MENSAGEM
Mensagem
do Papa Francisco para a
30ª Jornada Mundial da Juventude
(29
de março de 2015)
Terça-feira,
17 de fevereiro de 2015
Confira a a mensagem do Papa Francisco para a 30ª
Jornada Mundial da Juventude, que será realizada no dia 29 de março de 2015,
Domingo de Ramos, em âmbito diocesano.
«Felizes os
puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8)
Queridos jovens!
Continuamos a nossa peregrinação espiritual para
Cracóvia, onde em Julho de 2016 se realizará a próxima edição internacional da
Jornada Mundial da Juventude. Como guia do nosso caminho escolhemos as
Bem-aventuranças evangélicas. No ano passado, reflectimos sobre a Bem-aventurança
dos pobres em espírito, inserida no contexto mais amplo do «Sermão da
Montanha». Juntos, descobrimos o significado revolucionário das
Bem-aventuranças e o forte apelo de Jesus para nos lançarmos, com coragem, na
aventura da busca da felicidade. Este ano reflectiremos sobre a sexta
Bem-aventurança: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8).
1. O desejo
da felicidade
A palavra «felizes», ou bem-aventurados, aparece
nove vezes na primeira grande pregação de Jesus (cf. Mt 5, 1-12). É como um
refrão que nos recorda a chamada do Senhor a percorrer, juntamente com Ele, uma
estrada que, apesar de todos os desafios, é a via da verdadeira felicidade.
Ora a busca da felicidade, queridos jovens, é comum
a todas as pessoas de todos os tempos e de todas as idades. Deus colocou no
coração de cada homem e de cada mulher um desejo irreprimível de felicidade, de
plenitude. Porventura não sentis que o vosso coração está inquieto buscando sem
cessar um bem que possa saciar a sua sede de infinito?
Os primeiros capítulos do livro do Génesis
apresentam-nos a felicidade maravilhosa a que somos chamados, consistindo numa
perfeita comunhão com Deus, com os outros, com a natureza, com nós mesmos. O
livre acesso a Deus, à sua intimidade e visão estava presente no projecto de
Deus para a humanidade desde as suas origens e fazia com que a luz divina
permeasse de verdade e transparência todas as relações humanas. Neste estado de
pureza original, não existiam «máscaras», subterfúgios, motivos para se esconderem
uns dos outros. Tudo era puro e claro.
Quando o homem e a mulher cedem à tentação e
quebram a relação de confiante comunhão com Deus, o pecado entra na história
humana (cf. Gn 3). Imediatamente se fazem notar as consequências inclusive nas
suas relações consigo mesmo, de um com o outro, e com a natureza. E são
dramáticas! A pureza das origens como que fica poluída. Depois daquele momento,
já não é possível o acesso directo à presença de Deus. Comparece a tendência a
esconder-se, o homem e a mulher devem cobrir a sua nudez. Privados da luz que
provém da visão do Senhor, olham a realidade que os circunda de maneira
distorcida, míope. A «bússola» interior, que os guiava na busca da felicidade,
perde o seu ponto de referência e as seduções do poder e do ter e a ânsia do
prazer a todo o custo precipitam-nos no abismo da tristeza e da angústia.
Nos Salmos, encontramos o grito que a humanidade,
desde as profundezas da sua alma, dirige a Deus: «Quem nos dará a felicidade?
Resplandeça sobre nós, Senhor, a luz do vosso rosto!» (Sal 4, 7). Na sua
infinita bondade, o Pai responde a esta súplica com o envio do seu Filho. Em
Jesus, Deus assume um rosto humano. Com a sua encarnação, vida, morte e
ressurreição, redime-nos do pecado e abre-nos horizontes novos, até então
inconcebíveis.
E assim, queridos jovens, em Cristo encontra-se a
plena realização dos vossos sonhos de bondade e felicidade. Só Ele pode
satisfazer as vossas expectativas tantas vezes desiludidas por falsas promessas
mundanas. Como disse São João Paulo II, «Ele é a beleza que tanto vos atrai; é
Ele quem vos provoca com aquela sede de radicalidade que não vos deixa ceder a
compromissos; é Ele quem vos impele a depor as máscaras que tornam a vida
falsa; é Ele quem vos lê no coração as decisões mais verdadeiras que outros
quereriam sufocar. É Jesus quem suscita em vós o desejo de fazer da vossa vida
algo grande» (Vigília de Oração em Tor Vergata, 19 de Agosto de 2000:
L’Osservatore Romano, ed. portuguesa de 26/VIII/2000, 383).
