaisquer outras pequenas diferenças acidentais, a fim de que o
mal seja combatido com seriedade, dentro da lei e da ordem e, sobretudo, sem
ódio ou revolta contra quem quer que seja, nem luta entre classes. Somos todos
irmãos em Cristo Jesus!
É hora de
mantermos a unidade nacional, a fim de, unidos, vermos o triunfo do bem nesta
Terra de Santa Cruz. Portanto, irmãos e irmãs, que todos nós – católicos,
cristãos ou homens e mulheres de boa vontade em geral – apoiemos a melhoria
desta grande Nação brasileira de modo firme, mas, ao mesmo tempo, cordato e
pacífico, sem ódio ou incitações a revoltas. Já temos violência demais! E,
assim, Deus nos abençoará com as mais copiosas graças celestiais.
Nossa Senhora
Aparecida, padroeira do Brasil, mãe de Jesus, o príncipe da Paz, e também nossa
mãe (cf. Jo 19,25-27), dado que somos filhos no Filho (cf. Gl 4,5), intercederá
sempre por nós, sobretudo nesta hora decisiva ao povo brasileiro. Amém!
Cardeal
Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
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