No Evangelho do XIII Domingo (Lc 9, 51-62) está claro que Tiago e João
não pediram que fosse enviado o fogo do Espírito Santo sobre os samaritanos.
Eles queriam é que aquele povoado de samaritanos com todos os seus moradores
fossem queimados, consumidos, e se transformassem em carvõezinhos! Por isso Jesus
os repreende. No entanto, é admirável a naturalidade dos Apóstolos em
manifestar diante de Jesus aquilo que pensam e, ao mesmo tempo, é admirável a
simplicidade do evangelista em não ocultar os defeitos dos Apóstolos. Os santos
são pessoas normais. Eles também percebiam a própria concupiscência, e lutavam.
Tiago e João que, num ímpeto de ira, queriam pedir fogo do céu para queimar os
pobres samaritanos, hoje são venerados como São Tiago e São João. Eram pessoas
normais! E nós? Do jeito que nós somos, continuemos na luta por amar a Deus,
por vencer os próprios defeitos.
O evangelho continua dizendo que Jesus tomou resolutamente o caminho
para Jerusalém. Este caminho, ou esta viagem, é modelar. Simboliza a resposta
de Jesus ao plano do Pai. Ele não vacila. Vai ao encontro do Pai, segue rumo a
Jerusalém, onde se consumará a sua missão.
Quem quiser ser discípulo de Jesus, deve pôr-se a caminho com Ele. Ser
discípulo de Cristo não consiste em conhecer a sua doutrina! É segui-Lo, é
aderir inteiramente a Ele. É fazer o mesmo caminho que Cristo percorreu.
Enquanto percorria o caminho Jesus encontra três candidatos a
discípulo, que representam os inumeráveis candidatos, que desejarão seguí-Lo ao
longo dos séculos e Jesus põe-lhes as condições do Seu seguimento.
“Seguir-Te-ei para onde quer que fores” (Lc 9, 57), diz o primeiro; e o Senhor
respondeu-lhe: “As raposas têm tocas e a aves do céu têm ninhos, mas o Filho do
Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Lc 9, 58). Aquele que deseja seguir a
Cristo, não pode ter pretensões de segurança ou vantagens terrenas. Ao segundo,
Jesus dirige-lhe um convite decisivo, como que uma ordem: “Segue-Me” (Lc 9, 59)
e a este, tal como ao terceiro, que pede um adiamento por questões familiares,
Jesus não hesita em declarar que é preciso seguí-Lo sem adiar a Sua chamada. Há
casos em que um adiamento, ou mesmo o pensar demasiadamente no assunto,
poderiam comprometer tudo. “Quem põe a mão no arado e olha para trás não está
apto para o Reino de Deus” (Lc 9, 62). O Cardeal Roncalli, falando aos padres,
dizia: “Deixamos a nossa terra e a nossa família, sem perder o amor à terra e à
família, mas elevando este amor a um significado mais alto e mais vasto… Ai de
nós, se continuamos a pensar numa casa cômoda…, num teor de vida que nos procure
glória, honras ou satisfações mundanas!”
Meditando nestas palavras devemos reagir contra a tentação de um
cristianismo medíocre, fácil, preguiçoso, feito à medida das próprias
comodidades e interesses.
Por a mão no arado e olhar para trás… Temos que olhar para frente!
Estar decidido a seguir o Mestre. Pois, a chamada do Senhor é sempre urgente,
porque a messe é grande e os operários são poucos. E há messes que se perdem
por não haver quem as recolha. Entreter-se, olhar para trás, por “senões” à
entrega, tudo isso vem a dar no mesmo.
Para sermos fiéis e felizes, é preciso que tenhamos sempre os olhos
fixos em Jesus, como o corredor, que, uma vez iniciada a corrida, não se
distrai com nada: a única coisa que lhe interessa é a meta.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: 1Rs 19,16b.19-21; Gl 5,1.13-18; Lc 9,51-62
Caros irmãos e irmãs,
As leituras bíblicas da santa Missa deste domingo ressaltam o tema da
vocação de seguir o Cristo e as suas exigências. O Evangelho mostra Jesus a
caminhar para Jerusalém, que é a meta final onde Jesus, na sua Páscoa
derradeira, deve morrer e ressuscitar, elevar a cumprimento a sua missão de
salvação. Ao longo desse caminho Jesus vai mostrando aos discípulos os valores
do Reino de Deus. Todo este percurso que aqui se inicia converge para a
cruz. Os discípulos também são exortados
a seguir este “caminho”, para se identificarem plenamente com Jesus.