2. Felizes
os puros de coração…
Procuremos agora aprofundar como esta felicidade
passa pela pureza de coração. Antes de mais nada, devemos compreender o
significado bíblico da palavra «coração». Na cultura hebraica, o coração é o
centro dos sentimentos, pensamentos e intenções da pessoa humana. Se a Bíblia
nos ensina que Deus olha, não às aparências, mas ao coração (cf. 1 Sam 16,7),
podemos igualmente afirmar que é a partir do nosso coração que podemos ver a
Deus. Assim é, porque o coração compendia o ser humano na sua totalidade e unidade
de corpo e alma, na sua capacidade de amar e ser amado.
Passando agora à definição de «puro», a palavra
grega usada pelo evangelista Mateus é katharos e significa, fundamentalmente,
limpo, claro, livre de substâncias contaminadoras. No Evangelho, vemos Jesus
desarraigar uma certa concepção da pureza ritual ligada a elementos externos,
que proibia todo o contacto com coisas e pessoas (incluindo os leprosos e os
forasteiros), consideradas impuras. Aos fariseus – que, como muitos judeus de
então, não comiam sem antes ter feito as devidas abluções e observavam
numerosas tradições relacionadas com a lavagem de objectos –, Jesus diz
categoricamente: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar
impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. (…) Porque é do
interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições,
roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má-fé, devassidão,
inveja, maledicência, orgulho, desvarios» (Mc 7, 15.21-22).
Sendo assim, em que consiste a felicidade que brota
dum coração puro? Partindo do elenco dos males enumerados por Jesus, que tornam
o homem impuro, vemos que a questão tem a ver sobretudo com o campo das nossas
relações. Cada um de nós deve aprender a discernir aquilo que pode «contaminar»
o seu coração, formando em si mesmo uma consciência recta e sensível, capaz de
«discernir qual é a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável, o que
é perfeito» (Rm 12, 2). Se é necessária uma atenção salutar para com a
salvaguarda da criação, a pureza do ar, da água e dos alimentos, com maior
razão ainda devemos salvaguardar a pureza daquilo que temos de mais precioso:
os nossos corações e as nossas relações. Esta «ecologia humana» ajudar-nos-á a
respirar o ar puro que provém das coisas belas, do amor verdadeiro, da
santidade.
Uma vez fiz-vos a pergunta: Onde está o vosso
tesouro? Qual é o tesouro onde repousa o vosso coração? (cf. Entrevista com
alguns jovens da Bélgica, 31 de Março de 2014). É verdade! Os nossos corações
podem apegar-se a tesouros verdadeiros ou falsos, podem encontrar um repouso
autêntico ou então adormentar-se tornando-se preguiçosos e entorpecidos. O bem
mais precioso que podemos ter na vida é a nossa relação com Deus. Estais
convencidos disto? Estais cientes do valor inestimável que tendes aos olhos de
Deus? Sabeis que Ele vos ama e acolhe, incondicionalmente, assim como sois?
Quando esta percepção esmorece, o ser humano torna-se um enigma
incompreensível, pois o que dá sentido à nossa vida é precisamente saber que
somos amados incondicionalmente por Deus. Lembrais-vos do diálogo de Jesus com
o jovem rico? (cf. Mc 10, 17-22). O evangelista Marcos observa que o Senhor
fixou o olhar nele e amou-o (cf. v. 21), convidando-o depois a segui-Lo para
encontrar o verdadeiro tesouro. Espero, queridos jovens, que este olhar de
Cristo, cheio de amor, vos acompanhe durante toda a vossa vida.
O período da juventude é aquele em que desabrocha a
grande riqueza afectiva contida nos vossos corações, o desejo profundo dum amor
verdadeiro, belo e grande. Quanta força há nesta capacidade de amar e ser
amados! Não permitais que este valor precioso seja falsificado, destruído ou
deturpado. Isto acontece quando, nas nossas relações, comparece a manipulação
do próximo para os nossos objectivos egoístas, por vezes como mero objecto de
prazer. O coração fica ferido e triste depois destas experiências negativas.
