Viagem
do Papa Francisco à Armênia – 24 a 26 de junho de 2016
Encontro
ecumênico e oração pela paz
Praça
da República de Yerevan
Sábado,
25 de junho de 2016
Venerado e
caríssimo Irmão, Patriarca Supremo e Catholicos de Todos os Armênios,
Senhor
Presidente,
Queridos irmãos
e irmãs!
A bênção e a paz
de Deus estejam convosco!
Desejei
ardentemente visitar esta amada terra, o vosso país, o primeiro que abraçou a
fé cristã. É uma graça para mim poder encontrar-me nestas alturas, onde, sob a
vista do Monte Ararat, o próprio silêncio parece falar-nos; onde os khatchkar –
as cruzes de pedra – narram uma história única, permeada de fé rochosa e de
sofrimento imenso; uma história rica de magníficas testemunhas do Evangelho, de
quem vós sois os herdeiros. Vim peregrino de Roma para vos encontrar e exprimir
um sentimento que me vem do fundo do coração: é o afeto do vosso irmão, é o
abraço fraterno da Igreja Católica inteira, que vos ama e está solidária
convosco.
Nos anos
passados, graças a Deus, foram-se intensificando as visitas e os encontros
entre as nossas Igrejas, sempre muito cordiais e frequentemente memoráveis;
quis a Providência que, precisamente no dia em que aqui se recordam os santos
Apóstolos de Cristo, estejamos de novo juntos para reforçar a comunhão
apostólica entre nós. Estou muito grato a Deus pela «real e íntima unidade»
entre as nossas Igrejas [cf. João Paulo II, Homilia na Celebração Ecuménica,
Ierevan, 26 de setembro de 2001: Insegnamenti, XXIV/2 (2001), 466) e
agradeço-vos pela vossa fidelidade ao Evangelho, muitas vezes heroica, que é um
dom inestimável para todos os cristãos. Ao encontrarmo-nos, não temos uma troca
de ideias, mas uma troca de dons (cf. Idem, Carta enc. Ut unum sint, 28):
recolhemos aquilo que o Espírito semeou em nós, como um dom para cada um (cf.
Francisco, Exort. ap. Evangelii gaudium, 246). Partilhamos com grande alegria
os numerosos passos dum caminho comum já muito adiantado, e olhamos verdadeiramente
com confiança para o dia em que, com a ajuda de Deus, estaremos unidos junto do
altar do sacrifício de Cristo, na plenitude da comunhão eucarística. Rumo a
esta meta tão desejada «somos peregrinos, e peregrinamos juntos (…) abrindo o
coração ao companheiro de estrada sem medos, nem desconfianças» (ibid., 244).
Neste trajeto,
precedem-nos e acompanham-nos muitas testemunhas, nomeadamente tantos mártires
que selaram com o sangue a fé comum em Cristo: são as nossas estrelas no céu,
que brilham sobre nós e indicam o caminho que nos falta percorrer na terra,
rumo à plena comunhão. Dentre os grandes Padres, gostaria de referir o santo
Catholicos Nerses Shnorhali. Nutria um amor extraordinário pelo seu povo e as
suas tradições e, ao mesmo tempo, sentia-se inclinado para as outras Igrejas,
incansável na busca da unidade, desejoso de atuar a vontade de Cristo: que os
crentes «sejam um só» (Jo 17, 21). Realmente a unidade não é uma espécie de
vantagem estratégica que se deve procurar por interesse mútuo, mas aquilo que
Jesus nos pede, sendo nossa obrigação cumpri-lo com boa vontade e todas as
nossas forças para se realizar a nossa missão: oferecer ao mundo, com
coerência, o Evangelho.
Para realizar a
unidade necessária, não basta, segundo São Nerses, a boa vontade de alguém na
Igreja: é indispensável a oração de todos. É bom estar aqui reunidos para
rezarmos uns pelos outros, uns com os outros. E o que vim pedir-vos nesta tarde
é, antes de tudo, o dom da oração. Pela minha parte, asseguro-vos que, ao oferecer
o Pão e o Cálice no altar, não deixo de apresentar ao Senhor a Igreja da
Armênia e o vosso querido povo.
São Nerses
sentia também a necessidade de aumentar o amor mútuo, porque só a caridade é
capaz de sanar a memória e curar as feridas do passado: só o amor cancela os
preconceitos e permite reconhecer que a abertura ao irmão purifica e melhora as
convicções próprias. Para este santo Catholicos, no caminho rumo à unidade, é
essencial imitar o estilo do amor de Cristo, que, «sendo rico» (2 Cor 8, 9),
«humilhou-Se a Si próprio» (Flp 2, 8). Seguindo o seu exemplo, somos chamados a
ter a coragem de deixar as convicções rígidas e os interesses próprios, em nome
do amor que se humilha e entrega, em nome do amor humilde: este é o óleo
abençoado da vida cristã, o unguento espiritual precioso que cura, fortalece e
santifica. «Às faltas, suprimos com uma caridade unânime», escrevia São Nerses
(Cartas do senhor Nerses Shnorhali, Catholicos dos Arménios, Veneza 1873, 316),
e mesmo – dava a entender – com uma particular doçura de amor, que abranda a
dureza dos corações dos cristãos, também eles não raro fechados sobre si mesmos
e os seus próprios interesses. Não são os cálculos nem as vantagens mas o amor
humilde e generoso que atrai a misericórdia do Pai, a bênção de Cristo e a
abundância do Espírito Santo. Rezando e «amando-nos intensamente uns aos outros
do fundo do coração» (cf. 1 Ped 1, 22), com humildade e abertura de espírito,
disponhamo-nos a receber o dom divino da unidade. Continuemos, decididos, o
nosso caminho, ou melhor, corramos para a plena comunhão entre nós!
