Uma criança caiu na jaula do gorila. Não na dos macaquinhos saltitantes: na de um gorila, um esplêndido animal de 180 quilos de músculo, que o puxa de um lado para o outro e que poderia matá-lo com apenas um golpe. E houve golpes. É possível que muita gente não os tenha visto nos vídeos que circularam ontem pelas redes sociais, já que, muito significativamente, boa parte dos vídeos compartilhados trazia um corte que faz toda a diferença: no final da gravação que você pode ver abaixo, o gorila arrasta o menino e ele grita. A polícia de Cincinnati confirmou que o menino saiu ferido – o que contradiz uma versão generalizada pelas mídias sociais de que o gorila estava apenas “protegendo” a criança e não representava risco nenhum para ela.
Esta
é uma primeira boa pergunta: por que esse corte? O que se desejava esconder com
esse corte?
A propósito: sabemos o nome
do gorila, Harambe, e sabemos que foi criada até uma fundação para defender os
direitos dele. Mas quanta gente soube o nome do menino? Por acaso ele não tem
nome? Não interessa? Foi outro “corte” proposital?
É
claro que é muito oportuna a discussão sobre os chamados “direitos dos animais”
e o questionamento veemente desse suposto “direito” das pessoas de aprisionar
animais em jaulas. Afinal, que base pode ter esse “direito” de aprisionar
animais para fins de entretenimento? Não será mais razoável que Harambe deveria
estar solto em seu próprio hábitat, em vez de exposto em um zoológico para
divertir visitantes humanos? A discussão é perfeitamente válida e necessária.
No
entanto, por mais necessário que seja o reconhecimento de “direitos básicos”
dos animais, por mais urgente que seja o questionamento dos abusos que
cometemos há milênios contra eles, será que uma discussão realmente civilizatória
pode ser feita às custas do mais elementar de todos os direitos do próprio ser
humano, que é o direito à vida?
Pode
mesmo ser civilizatória uma discussão na qual se iguale um ser humano a
qualquer outro animal sem que sequer se apresentem argumentos que ao menos
tentem invalidar o conceito da dignidade intrínseca da vida humana? De que
espécie de cultura deriva um ódio tão virulento contra o gênero humano a ponto
de se proclamar que a vida de um menino não tem valor em si mesma?
E
não, não é intelectualmente honesto inverter a questão dizendo que o contrário
é que deveria ser argumentado: que o valor intrínseco da vida humana é que
precisa ser provado. Temos séculos de reflexão sobre o valor da vida humana que
é no mínimo questionável pretender apagar por meros caprichos ideológicos
contemporâneos. Se toda essa reflexão tiver sido inválida, prove-se.
É
verdade, como bem recorda o Papa Francisco, que o ser humano tem descuidado
grosseira e criminosamente o seu papel de guardião da natureza – e já estamos
pagando caro por isso –, mas de onde surgiu a “conclusão” de que a vida de um
gorila e a de um menino estão exatamente no mesmo nível (ou que a do menino
pode estar até abaixo da do gorila)?
Não é
preciso fundamentar racionalmente nada disso? Não é preciso argumentar
absolutamente nada de racional para justificar que se ignorem as diferenças
entre a espécie humana e as demais, a ponto de fingir que a nossa em nada se
distingue de uma hiena, de um porco, de um gorila ou de um vírus?
Qual
é a base desta suposta “piedade” que, enquanto condena a morte de baleias (com
razão), justifica entre os seres humanos, por outro lado, o aborto livre, o
infanticídio impune, a morte seletiva e até a total extinção da espécie humana?
Se um
filhote de gorila tivesse caído na jaula das hienas, e o gorila as matasse para
salvar o seu pequeno, haveria a mesma polêmica?
Há,
enfim, questões envolvidas neste caso que merecem “um pouco mais” de
aprofundamento racional – se é que, de fato, pretendemos ser racionais, o que
fica em xeque em meio às milhares de “respostas” que não passam de lamentáveis
xingamentos e descontroladas explosões passionais. Podemos ser muito melhores
do que isto, se quisermos.
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Aleteia
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