Peço-vos que não tenhais medo dum amor verdadeiro, aquele que nos ensina Jesus
e que São Paulo descreve assim: «O amor é paciente, o amor é prestável, não é
invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura
o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra
com a injustiça, mas rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo
espera, tudo suporta. O amor jamais passará» (1 Cor 13, 4-8).
Ao mesmo tempo que vos convido a descobrir a beleza
da vocação humana para o amor, exorto-vos a rebelar-vos contra a tendência
generalizada de banalizar o amor, sobretudo quando se procura reduzi-lo apenas
ao aspecto sexual, desvinculando-o assim das suas características essenciais de
beleza, comunhão, fidelidade e responsabilidade. Queridos jovens, «na cultura
do provisório, do relativo, muitos pregam que o importante é “curtir” o
momento, que não vale a pena comprometer-se por toda a vida, fazer escolhas
definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o amanhã. Em
vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão
contra a corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta
cultura do provisório que, no fundo, crê que vocês não são capazes de assumir
responsabilidades, crê que vocês não são capazes de amar de verdade. Eu tenho
confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de “ir contra a
corrente”. E tenham também a coragem de ser felizes!» (Encontro com os
voluntários da JMJ do Rio, 28 de Julho de 2013).
Vós, jovens, sois bons exploradores! Se vos
lançardes à descoberta do rico ensinamento da Igreja neste campo, descobrireis
que o cristianismo não consiste numa série de proibições que sufocam os nossos
desejos de felicidade, mas num projecto de vida que pode fascinar os nossos
corações!
3. …porque
verão a Deus
No coração de cada homem e de cada mulher, ressoa
sem cessar o convite do Senhor: «Procurai o meu rosto!» (Sal 27/26, 8). Ao
mesmo tempo, porém, sempre nos devemos confrontar com a nossa pobre condição de
pecadores. Assim o lemos, por exemplo, no livro dos Salmos: «Quem poderá subir
à montanha do Senhor e apresentar-se no seu santuário? O que tem as mãos
inocentes e o coração limpo» (Sal 24/23, 3-4). Mas não devemos ter medo nem
desanimar: vemos, na Bíblia e na história de cada um de nós, que é sempre Deus
quem dá o primeiro passo. É Ele que nos purifica, para podermos ser admitidos à
sua presença.
O profeta Isaías, quando recebeu a chamada do
Senhor para falar em seu nome, ficou apavorado e disse: «Ai de mim, estou
perdido, porque sou um homem de lábios impuros» (Is 6, 5). Mas o Senhor
purificou-o, enviando um anjo que tocou a sua boca e lhe disse: «Foi afastada a
tua culpa e apagado o teu pecado» (v. 7). No Novo Testamento, quando Jesus
chamou os seus primeiros discípulos e realizou o prodígio da pesca miraculosa
no lago de Genesaré, Simão Pedro caiu aos seus pés dizendo: «Afasta-Te de mim,
Senhor, porque sou um homem pecador» (Lc 5, 8). A resposta não se fez esperar:
«Não tenhas receio; de futuro serás pescador de homens» (v. 10). E, quando um
dos discípulos de Jesus Lhe pediu: «Senhor, mostra-nos o Pai, e isso nos
basta», o Mestre repondeu: «Quem Me vê, vê o Pai» (Jo 14, 8.9).
Por isso, o convite do Senhor a encontrá-Lo é
dirigido a cada um de vós, independentemente do lugar e situação em que vos
encontrardes. Basta «tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O
procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este
convite não lhe diz respeito» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 3). Todos somos
pecadores, necessitados de ser purificados pelo Senhor. Mas basta dar um
pequeno passo em direcção a Jesus para descobrir que Ele está sempre à nossa
espera de braços abertos, especialmente no sacramento da Reconciliação, ocasião
privilegiada de encontro com a misericórdia divina que purifica e recria os
nossos corações.
