terça-feira, 28 de junho de 2016

Homilética: 14º Domingo Comum - Ano C: "Anunciando o Reino de Deus e a Paz".


A liturgia do 14º domingo do Tempo Comum apresenta a missão dos seguidores de Jesus. Embora as leituras de hoje nos projetem em sentidos diversos, domina a temática do “envio”: na figura dos 72 discípulos do Evangelho, na figura do profeta anônimo que fala aos habitantes de Jerusalém do Deus que os ama, ou na figura do apóstolo Paulo que anuncia a glória da cruz, somos convidados a tomar consciência de que Deus nos envia a testemunhar o seu Reino.

O evangelho (Lc 10,1-12.17-20 ou 10,1-9) traz a missão dos setenta e dois discípulos, portanto, um grupo mais amplo que os Doze, cuja missão está descrita em Marcos 6,7-13 (e nos textos paralelos Mt 10,1.7-14; Lc 9,1-6). O número dos setenta e dois orienta a atenção para um conceito amplo da missão. É, sobretudo, no Evangelho que a temática do “envio” aparece mais desenvolvida. Os discípulos de Jesus são enviados ao mundo para continuar a obra libertadora que Jesus começou e para propor a Boa Nova do Reino aos homens de toda a terra, sem excepção; devem fazê-lo com urgência, com simplicidade e com amor. Na ação dos discípulos, torna-se realidade a vitória do Reino sobre tudo o que oprime e escraviza o homem.

Como a missão deles é anunciar a chegada do reino de Deus e a paz, a 1ª leitura sugere uma associação ao belo anúncio da paz para Jerusalém, em Isaías 66,10-14c.

Na primeira leitura, apresenta-se a palavra de um profeta anônimo, enviado a proclamar o amor de pai e de mãe que Deus tem pelo seu Povo. O profeta é sempre um enviado que, em nome de Deus, consola os homens, liberta-os do medo e acena-lhes com a esperança do mundo novo que está para chegar.

A 2ª leitura, embora relativamente independente, harmoniza-se com o tema das outras duas, anunciando “a paz e a misericórdia para o Israel de Deus” (Gl 6,16). O apóstolo Paulo deixa claro qual o caminho que o apóstolo deve percorrer: não o podem mover interesses de orgulho e de glória, mas apenas o testemunho da cruz – isto é, o testemunho desse Jesus, que amou radicalmente e fez da sua vida um dom a todos. Mesmo no sofrimento, o apóstolo tem de testemunhar, com a própria vida, o amor radical; é daí que nasce a vida nova do Homem Novo.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS


Leituras: Is 66,10-14c; Gl 6,14-18; Lc 10,1-12.17-20

Cristo no evangelho de hoje dá umas pistas concretas a estes 72 discípulos para a sua missão evangelizadora. São pistas que parecem calcadas das bem-aventuranças: humildade, espírito de pobreza, atitude de paz, aceitação das perseguições. Estas mesmas pistas valem para todos os missionários de ontem, de hoje e de sempre.

Cristo não se conforma com os doze apóstolos. Agora elege e envia outros setenta e dois, de dois em dois, para preparar-lhe o caminho. E hoje Cristo continua chamando muitos cristãos, sucessores desses 72- sacerdotes, missionários, religiosos, pais, educadores, cristãos comprometidos, testemunhas de Cristo no meio do mundo, leigos que participam nos vários conselhos e equipes paroquiais ou diocesanos. Quer que colaboremos na obra da evangelização da sociedade, pois a messe é grande e a secularização se estende por todos os lugares, semeando a cultura e a globalização da indiferença e do descarto. Levar o que? O essencial. Os apóstolos não tinham cofres para economizar nem cartão de crédito para pôr e tirar dinheiro. Levar o que então? Uns joelhos para rezar e pedir ao dono da messe que mande mais operários para a sua messe. Uns pés ágeis para percorrer todas as periferias dos povos e das cidades. Uma boca para anunciar a mensagem com decisão, entusiasmo, convicção, respeito e amor, sem medo nem covardias. Um coração pleno de fervor e amor por Jesus e pelo seu Reino. O resto- dinheiro, comida, sandálias… compete à conta da Providência divina. Cristo quer os seus missionários pobres, de vida sóbria, manter-nos livres de interesses e de posses e assim estar mais disponíveis para a tarefa fundamental: anunciar o seu Reino. Este é o sentido dos votos religiosos de pobreza, castidade e obediência dos religiosos. Os missionários de Cristo devem se sentir peregrinos, não instalados comodamente em posições conquistadas.