Se Jesus parece exigente para com aqueles que O querem seguir, é
porque Ele mesmo é exigente quanto à sua própria caminhada. É caminhando que
Jesus convida a colocarmos a segui-lo. Então, aqueles que o seguirem poderão
dizer como Paulo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé”
(2Tm 4,7).
Ao longo do seu caminho até Jerusalém, Jesus encontra alguns homens,
provavelmente jovens, os quais prometem segui-lo onde quer que ele vá. Ele os
admoesta dizendo que “o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”, ou
seja, não tem uma habitação estável e que quem escolhe trabalhar com Ele na sua
vinha , jamais poderá arrepender-se (cf. Lc 9,57-58.61-62). A outro jovem o
próprio Cristo diz: “Segue-me”, pedindo-lhe um desapego total dos vínculos
familiares (cf. Lc 9, 59-60). Estas exigências podem parecer demasiado severas,
mas na realidade expressam a novidade e a prioridade absoluta do Reino de Deus
que se torna presente na própria pessoa de Jesus Cristo. Em última análise,
trata-se daquela radicalidade que é devida ao amor de Deus, ao qual Jesus é o
primeiro a obedecer. Quem renuncia a tudo, até a si mesmo, para seguir Jesus,
entra numa nova dimensão da liberdade, pois está a serviço uns dos outros (cf.
Gl 5, 16).
Jesus chamou muitos para segui-lo. Podemos lembrar de Pedro e dos
demais apóstolos. Podemos lembrar mais precisamente do evangelista e também
apóstolo São Mateus (cf. Mt 9,9). Antes que Jesus o chamasse, ele desempenhava
a profissão de publicano e, por isso, era considerado pecador público, excluído
da “vinha do Senhor”. Mas, tudo muda quando Jesus, passando ao lado da sua mesa
de impostos, fixa nele o seu olhar e
diz: “Segue-me!” Foi precisamente isto
que o evangelista São Mateus fez: Levantou-se e seguiu-o.
Também São Paulo experimentou a alegria de ser chamado pelo Senhor
para trabalhar na sua vinha. Mas como ele mesmo confessa, foi a graça de Deus
que agiu nele, aquela graça que, de perseguidor da Igreja, o transformou em
Apóstolo das nações. A ponto de o levar a dizer: “Para mim o viver é Cristo, e
o morrer é lucro” (Fl 1,21). Paulo compreendeu bem que trabalhar para o Senhor
já é, nesta terra, uma recompensa.
A proposta que Jesus faz às pessoas ao dizer-lhes “Segue-me!” (v. 59),
é exigente e exaltante. São elas convidadas a entrar no âmbito da sua amizade,
a escutar de perto a sua Palavra e a viver com Ele; ensina-lhes a dedicação
total a Deus e à propagação do seu Reino, segundo a lei do Evangelho: “Se o
grão de trigo cair na terra e não morrer, fica só ele; mas, se morrer, dá muito
fruto” (Jo 12, 24)
No encontro de Jesus com o jovem rico (cf. Mc 10, 17-22), na narração
evangélica de São Marcos sublinha como “Jesus, fitando nele o olhar, sentiu
afeição por ele” (Mc 10, 21). No olhar do Senhor, está o coração deste encontro
e de toda a experiência cristã.
Jesus convida o jovem rico a ir mais além da satisfação das suas
aspirações e dos seus projetos pessoais, dizendo-lhe: “Vem e segue-me!” (Mt
19,21). Ao jovem rico Jesus ainda diz: “Vai, vende tudo o que tens, dá o
dinheiro aos pobres… depois vem e segue-me” (Mt 19,21). Estas palavras
inspiraram numerosos Cristãos ao longo da história da Igreja para seguir Cristo
numa vida de pobreza radical, confiando na Providência Divina. Entre estes
generosos discípulos de Cristo encontrava-se também São Bento, São Francisco de
Assis e tantos outros que, sem hesitações, responderam o chamado do divino
Mestre.
A vocação cristã deriva de uma proposta de amor do Senhor e só pode
realizar-se graças a uma resposta de amor.
