O carnaval é uma realidade. Ele aí está e penetra pelos olhos. Melhor dizendo, já vivemos esse clima há várias semanas.
Todo
indivíduo sente necessidade de alegria. Sem ela, a existência se torna
insuportável. A própria saúde física se ressente. Diz a Sagrada Escritura, no
livro Eclesiastes (9, 15ss): Por isso louvei a alegria, visto não haver nada de
melhor para o homem (…) é isto que o acompanha no seu trabalho, durante os dias
que Deus lhe outorgar debaixo do sol. E o Senhor, nos Provérbios (2,14-15),
lembra que há limites, pois são reprovados os que se alegram por terem feito o
mal e se regozijam na perversidade do vício, cujos caminhos são tortuosos e se
extraviam por vias oblíquas.
Os
festejos carnavalescos têm remota e obscura origem eclesiástica. Tanto assim que
dependem de uma data móvel do calendário litúrgico. Antecedem sempre o início
da Quaresma. Terminam quando terminam – com as cinzas da quarta-feira. E a
Igreja, em seu ritual, recorda ao homem a fragilidade de sua condição: Lembra-te,
ó homem, que és pó e ao pó hás de tornar.
Encaro
com realismo esses dias ruidosos. Devemos ter a coragem de avaliar o que ocorre
na Cidade. Por vezes, assumem proporções de verdadeiras orgias coletivas, com
crescente degradação dos padrões morais e agressão à dignidade humana.
O
carnaval perde, aos poucos, seu sentido original de diversão simples do próprio
povo. Vem a ser mais um espetáculo para turistas, e oportunidade aos menos
escrupulosos de extravasar baixos instintos, esperando contar com certa
cumplicidade do meio ambiente. Aumentam os crimes, os atentados ao pudor, as
violências e o excesso de álcool. Cresce o consumo das drogas, que geram os dependentes,
porque usaram abusivamente sua independência.
O corpo
humano tem uma dignidade inalienável. Não pode ser profanado pelo exibicionismo
desregrado. Aviltar dessa maneira a beleza é atingir o próprio Deus, de onde
emana tudo o que temos de positivo. São Paulo nos ensina: Fugi da fornicação.
Todo pecado, que o homem comete, é exterior ao seu corpo; aquele, porém, que se
entrega à fornicação, peca contra o próprio corpo”! Ou não sabeis que o vosso
corpo é templo do Espírito Santo? (1Cor 6,18-19). E o Apóstolo é incisivo: Se
alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá (Idem 3,17).
Em uma
cidade onde persistem tão grandes carências básicas, são feitos gastos
suntuosos de brevíssima utilização, com os efeitos negativos. Tentam
acobertá-los sob o pretexto de divisas ou razões semelhantes. Também a gente
humilde se impõe pesadas privações para ostentar galas efêmeras. É despendido
em poucos dias ou em horas o que se economizou durante o ano inteiro, talvez
com sacrifício da alimentação da própria família. Explicações ou motivos
alegados não justificam essa dura realidade.
Compreendo
a necessidade da descontração na vida de um povo sofrido. Entendo também que há
limites. Ultrapassá-los é cair na insensatez coletiva.
Não tenho
a ingenuidade de pretender reviver padrões de comportamento de um passado que
não volta. Insisto, isto sim, em afirmar que há formas nobres, simples e sadias
de lazer. Elas irradiam a alegria autêntica que refaz as forças do corpo e
aumenta as energias do espírito. Igualmente, não nego aspectos positivos nesses
festejos. Contudo, tomados como um todo, merecem restrições ditadas pelo mais elementar
bom senso.
Que
fazer, então? Refletir, durante esses dias, sobre as consequências que poderão
advir. Isso nos conduz a uma indispensável moderação, distinguindo, do que há
de aceitável, aquilo que encerra em seu bojo condenáveis manifestações de baixos
instintos. Afinal, somos seres racionais e não simples animais, destituídos de
razão. Isso nos possibilita selecionar, o que é saudável, nesse período que
antecede a Quaresma e rejeitar o que fere uma consciência cristã. Assim
evitamos desgraças irrecuperáveis.
Recordamos
o que nos diz João Paulo II: Tenho diante dos olhos a imagem da geração de que
fazemos parte: a Igreja compartilha a inquietude de não poucos homens
contemporâneos. E no entanto, há que preocupar-se ainda com o declínio de
muitos valores fundamentais, que constituem um bem incontestável, não só da
moral cristã mas também, simplesmente, da moral humana, da cultura moral
(Encíclica Dives in Misericordia).
Por uma
submissão generosa, o homem prudente orienta seu procedimento, discernindo o
aceitável e repudiando tudo aquilo que contraria frontalmente nossa qualidade
de filhos de Deus. Temos que compreender nossa época, inseridos que somos no
mundo, mas é preciso coragem para reprovar o que se opõe à dignidade humana,
fundamentada no Evangelho de Cristo. Muitos são severos nos julgamentos, aliás
justos, da corrupção pública. Costumam, entretanto, omitir-se nesse outro tipo
de devassidão coletiva, igualmente consequência de uma sociedade impregnada de
critérios materialistas.
Dezenas
de milhares de católicos que não saem do Rio participam de retiros espirituais.
Como exemplo, o Retiro Rio de Água Viva, promovido pela Renovação Carismática
Católica. Foi iniciado em 1981, em uma paróquia, reunindo 300 pessoas,
gradativamente foi crescendo, levando os organizadores a realizá-lo no Ginásio
do Maracanãzinho. Durante muito tempo reuniu milhares de adultos e jovens, do
sábado à terça-feira de carnaval, sempre de 9 às 18 horas. Hoje, devido às
obras desse local, é utilizado o ginásio esportivo de um grande colégio. São
quatro dias em que as pessoas acorrem ao sacramento da confissão, atendidas
diariamente por dezenas de sacerdotes; participam intensamente da celebração da
Eucaristia e de outros atos de piedade.
Recordo-me
que num determinado ano, ao encerrar esse retiro, a assistência aproximada era
de 20.000 pessoas, em parte ponderável composta por jovens. Em muitos outros
locais são promovidos retiros espirituais em regime de internato e também
retiros menores nas paróquias, que têm significativa presença. Em muitas
igrejas o Santíssimo Sacramento é exposto e atos de reparação pelos pecados
cometidos são realizados.
Quando,
no estrangeiro, ouço referências desabonadoras ao Rio de Janeiro, a propósito
de excessos ocorridos no Carnaval, costumo lembrar que a cidade, nesses dias,
possui, também, outra face, que nobilita seus habitantes. E cito esses retiros,
para que tenham uma ideia correta de nossa realidade.
Recentemente,
tive notícia que denigre o nosso país. Um determinado site e pelo visto não é
o único faz propaganda de turismo no Rio, no carnaval, apresentando cenas de
festas regadas à bebida e exploração da figura feminina. Pelo visto, o Rio de
Janeiro e outras capitais só podem merecer visitantes que se interessem por
isso.
O
carnaval constitui um desafio. Deve nos impulsionar a alguma atitude positiva,
distinguindo o direito ao lazer dos abusos oriundos dos desvios morais, tentam
obscurecer a nobreza do espírito. Os excessos e aí está o que há de condenável
nesses festejos em vez de deixarem o ânimo abatido no cristão, estimulam
nossa confiança no Salvador, possibilidade de recuperação, sempre latente no
íntimo de nossos irmãos. Condenemos o mal, mas confiemos no poder de Deus.
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Canção Nova
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Canção Nova
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