O Censo
de 2010 indica uma perda contínua e acentuada de católicos em nosso país. Em
média, somos ainda 61% da população e, a julgar pela realidade que vemos
à nossa volta, essa porcentagem tende a cair mais. Mencionar isso no começo
dessa reflexão é importante, pois o evangelho que acabamos de ouvir nos coloca
diante de um momento crítico da vida de Jesus: a perda de discípulos. Não
apenas a perda de pessoas (as multidões e os judeus, que estavam com ele no
início do capítulo 6 de São João e que depois o deixaram), mas a perda de
discípulos!
Enquanto
algumas análises feitas pela nossa Igreja procuram atenuar o impacto da perda de
católicos – quem sabe para não abalar a fé dos que permanecem na Igreja –, o
evangelho não tem nenhum problema em admitir que “muitos discípulos voltaram
atrás e não andavam mais com ele” (Jo 6,66). “Muitos discípulos”, não alguns,
não meia dúzia; muitos. O motivo? “Muitos dos discípulos de Jesus que o
escutaram, disseram: ‘Essa palavra é dura. Quem consegue escutá-la?’” (Jo
6,60). Eis, então, o motivo: a palavra de Jesus é dura!
A geração
de hoje é uma geração que se melindra facilmente, uma geração que não aceita
ouvir “não”, “não pode”, “não deve”, “é contrário à vontade de Deus”. A
geração de hoje tem audição seletiva: ouve o que quer ouvir, ouve apenas aquilo
que gosta de ouvir. A respeito dela a Escritura diz: “Virá um tempo em que alguns
não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, segundo os seus próprios
desejos... se rodearão de mestres. Desviarão os ouvidos da verdade,
orientando-os para as fábulas” (2Tm 4,3-4).
A Palavra
é dura porque Deus não está aqui para alimentar em nós falsas esperanças ou nos
oferecer respostas fáceis. A Palavra é dura porque ela precisa sacudir a nossa
consciência e inquietar o nosso coração, até nos darmos conta de que ou nós
estamos com Deus por inteiro ou não estamos. Quantas pessoas deixaram a Igreja
dizendo que não foram compreendidas em sua dor! Aqui cabe perguntar: elas não
foram compreendidas em sua dor ou não foram atendidas em seus caprichos? Elas
não foram compreendidas em sua dor ou não aceitaram o remédio que a Palavra de
Deus estava lhes oferecendo para tratar da dor que sentiam?
As
inúmeras igrejas e religiões presentes em nossa sociedade existem justamente
para isso: para que as pessoas não se confrontem com a dureza da Palavra de
Deus. Quando estou numa igreja e me sinto incomodado com a Palavra que ouvi,
saio e procuro por outra, onde a Palavra não me incomode. Eis a consequência
disso: muitas das pessoas que mudam de igreja ou de religião não mudam enquanto
pessoas; continuam as mesmas pessoas de sempre, mentindo, trapaceando,
adulterando, prejudicando os outros etc. São como uma peça artística de
madeira: mudam a pintura externa, trocam a cor do verniz, mas continuam com
cupim por dentro, porque não aceitam se confrontar com a dureza da Palavra.
Diante do
argumento de que a sua palavra é dura, Jesus responde: “As palavras que vos
falei (mesmo duras) são espírito e vida” (Jo 6,63). Por mais dura que seja a
Palavra de Deus, por mais que ela nos provoque mal estar, sacuda a nossa
consciência, inquiete o nosso coração, só ela pode nos dar vida e nos conduzir
à verdadeira vida. “Mas entre vós há alguns que não creem” (Jo 6,64). Entre
nós, assim como em todas as igrejas e religiões, há pessoas que são água
misturada com óleo, que usam uma camada de proteção em sua consciência para não
se sentirem interpeladas pela Palavra. São pessoas cujo coração não deu
abertura para o Pai agir com a Sua graça e fazê-las aderir à palavra de Jesus.
Quando
Jesus se deu conta de que estava perdendo muitos discípulos, não amenizou a
dureza da sua palavra, nem se sentiu fracassado como pregador. Jesus não tinha
medo de perder pessoas porque Ele estava alicerçado no Pai. O centro da sua
vida era fazer a vontade do Pai e não agradar as pessoas. Desse modo, ele se
voltou para os doze apóstolos e perguntou: “Vós também quereis ir embora?” (Jo
6,67). Hoje, diante da constante perda de católicos, Jesus também nos pergunta:
‘Por que vocês ainda estão aqui?’ Como Pedro, também respondemos: “A quem
iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68). Tuas palavras são
duras; são palavras que não nos apresentam soluções mágicas para os nossos
problemas, nem alívio imediato para as nossas dores, mas são palavras que nos
abrem para a vida eterna, para a verdadeira vida de Deus em nós!
Pe. Paulo Cezar Mazzi
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Título original: palavras duras ou espírito mole?
Fonte: Padre Paulo Mazzi
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