A Igreja Católica,
fiel ao Evangelho da Vida, em sintonia com segmentos religiosos e da sociedade
civil, trabalha para que a humanidade compreenda bem as palavras do Papa
Francisco: “Quero enfatizar com todas as minhas forças que o aborto é um pecado
grave, porque põe fim a uma vida humana inocente. Com a mesma força, no
entanto, posso e devo afirmar que não existe nenhum pecado que a misericórdia
de Deus não possa alcançar e destruir, ali onde se encontra um coração
arrependido". Assim, há de se ter redobrado cuidado com o risco das
relativizações interpretativas que abrem caminhos legislativos para ferir o dom
absoluto da vida. É imprescindível legislar e agir com o compromisso de tecer
uma nova cultura da vida humana.
Desconsiderar esse dever é provocar graves
prejuízos, pois há um peso insustentável a carregar quando as dinâmicas
sociais, no âmbito legislativo ou mesmo nas interações cotidianas, relativizam
um compromisso que deve ser absoluto: defender a vida. Eis a tarefa que é
irrenunciável. Cada pessoa precisa promover a dignidade humana. E isso
significa, antes de tudo, reconhecer o direito inviolável à vida, desde a
fecundação até a morte natural. Assim, grave é a porta que se abre com a recente
decisão da Corte Suprema, no julgamento de um caso de aborto, que pode
desencadear mudanças drásticas no tratamento desse tema delicado no horizonte
mais amplo.
A interpretação da letra legislativa não
pode, em hipótese alguma, possibilitar a abertura para atentados contra a vida,
particularmente contra a vida de inocentes, o abominável aborto. Não se pode
ajustar legislações recentes e antigas considerando apenas a busca por um
simples sentido legal. É preciso precaver-se da existente tendência a se considerar
normais os crimes contra a vida. Nesse cuidado, deve-se ponderar muito a
respeito da situação atual, particularmente da sociedade brasileira. Um
contexto, indiscutivelmente, marcado por confusões - que incluem a desarmonia
entre os poderes que regem a sociedade e também os amplos setores da opinião
pública que chegam a justificar crimes contra a vida em nome do direto à
liberdade individual. Esses segmentos buscam não apenas a impunidade, mas a
autorização por parte do Estado para a prática do aborto, com a colaboração
gratuita dos serviços de saúde.
A Justiça não pode ajudar a deteriorar a
consideração sobre a vida e as relações entre as pessoas, com alterações legais
de consequências graves. Diante da sacralidade da vida, o posicionamento interpretativo
de um magistrado, por ser relativo, não pode ser considerado irretocável. Há de
se avaliar as aberturas e a constituição de certos “direitos” que fazem a
sociedade reconhecer legitimidade onde não existe. Opções, outrora consideradas
unanimemente criminosas, tornam-se, pouco a pouco, socialmente aceitas. O
ordenamento jurídico, a medicina e os outros setores todos devem, em primeiro
lugar, defender a vida. Desconsiderar essa obrigação deforma a face da
humanidade, contribuindo para fortalecer uma cultura da morte.
Urgente é retomar valores morais que são
basilares, com propriedades para evitar que a sociedade afunde na corrupção,
nos atentados criminosos contra a vida, desconsiderada em seu sentido moral e
espiritual. O respeito e a solidariedade devem aflorar diante das vidas
inocentes interrompidas a partir do aborto e da humilhação dos pobres. Assim
será possível estabelecer um novo contexto, legal e espiritual, capaz de
superar as ilusórias decisões de poucos, enjaulados nos limites próprios de
qualquer intérprete. Diante de seres humanos indefesos, espezinhados no
seu direito fundamental à vida, em particular as crianças não nascidas, o
conjunto da sociedade não pode se calar e deixar-se enganar por disfarces de
progresso, de liberdades e de organização. Todos precisam reconhecer: é
irrenunciável a luta pela reafirmação do valor e da inviolabilidade da vida
humana. Esse é o caminho da justiça, da verdadeira liberdade, da paz e da
felicidade, via que permite tecer a cultura de se acolher uma nova vida.
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte
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