Jesus convida os seus discípulos a segui-lo com uma confiança sem
reservas em Deus. Os santos acolheram este convite exigente e, com humilde
docilidade, põe-se a seguir Cristo crucificado e ressuscitado. A sua perfeição
na lógica da fé, às vezes humanamente incompreensível, consiste em viver
segundo o Evangelho.
Como de fato, muitos são aqueles que deixam a família de origem, os
estudos, o trabalho, os seus bens, para se consagrar a Deus, como resposta
radical à vocação divina. Para seguir Jesus Cristo é preciso estar livre de
todas as ataduras, pois quem olha para trás, não está apto para o Reino de Deus
(cf. Lc 9,62). Só vivemos a verdadeira
liberdade se sairmos de nós mesmos, se desapegarmos de nós mesmos, para nos
colocarmos a caminho com o Senhor e cumprirmos a sua vontade.
A exemplo de muitos discípulos de Cristo, possamos também nós acolher
com alegria o convite a seguir Jesus, para vivermos intensa e fecundamente
neste mundo. Com efeito, mediante o batismo, Ele chama cada um a segui-lo com
ações concretas, a amá-lo sobre todas as coisas e a servi-lo nos irmãos.
Infelizmente, o jovem rico não acolheu o convite de Jesus e retirou-se
pesaroso. Não encontrara coragem para se desapegar dos bens materiais a fim de
possuir o bem maior proposto por Jesus.
Jesus nunca se cansa de estender o seu olhar de amor sobre nós,
chamando-nos a ser seus discípulos; a alguns, porém, Ele propõe uma opção mais
radical. Possamos estar sempre disponíveis para acolher com generosidade e
entusiasmo este sinal de predileção especial. Ele sabe dar alegria profunda a
quem responde com coragem.
Também hoje, o seguimento de Cristo é exigente; significa aprender a
ter o olhar fixo em Jesus, a conhecê-lo intimamente, a escutá-lo na Palavra e a
encontrá-lo nos Sacramentos; significa aprender a conformar a nossa própria
vontade à dele.
Deus serve-se de nós segundo o seu plano de amor, segundo a modalidade
que Ele estabelece e pede-nos para favorecer a ação do Espírito; devemos ser os
bons colaboradores do Senhor, para a eficácia realização do seu Reino.
Possamos ser atraídos pelos exemplos luminosos dos Santos que souberam
dar ao mundo um testemunho do Senhor. São eles os protagonistas do amor e do
bem, exemplos vivos de esperança e testemunhas de um amor que nada teme, nem
sequer a morte.
Que Maria, a Mãe de Deus e nossa, que correspondeu sem reservas o
chamado do Senhor, nos ajude a sermos capazes de ouvir a voz de Deus e de a
seguir com determinação e decisão o caminho da santidade. Assim seja.
PARA REFLETIR
Não há coisa mais radical e louca que ser cristão; não há maior
aventura… Pena que os cristãos estejam perdendo essa percepção e o Evangelho
muitas vezes apareça como algo certinho, cômodo e domesticado. Tantas vezes
considerou-se que para ser um bom cristão bastaria ser bem comportado! Ora, não
é isto que a Palavra do Senhor nos ensina!
Jesus durante toda a sua vida caminhou para o Pai, teve no Pai sua
única meta, pelo Pai e o seu Reino, fez loucuras. Por isso, já no capítulo nove
do seu evangelho, São Lucas no-lo apresenta subindo para Jerusalém, para sua
partida para o Pai: “Quando chegou o tempo de Jesus ser levado para o céu,
então tomou a firme decisão de partir para Jerusalém”. Ao pé da letra, são
Lucas diz: ele voltou decididamente o rosto para Jerusalém… Este é o caminho de
Cristo: ir subindo até a Cidade Santa, e de Jerusalém, para o Pai, atravessando
o mistério da paixão, da cruz e da morte, para chegar à ressurreição. Ele vai à
frente, no caminho, o seu caminho, e nos desafia a segui-lo. Quem quiser ser
seu discípulo, deve segui-lo neste caminho! Basta recordar o domingo passado:
deixar tudo… renunciar-se… tomar a cruz de cada dia… e segui-lo. Hoje, no
caminho, ele nos previne: “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos,
mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça”. E exige que coloquemos
tudo abaixo dele, até pai e mãe… É assim que Jesus quer seus discípulos:
totalmente comprometidos com ele, absolutamente! E afirma claramente: “Quem põe
a mão no arado e olha para trás, não está pronto para o Reino de Deus”.