«Dou-vos a minha
paz. Não é como a dá o mundo que Eu vo-la dou» (Jo 14, 27). Ouvimos estas
palavras do Evangelho, que nos predispõem a implorar de Deus aquela paz que o
mundo sente tanta dificuldade em encontrar. Como são grandes, hoje, os
obstáculos no caminho da paz, e trágicas as consequências das guerras! Penso
nas populações forçadas a abandonar tudo, especialmente no Médio Oriente onde
muitos dos nossos irmãos e irmãs sofrem violências e perseguição por causa do
ódio e de conflitos sempre fomentados pelo flagelo da proliferação e do
comércio de armas, pela tentação de recorrer à força e pela falta de respeito
pela pessoa humana, especialmente os vulneráveis, os pobres e aqueles que pedem
apenas uma vida digna.
Não consigo
deixar de pensar nas provações terríveis que o vosso povo experimentou:
completou-se há pouco um século do «Grande Mal» que se abateu sobre vós. Este
«enorme e louco extermínio» (Francisco, Saudação no início da Santa Missa para
os fiéis de rito arménio, 12 de abril de 2015), este trágico mistério de
iniquidade que o vosso povo provou na própria carne, permanece impresso na
memória e queima no coração. Quero reiterar que os vossos sofrimentos são
nossos: «são os sofrimentos dos membros do Corpo místico de Cristo» (João Paulo
II, Carta Apostólica por ocasião do 1700° aniversário do Batismo do povo
arménio, 4: Insegnamenti, XXIV/1 (2001), 275); recordá-los é não só oportuno,
mas também forçoso: são uma advertência em todo o tempo, para que o mundo não
volte jamais a cair na espiral de tais horrores.
Ao mesmo tempo
desejo lembrar, com admiração, como a fé cristã, «também nos momentos mais
trágicos da história armênia, foi a mola propulsora que assinalou o início do
renascimento do povo provado» (ibid., 276). A fé é a vossa verdadeira força,
que permite abrir-se à via misteriosa e salvífica da Páscoa: as feridas ainda
abertas, causadas pelo ódio feroz e insensato, podem de algum modo
assemelhar-se às de Cristo ressuscitado, as feridas que Lhe foram infligidas e
que traz ainda impressas na sua carne. Mostrou-as, gloriosas, aos discípulos na
tarde de Páscoa (cf. Jo 20, 20): aquelas chagas terrivelmente dolorosas
recebidas na cruz, transfiguradas pelo amor, tornaram-se fontes de perdão e paz.
Assim, mesmo a dor maior, transformada pela força salvífica da Cruz de que os
Armênios são arautos e testemunhas, pode tornar-se uma semente da paz para o
futuro.
Realmente a
memória, permeada pelo amor, torna-se capaz de encaminhar-se por sendas novas e
surpreendentes, onde as tramas de ódio se transformam em projetos de
reconciliação, onde se pode esperar num futuro melhor para todos, onde são
«felizes os obreiros da paz» (Mt 5, 9). Fará bem a todos comprometer-se por
colocar as bases dum futuro que não se deixe absorver pela força ilusória da
vingança; um futuro, onde nunca nos cansemos de criar as condições para a paz:
um trabalho digno para todos, a solicitude pelos mais necessitados e a luta sem
tréguas contra a corrupção que deve ser extirpada.
Queridos jovens,
este futuro pertence-vos: valorizando a grande sabedoria dos vossos idosos,
aspirai a tornar-vos construtores de paz: não notários do status quo, mas
ativos promotores duma cultura do encontro e da reconciliação. Deus abençoe o
vosso futuro e «conceda que se retome o caminho de reconciliação entre o povo
armênio e o povo turco, e possa a paz surgir também no Nagorno Karabakh»
(Mensagem aos Armênios, 12 de abril de 2015).
Nesta
perspetiva, gostaria enfim de evocar outra grande testemunha e artífice da paz
de Cristo, São Gregório de Narek, que proclamei Doutor da Igreja. E poderia ser
chamado também «Doutor da paz». Assim escrevia ele naquele Livro
extraordinário, que me apraz pensar como a «constituição espiritual do povo
armênio»: «Recordai-Vos [Senhor] daqueles que, na estirpe humana, são nossos
inimigos, mas para seu bem: cumpri neles perdão e misericórdia. (…) Não
extermineis aqueles que me mordem: transformai-os! Extirpai a conduta terrena
viciosa, e enraizai a boa em mim e neles» (Livro das Lamentações, 83, 1-2).
Narek, «fazendo-se participante profundamente consciente de cada necessidade»
(ibid., 3, 2), quis mesmo identificar-se com os vulneráveis e os pecadores de
todo o tempo e lugar, para interceder em favor de todos (cf. ibid., 31, 3; 32, 1;
47, 2): fez-se «o “oferece-oração” de todo o mundo» (ibid., 28, 2). Esta sua
solidariedade universal com a humanidade é uma grande mensagem cristã de paz,
um grito ardente que implora misericórdia para todos. Os armênios, presentes em
muitos países e que daqui desejo abraçar fraternalmente, sejam mensageiros
deste anseio de comunhão, «embaixadores de paz» [João Paulo II, Carta
Apostólica por ocasião do 1700° aniversário do Batismo do povo arménio, 7:
Insegnamenti, XXIV/1 (2001), 278]. O mundo inteiro precisa deste vosso anúncio,
precisa desta vossa presença, precisa do vosso testemunho mais puro.
Kha’ra’rutiun amenetzun! [A paz esteja convosco!]
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Boletim da
Santa Sé
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