Sim, queridos jovens, o Senhor quer encontrar-nos,
deixar-Se «ver» por nós. «E como?»: poder-me-íeis perguntar. Também Santa
Teresa de Ávila, nascida na Espanha precisamente há quinhentos anos, já de
pequenina dizia aos seus pais: «Quero ver a Deus». Depois descobriu o caminho da
oração como «uma relação íntima de amizade com Aquele por quem nos sentimos
amados» (Livro da Vida 8, 5). Por isso, pergunto-vos: Vós rezais? Sabeis que
tendes possibilidade de falar com Jesus, com o Pai, com o Espírito Santo, como
se fala com um amigo? E não um amigo qualquer, mas o vosso amigo melhor e de
maior confiança! Tentai fazê-lo, com simplicidade. Descobrireis aquilo que um
camponês d’Ars dizia ao santo cura do seu país: quando estou em oração diante
do Sacrário, «eu olho para Ele e Ele olha para mim» (Catecismo da Igreja
Católica, 2715).
Uma vez mais convido-vos a encontrar o Senhor,
lendo frequentemente a Sagrada Escritura. E, se não tiverdes ainda o hábito de
o fazer, começai pelos Evangelhos. Lede um pedaço cada dia. Deixai que a
Palavra de Deus fale aos vossos corações, ilumine os vossos passos (cf. Sal
119/118, 105). Descobrireis que se pode «ver» a Deus também no rosto dos
irmãos, especialmente os mais esquecidos: os pobres, os famintos, os sedentos,
os forasteiros, os doentes, os presos (cf. Mt 25, 31-46). Já alguma vez
tivestes a experiência disto? Queridos jovens, para entrar na lógica do Reino
de Deus, é preciso reconhecer-se pobre com os pobres. Um coração puro é
necessariamente também um coração despojado, que sabe abaixar-se e partilhar a
sua vida com os mais necessitados.
O encontro com Deus na oração, através da leitura
da Bíblia e na vida fraterna ajudar-vos-á a conhecer melhor o Senhor e a vós
mesmos. Como aconteceu com os discípulos de Emaús (cf. Lc 24, 13-35), a voz de
Jesus inflamará os vossos corações e abrir-se-ão os vossos olhos para
reconhecer a sua presença na vossa história, descobrindo assim o projecto de
amor que Ele tem para a vossa vida.
Alguns de vós sentem ou hão-de sentir a chamada do
Senhor para o matrimónio, para formar uma família. Hoje, muitos pensam que esta
vocação esteja «fora de moda», mas não é verdade! Precisamente por este motivo,
a Comunidade eclesial inteira está a viver um período especial de reflexão
sobre a vocação e a missão da família na Igreja e no mundo contemporâneo. Além
disso, convido-vos a tomar em consideração a chamada à vida consagrada ou ao
sacerdócio. Como é belo ver jovens que abraçam a vocação de se darem plenamente
a Cristo e ao serviço da sua Igreja! Ponde-vos a pergunta a vós mesmos com
ânimo puro e não tenhais medo daquilo que Deus vos pede! A partir do vosso
«sim» à chamada do Senhor, tornar-vos-eis novas sementes de esperança na Igreja
e na sociedade. Não esqueçais: a vontade de Deus é a nossa felicidade!
4. Em
caminho para Cracóvia
«Felizes os puros de coração, porque verão a Deus»
(Mt 5, 8). Queridos jovens, como vedes, esta Bem-aventurança está intimamente
relacionada com a vossa vida e é uma garantia da vossa felicidade. Por isso,
repito-vos mais uma vez: tende a coragem de ser felizes!
A Jornada Mundial da Juventude deste ano conduz à
última etapa do caminho de preparação para o próximo grande encontro mundial
dos jovens em Cracóvia, no ano de 2016. Precisamente há trinta anos, São João
Paulo II instituiu, na Igreja, as Jornadas Mundiais da Juventude. Esta
peregrinação juvenil através de todos os Continentes, sob a guia do Sucessor de
Pedro, foi verdadeiramente uma iniciativa providencial e profética. Juntos,
damos graças ao Senhor pelos preciosos frutos que a mesma produziu na vida de
tantos jovens por toda terra. Quantas descobertas importantes, sobretudo as de
Cristo, Caminho, Verdade e Vida, e da Igreja como uma família grande e
acolhedora! Quantas mudanças de vida, quantas decisões vocacionais brotaram
daqueles encontros! O Santo Pontífice, Padroeiro das JMJ, interceda pela nossa
peregrinação rumo à sua Cracóvia. E o olhar materno da Bem-aventurada Virgem
Maria, a cheia de graça, toda bela e toda pura, nos acompanhe neste caminho.
Vaticano, 31 de Janeiro – Memória de São
João Bosco – do ano 2015
FRANCISCUS
Boletim da Santa Sé
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