A liturgia do 14º domingo do Tempo Comum apresenta a missão dos
seguidores de Jesus. Embora as leituras de hoje nos projetem em sentidos
diversos, domina a temática do “envio”: na figura dos 72 discípulos do
Evangelho, na figura do profeta anônimo que fala aos habitantes de Jerusalém do
Deus que os ama, ou na figura do apóstolo Paulo que anuncia a glória da cruz,
somos convidados a tomar consciência de que Deus nos envia a testemunhar o seu
Reino.
O evangelho (Lc 10,1-12.17-20 ou 10,1-9) traz a missão dos setenta e
dois discípulos, portanto, um grupo mais amplo que os Doze, cuja missão está
descrita em Marcos 6,7-13 (e nos textos paralelos Mt 10,1.7-14; Lc 9,1-6). O
número dos setenta e dois orienta a atenção para um conceito amplo da missão.
É, sobretudo, no Evangelho que a temática do “envio” aparece mais desenvolvida.
Os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora
que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra,
sem excepção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na ação
dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo o que oprime e
escraviza o homem.
Como a missão deles é anunciar a chegada do reino de Deus e a paz, a
1ª leitura sugere uma associação ao belo anúncio da paz para Jerusalém, em
Isaías 66,10-14c.
Na primeira leitura, apresenta-se a palavra de um profeta anônimo,
enviado a proclamar o amor de pai e de mãe que Deus tem pelo seu Povo. O
profeta é sempre um enviado que, em nome de Deus, consola os homens, liberta-os
do medo e acena-lhes com a esperança do mundo novo que está para chegar.
A 2ª leitura, embora relativamente independente, harmoniza-se com o
tema das outras duas, anunciando “a paz e a misericórdia para o Israel de Deus”
(Gl 6,16). O apóstolo Paulo deixa claro qual o caminho que o apóstolo deve
percorrer: não o podem mover interesses de orgulho e de glória, mas apenas o
testemunho da cruz – isto é, o testemunho desse Jesus, que amou radicalmente e
fez da sua vida um dom a todos. Mesmo no sofrimento, o apóstolo tem de
testemunhar, com a própria vida, o amor radical; é daí que nasce a vida nova do
Homem Novo.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: Is 66,10-14c; Gl 6,14-18; Lc 10,1-12.17-20
Cristo no evangelho de hoje dá umas pistas concretas a estes 72
discípulos para a sua missão evangelizadora. São pistas que parecem calcadas
das bem-aventuranças: humildade, espírito de pobreza, atitude de paz, aceitação
das perseguições. Estas mesmas pistas valem para todos os missionários de
ontem, de hoje e de sempre.
Cristo não se conforma com os doze apóstolos. Agora elege e envia
outros setenta e dois, de dois em dois, para preparar-lhe o caminho. E hoje
Cristo continua chamando muitos cristãos, sucessores desses 72- sacerdotes,
missionários, religiosos, pais, educadores, cristãos comprometidos, testemunhas
de Cristo no meio do mundo, leigos que participam nos vários conselhos e equipes
paroquiais ou diocesanos. Quer que colaboremos na obra da evangelização da
sociedade, pois a messe é grande e a secularização se estende por todos os
lugares, semeando a cultura e a globalização da indiferença e do descarto.
Levar o que? O essencial. Os apóstolos não tinham cofres para economizar nem
cartão de crédito para pôr e tirar dinheiro. Levar o que então? Uns joelhos
para rezar e pedir ao dono da messe que mande mais operários para a sua messe.
Uns pés ágeis para percorrer todas as periferias dos povos e das cidades. Uma
boca para anunciar a mensagem com decisão, entusiasmo, convicção, respeito e
amor, sem medo nem covardias. Um coração pleno de fervor e amor por Jesus e
pelo seu Reino. O resto- dinheiro, comida, sandálias… compete à conta da Providência
divina. Cristo quer os seus missionários pobres, de vida sóbria, manter-nos
livres de interesses e de posses e assim estar mais disponíveis para a tarefa
fundamental: anunciar o seu Reino. Este é o sentido dos votos religiosos de
pobreza, castidade e obediência dos religiosos. Os missionários de Cristo devem
se sentir peregrinos, não instalados comodamente em posições conquistadas.
O que deve anunciar o missionário cristão? Primeiro, desejar a paz. E
depois anunciar esta mensagem: “está próximo o Reino de Deus”. Os
conquistadores quando chegam a um lugar não levam a paz, mas a ânsia de
conquista, inclusive com a espada, se for necessário. Os mensageiros do
evangelho, pelo contrário, levam a paz. Por isso carecem de meios violentos. A
paz significa satisfação das aspirações mais profundas dos homens. Cristo,
graças ao seu mistério pascal, fez-nos partícipes da sua paz: paz com Deus, a
paz com as consciências e a paz entre as pessoas. Deus quer que todos os seus
filhos vivam na paz, na alegria e no amor. Deus está cheio de ternura e nos
convida à exultação, ao gozo, pois a palavra Shalom não significa só ausência
de conflitos, mas também abundancia, consolo, carícia e prosperidade (1
leitura). Paulo deseja sempre “graça” e “paz” no início das suas cartas. As
duas vão juntas. A “graça” é o amor gratuito de Deus, que se nos deu por meio
de Jesus Cristo e nos traz a “paz”. Primeiro a paz com Deus e, em seguida, a
paz no nosso interior, na nossa consciência, e a paz com todos os homens, que,
sendo filhos de Deus, têm direito ao nosso amor. E o Reino que devemos anunciar
é o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo: reino de verdade e de
vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz, de
proximidade e de ternura.