O que deve anunciar o missionário cristão? Primeiro, desejar a paz. E depois anunciar esta mensagem: “está próximo o Reino de Deus”. Os conquistadores quando chegam a um lugar não levam a paz, mas a ânsia de conquista, inclusive com a espada, se for necessário. Os mensageiros do evangelho, pelo contrário, levam a paz. Por isso carecem de meios violentos. A paz significa satisfação das aspirações mais profundas dos homens. Cristo, graças ao seu mistério pascal, fez-nos partícipes da sua paz: paz com Deus, a paz com as consciências e a paz entre as pessoas. Deus quer que todos os seus filhos vivam na paz, na alegria e no amor. Deus está cheio de ternura e nos convida à exultação, ao gozo, pois a palavra Shalom não significa só ausência de conflitos, mas também abundancia, consolo, carícia e prosperidade (1 leitura). Paulo deseja sempre “graça” e “paz” no início das suas cartas. As duas vão juntas. A “graça” é o amor gratuito de Deus, que se nos deu por meio de Jesus Cristo e nos traz a “paz”. Primeiro a paz com Deus e, em seguida, a paz no nosso interior, na nossa consciência, e a paz com todos os homens, que, sendo filhos de Deus, têm direito ao nosso amor. E o Reino que devemos anunciar é o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo: reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz, de proximidade e de ternura.     

Como deve reagir o missionário cristão diante dos contratempos? É verdade que nalgumas partes seremos bem recebidos: pessoas que nos escutarão de bom grado, que abrirão o coração à mensagem, que nos hospedarão nas suas casas, que nos ajudarão, que nos apoiarão e animarão. Muitas vezes também teremos êxitos e triunfaremos dos poderes do mal. Mas também haverá lobos: materialismo sem alma, indiferença, relativismo, hedonismo que cultua o corpo, secularismo sem espírito, agnosticismo, ateísmo sem Deus. Portas que se fecham na nossa cara. Haverá dias que sentiremos o desânimo, o cansaço, a chatice. Gente que nos criticará. Cultura e idioma novos e tão diferentes dos nossos. Fracassos. Cristo nos marcará com os seus estigmas, como fez com Paulo de Tarso (2 leitura). Cristo não nos promete que sempre seremos acolhidos e que será fácil o nosso testemunho de vida cristã. O que fazer? Tanto a uns como a outros temos que anunciar essa mensagem: “de todos modos, sabei que está próximo o Reino de Deus”. E sempre com mansidão e misericórdia, não com violência. Se nos rejeitarem, não teríamos que tentar fazer justiça com as nossas próprias mãos, condenando à direita ou à esquerda, como queriam fazer esses apóstolos pedindo que caísse fogo do céu como castigo sobre os que não os receberam (domingo passado). Semear, semear, semear. Que o Espírito Santo faça o resto.  

PARA REFLETIR

O Evangelho (Lc 10, 1-12. 17-20) relata a partida dos discípulos para anunciarem a chegada do Reino de Deus. Com a sua passagem, multiplicam-se os milagres: cegos que recuperam a vista, leprosos que ficam limpos, pecadores que decidem fazer penitência. E vão levando por toda a parte a paz de Cristo. O próprio Senhor os encarrega disso, antes de deixá-los partir para essa missão apostólica: Em qualquer casa em que entrardes, dizei primeiro: A paz esteja nesta casa! Se ali morar um amigo da paz, a vossa paz repousará sobre ele… Esta mensagem será repetida pela Igreja até o fim dos tempos.