Jesus é tão claro! Ele exige tanto de nós porque somente ele nos pode
dar tudo: o sentido da vida, o amor de Deus, a paz verdadeira e perene e a
vitória sobre a morte. Ele nos revela e nos dá um Deus que é todo amor, todo
carinho, todo perdão, todo piedade, um Deus que é o rochedo de nossa
existência. Mas, também, um Deus exigentíssimo! Não se pode ser cristão pela
metade! São Paulo, na segunda leitura de hoje, exprime muito bem esta
realidade: Cristo nos libertou para a liberdade de uma vida nova, vida na graça
de Deus, vida impulsionada pelo Espírito do Ressuscitado. É esta a liberdade do
discípulo de Jesus; uma liberdade diversa do conceito de liberdade que o mundo
apregoa. O cristão é livre não porque faz o que quer; é livre porque quer
somente a vontade de Deus manifestada em Cristo Jesus: “Foi para a liberdade
que Cristo nos libertou!” E, aí, o Apóstolo nos previne: “Não façais dessa
liberdade um pretexto para servirdes à carne”. “Carne” é tudo quanto pertence
ao homem velho, tudo quanto manifesta o velho egoísmo de uma vida centrada em
si mesmo e não em Deus, que se dá no Cristo Jesus! “Carne” é tudo aquilo que é
lógica deste mundo e não lógica do Evangelho! Pode ser a lógica da ganância, da
sensualidade e da imoralidade, da religião interesseira à procura de milagres,
curas e benefícios materiais… tudo isso é carne: a descrença, a impiedade, a
vulgaridade e o comodismo no modo de viver…
Há, portanto, dois modos de construir nossa existência. Um, segundo a
carne, isto é, segundo o homem velho, com seu modo de pensar, com sua razão
entregue a si mesma, com uma lógica meramente humana e, muitas vezes,
pecaminosa. O outro, a vida segundo o Espírito do Ressuscitado. É a vida do
cristão que, impulsionando e sustentado pelo Espírito do Senhor, abre-se para
Deus, superar-se a si mesmo e seu modo meramente humano de pensar, e caminha
incessantemente para o Cristo, até alcançar a estatura do homem novo, “o estado
do Homem Perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13).
A medida e o ideal de vida do cristão não podem ser aqueles
apresentados pela moda e pelo pensamento dominante do mundo atual. Nosso
caminho é Cristo, nosso critério é Cristo, nossa medida é Cristo, nosso modo de
viver deve ser o de Cristo Jesus! O grande desafio dos cristãos de hoje é
redescobrirem que sua vida, seu modo de ser e de agir devem ser diferentes,
simplesmente porque eles são discípulos do Senhor Jesus!
Mas estejamos bem atentos: isso somente é possível quando encontramos
de verdade o Senhor em nossa vida, quando por ele nos encantamos, quando somos
invadidos pelo seu amor. Observemos que nos evangelho de hoje – e de sempre – o
cristianismo nasce de um encontro no caminho… um encontro marcante e
transformador com Jesus. Só esta experiência é capaz de nos fazer entrar no caminho
e aceitar as exigências do Senhor. Em outras palavras: o cristão, ou é um amigo
de Cristo ou não é cristão; ou tem uma experiência de amizade com o Senhor ou
jamais vai compreendê-lo de fato. É preciso insistir nisso, mais que nunca: o
cristianismo não é uma doutrina, não é uma moral, não é uma ideologia, não é
uma proposta política de justiça social para o mundo! Tudo isso é secundário! O
que nos faz cristãos, é ter sido encontrados por Cristo no caminho, ter sido
seduzidos por ele e tê-lo seguido, dizendo, meio responsáveis, meio loucos;
“Senhor, eu te seguirei para onde quer que vás”. Que o Senhor nos conceda a
graça da paixão por ele, a graça de segui-lo, a graça de testemunhá-lo com a
carne da nossa vida de cada dia, como nossos irmãos de há dois mil anos atrás,
quando ele tomou o caminho de Jerusalém, para a cruz e a ressurreição. Amém.
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