segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Lutero e Charlie Hebdo: muita coisa em comum.


Nesses tempos de discussão sobre o respeito às crenças religiosas alheias, convém mais do que nunca trazer à tona uma faceta de Martinho Lutero que pouca gente conhece: o de gravurista que não tinha limites para a baixaria.

Bem diferente do que muita gente pensa, não foi por meio da distribuição de bíblias que a Reforma Protestante difundiu sua doutrina. A grande arma de propaganda dos “reformadores” eram panfletos com gravuras ridicularizando o Papa e o clero das formas mais asquerosas possíveis, no melhor (ou pior) estilo da revista Charlie Hebdo.

Ânus, cocô e demônios eram elementos quase onipresentes nos desenhos de Lutero e sua turma. Pudera… a boca fala do que o coração está cheio! Vejam que “primor”, por exemplo, o texto que acompanha a gravura acima, De Ortu et Origine Monachorum (“A Fonte e a Origem dos Monges”): diz que o capeta teve uma dor de barriga e, ao se aliviar sobre uma forca, de seu traseiro saíram os monges. Será que Luterinho, ex-monge agostiniano, estava então contando sua própria história de vida?

É preciso dar um desconto para Lutero, afinal, diferente dos cartunistas franceses, ele não usava a imagem de Cristo para blasfemar, nem tampouco a da Santíssima Virgem, de quem era devoto (saiba mais aqui). Por outro lado, enquanto as charges do jornal francês nunca incitaram a violência física contra ninguém, Lutero, por sua vez, pedia em uma gravura que o Papa e os cardeais fossem mortos na forca e tivessem suas línguas pregadas ao lado (veja abaixo).



A gravura acima, intitulada Digna merces Pape satanissimi et cardinalium suorum (“A justa recompensa que o Papa Sataníssimo e seus cardeais merecem”) foi produzida por Lucas Cranach. Por encomenda de seu amigo Lutero, esse pintor renascentista fez diversas xilogravuras anticatólicas. Lutero e Lucas formaram assim a dupla LuLu; um bolava o desenho, o outro executava.
O mais célebre dos panfletos de Lutero ilustrado por Lucas Cranach é “Contra o pontificado romano fundado pelo diabo”, de março de 1545. A seguir, mostramos mais algumas das gravuras contidas nessa publicação.

A gravura “O nascimento e a origem do Papa” apresenta um demônio feminino “parindo” vários papas pelo traseiro; os bebês são embalados e amamentados por outros demônios.



A genialidade humorística da dupla LuLu era mesmo ilimitada. Além de muito cocô e bunda, eles também faziam sátiras com… muito cocô e bunda! Na gravura a seguir (cujo título é Adoratus Papas Deus Terrenus) eles sugerem que o povo deveria usar a tiara papal como penico.



Em outra gravura, cujo título é The Papal Belvedere, camponeses mostram as nádegas e peidam diante do Papa Paulo III, que lhes expõe uma bula. Como vemos, o “grande reformador” propunha um debate teológico de “altíssimo” nível! Será que alguém acredita que o Espírito Santo inspirou tais coisas?



Mas nem tudo o que a propaganda da Reforma produzia era baixaria. Há algumas exceções com conteúdo de crítica genuína, como a ótima gravura que compara o abuso da venda de indulgências ao crime dos vendilhões do templo (veja abaixo). A imagem faz parte de uma série de “quadrinhos” feitos por Lucas Cranach, desta vez em parceria com o reformador Philip Melancthon.

Abre parênteses: o abuso da venda de indulgências praticado pelos papas Júlio II e Leão X foi uma vergonha, entretanto, não tinha nada a ver com “vender a salvação”, como muitos evangélicos dizem por aí. Para saber mais, clique aqui e aqui.



Porém, no “conjunto da obra”, Lutero fez uso de sátiras tão porcas quanto a de um moleque aloprado. Ele, que se dizia apegado às Escrituras, não aprendeu com elas a satirizar. Desejando arrancar risadas quase sempre por meio de bundas, bostas e capetas, passou a mil quilômetros da fina ironia do profeta Elias no Monte Carmelo.

Desafiados por Elias a provar a força de Baal, os profetas do ídolo se esgoelavam horas a fio, clamando para que o fogo descesse do céu e consumisse o novilho ofertado no altar. Mas nada de novo acontecia o sol… #deuruim

“Elias escarnecia-os, dizendo: Gritai com mais força, pois (seguramente!) ele é deus; mas estará entretido em alguma conversa, ou ocupado, ou em viagem, ou estará dormindo… e isso o acordará” (I Reis 18, 27).

O profeta Elias nos mostra que o humor é uma arma legítima para a defesa da verdade, e não deve ser excluído do debate religioso. Por isso, TENHAM CUIDADO COM A DITADURA DO POLITICAMENTE CORRETO, que dá voz aos melindrados e ofendidinhos de plantão. Já dissemos aqui e reafirmamos: todas as religiões – inclusive o catolicismo – possuem eventualmente aspectos passíveis de serem criticados e ironizados.

É justo pedir um mínimo de bom senso. Tomara que aqueles que usam do humor utilizando temas religiosos elevem o nível acima das sátiras abjetas da Reforma Protestante, do Charlie Hebdo, do Porta dos Fundos e companhia.
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ALGUMAS PERGUNTAS DOS LEITORES E RESPOSTAS DE "O CATEQUISTA"

1- Em quê o catolicismo pode ser ironizado? E em que sentido esse termo “ironia” foi mencionado? (Luiz Antônio Pereira)

Pode ser ironizado em vários sentidos. Nós mesmos aqui no blog fizemos várias sátiras com os maus papas, como Alexandre VI. Tem também aquele vídeo do Leandro Hassum que apresentamos em um de nossos últimos posts; ele fala de aspectos engraçados de diversas religiões, inclusive do catolicismo, sem agredir ninguém.

Aí vai um exemplo que acho engraçadíssimo de uma ironia feita com um dos trechos do Evangelho:


2- Alguém sabe se houve uma reação por parte da Igreja Católica contra estas gravuras?. Se a Igreja reagiu a altura encomendando outras gravuras do mesmo nível (tomara que não, se não seria para se nivelar mais por baixo de que bunda de sapo), ou foi parar no index de livros proibido da Igreja?. E esta faceta de gravurista de Lutero e Cia os protestantes hoje em dia conhecem?. Será que que eles concordariam com estas gravuras objetas e nojentas? (Sidney).

Sidnei, até onde sei, a reação da Igreja foi muito elegante. A fonte que tenho como base para afirmar isso é a página do “German Historical Institute”. Repare as imagens que eles mostram da “resposta católica” à propaganda satírica da Reforma Protestante, AQUI.

A única imagem mais forte que vi – e que passa bem longe da baixaria luterana – é esta aqui que mostra Lutero como a besta de sete cabeças do Apocalipse:

Lutero Sete Cabeças (1529)
Esta imagem polêmica apareceu na página de título do panfleto 
Os Sete Chefes de Martin Luther por Johannes Cochlaeus. 
Ele mostra Luther com sete cabeças, cada uma das quais carrega um título diferente: 
Doutor, Martinus, Lutero, do clérigo, Entusiasta, visitante, e Barrabbas. 
É ao mesmo tempo uma caricatura de Lutero e uma difamação dele como o anticristo 
(a besta de sete cabeças do apocalipse). 
A xilogravura inspirou uma contra-imagem protestante, o "Papado de sete cabeças", 
Xilogravura por Hans Brosamer (1500-1552 c.), 1529.

Você, pode ver a imagem acima com mais detalhes na fonte, clicando AQUI.
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Fonte: O Catequista

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