Depois de tantos anos, ainda vemos que o mundo não está em paz; anseia e clama por ela, mas não a encontra.

Poucas vezes como no nosso tempo se mencionou tanto a palavra paz, e talvez poucas vezes como no nosso tempo a paz esteja tão longe do mundo.

Talvez o mundo esteja buscando a paz onde não a pode encontrar; talvez a confunda com a tranquilidade; talvez a faça depender de circunstâncias externas e alheias ao próprio homem. A paz vem de Deus e é um dom divino “que supera todo entendimento” (Fil. 4,7), e que se concede somente aos homens de boa vontade (Lc 2,14), aos que procuram com todas as suas forças conformar a sua vida com o querer divino.

Ensinava São Josemaria Escrivá: “A paz, que traz consigo a alegria, o mundo não a pode dar.

– Os homens estão sempre fazendo pazes, e andam sempre enredados em guerras, porque esqueceram o conselho de lutar por dentro, de recorrer ao auxílio de Deus, para que Ele vença, e assim consigam a paz no seu próprio eu, no seu próprio lar, na sociedade e no mundo.

– Se nos comportamos deste modo, a alegria será tua e minha, porque é propriedade dos que vencem. E com a graça de Deus – que não perde batalhas – chamar-mos-emos vencedores, se formos humildes” (Forja, 102).

Então seremos portadores da paz verdadeira, e a levaremos como um tesouro inestimável aos lugares onde estivermos: à família, ao local de trabalho, aos amigos…, ao mundo inteiro.

“A violência e a injustiça, - frisa São João Paulo II, - têm raízes profundas no coração de cada indivíduo, de cada um de nós.” Do coração procedem “todas as desordens que os homens são capazes de cometer contra Deus, contra os irmãos e contra eles próprios, provocando no mais íntimo das suas consciências uma ferida, uma profunda amargura, uma falta de paz que necessariamente se reflete no entrançado da vida social. Mas é também do coração humano, da sua imensa capacidade de amar, da sua generosidade para o sacrifício, que podem surgir – fecundados pela graça de Cristo – sentimentos de fraternidade e obras de serviço aos homens que como rio de paz (Is 66,12), cooperem para a construção de um mundo mais justo, onde a paz tenha foro de cidadania e impregne todas as estruturas da sociedade.” (A. Del Portillo, Homilia). A paz é consequência da graça santificante, como a violência, em qualquer das suas manifestações, é consequência do pecado.

A vida do cristão converte-se, então, numa luta alegre por rejeitar o mal e alcançar Cristo. Nessa luta, encontra uma segurança cheia de otimismo, mas quando pactua com o pecado e os seus erros, acaba por perdê-la, e converte-se numa fonte de mal-estar ou de violência para si próprio e para os outros.

Unicamente em Cristo encontraremos a paz de que tanto necessitamos para nós mesmos e para que os que estão mais perto. Recorramos a Ele quando as contrariedades da vida pretenderem tirar-nos a serenidade da alma. Recorramos ao Sacramento da Penitência (Confissão) e à direção espiritual se, por não termos lutado suficientemente, a inquietação e o desassossego entrarem no nosso coração.

A presença de Cristo no coração dos seus discípulos é a origem da verdadeira paz, que é riqueza e plenitude, e não simples tranquilidade ou ausência de dificuldades e de luta. São Paulo afirma que o próprio Cristo é a nossa paz (Ef 2,14); possuí-Lo e amá-Lo é a origem de toda a serenidade verdadeira.

Peçamos a Nossa Senhora, Rainha da Paz, que saibamos recorrer, com humildade, às fontes da paz: o Sacrário, a Confissão, a direção espiritual.

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