Como deve reagir o missionário cristão diante dos contratempos? É
verdade que nalgumas partes seremos bem recebidos: pessoas que nos escutarão de
bom grado, que abrirão o coração à mensagem, que nos hospedarão nas suas casas,
que nos ajudarão, que nos apoiarão e animarão. Muitas vezes também teremos
êxitos e triunfaremos dos poderes do mal. Mas também haverá lobos: materialismo
sem alma, indiferença, relativismo, hedonismo que cultua o corpo, secularismo
sem espírito, agnosticismo, ateísmo sem Deus. Portas que se fecham na nossa
cara. Haverá dias que sentiremos o desânimo, o cansaço, a chatice. Gente que
nos criticará. Cultura e idioma novos e tão diferentes dos nossos. Fracassos.
Cristo nos marcará com os seus estigmas, como fez com Paulo de Tarso (2 leitura).
Cristo não nos promete que sempre seremos acolhidos e que será fácil o nosso
testemunho de vida cristã. O que fazer? Tanto a uns como a outros temos que
anunciar essa mensagem: “de todos modos, sabei que está próximo o Reino de
Deus”. E sempre com mansidão e misericórdia, não com violência. Se nos
rejeitarem, não teríamos que tentar fazer justiça com as nossas próprias mãos,
condenando à direita ou à esquerda, como queriam fazer esses apóstolos pedindo
que caísse fogo do céu como castigo sobre os que não os receberam (domingo
passado). Semear, semear, semear. Que o Espírito Santo faça o resto.
PARA REFLETIR
O Evangelho (Lc 10, 1-12. 17-20) relata a partida dos discípulos para
anunciarem a chegada do Reino de Deus. Com a sua passagem, multiplicam-se os
milagres: cegos que recuperam a vista, leprosos que ficam limpos, pecadores que
decidem fazer penitência. E vão levando por toda a parte a paz de Cristo. O
próprio Senhor os encarrega disso, antes de deixá-los partir para essa missão
apostólica: Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: A paz esteja
nesta casa! Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele… Esta
mensagem será repetida pela Igreja até o fim dos tempos.
Depois de tantos anos, ainda vemos que o mundo não está em paz; anseia
e clama por ela, mas não a encontra.
Poucas vezes como no nosso tempo se mencionou tanto a palavra paz, e
talvez poucas vezes como no nosso tempo a paz esteja tão longe do mundo.
Talvez o mundo esteja buscando a paz onde não a pode encontrar; talvez
a confunda com a tranquilidade; talvez a faça depender de circunstâncias
externas e alheias ao próprio homem. A paz vem de Deus e é um dom divino “que
supera todo entendimento” (Fil. 4,7), e que se concede somente aos homens de
boa vontade (Lc 2,14), aos que procuram com todas as suas forças conformar a
sua vida com o querer divino.
Ensinava São Josemaria Escrivá: “A paz, que traz consigo a alegria, o
mundo não a pode dar.
– Os homens estão sempre fazendo pazes, e andam sempre enredados em
guerras, porque esqueceram o conselho de lutar por dentro, de recorrer ao
auxílio de Deus, para que Ele vença, e assim consigam a paz no seu próprio eu,
no seu próprio lar, na sociedade e no mundo.
– Se nos comportamos deste modo, a alegria será tua e minha, porque é
propriedade dos que vencem. E com a graça de Deus – que não perde batalhas –
chamar-mos-emos vencedores, se formos humildes” (Forja, 102).
Então seremos portadores da paz verdadeira, e a levaremos como um
tesouro inestimável aos lugares onde estivermos: à família, ao local de
trabalho, aos amigos…, ao mundo inteiro.
“A violência e a injustiça, - frisa São João Paulo II, - têm raízes
profundas no coração de cada indivíduo, de cada um de nós.” Do coração procedem
“todas as desordens que os homens são capazes de cometer contra Deus, contra os
irmãos e contra eles próprios, provocando no mais íntimo das suas consciências
uma ferida, uma profunda amargura, uma falta de paz que necessariamente se
reflete no entrançado da vida social. Mas é também do coração humano, da sua
imensa capacidade de amar, da sua generosidade para o sacrifício, que podem
surgir – fecundados pela graça de Cristo – sentimentos de fraternidade e obras
de serviço aos homens que como rio de paz (Is 66,12), cooperem para a
construção de um mundo mais justo, onde a paz tenha foro de cidadania e
impregne todas as estruturas da sociedade.” (A. Del Portillo, Homilia). A paz é
consequência da graça santificante, como a violência, em qualquer das suas
manifestações, é consequência do pecado.
A vida do cristão converte-se, então, numa luta alegre por rejeitar o
mal e alcançar Cristo. Nessa luta, encontra uma segurança cheia de otimismo,
mas quando pactua com o pecado e os seus erros, acaba por perdê-la, e
converte-se numa fonte de mal-estar ou de violência para si próprio e para os
outros.
Unicamente em Cristo encontraremos a paz de que tanto necessitamos
para nós mesmos e para que os que estão mais perto. Recorramos a Ele quando as
contrariedades da vida pretenderem tirar-nos a serenidade da alma. Recorramos
ao Sacramento da Penitência (Confissão) e à direção espiritual se, por não
termos lutado suficientemente, a inquietação e o desassossego entrarem no nosso
coração.
A presença de Cristo no coração dos seus discípulos é a origem da
verdadeira paz, que é riqueza e plenitude, e não simples tranquilidade ou
ausência de dificuldades e de luta. São Paulo afirma que o próprio Cristo é a
nossa paz (Ef 2,14); possuí-Lo e amá-Lo é a origem de toda a serenidade
verdadeira.
Peçamos a Nossa Senhora, Rainha da Paz, que saibamos recorrer, com
humildade, às fontes da paz: o Sacrário, a Confissão, a direção espiritual.
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