Seguem alguns
trechos das falas do cardeal Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, em
diálogo com o rabino Abraham Skorka, reitor do Seminário Rabínico
Latino-americano. O livro "Sobre o céu e a terra" é o resultado de
uma série de conversas profundas, realizadas na sede do Episcopado e na
comunidade judaica Benei Tikva. Com essas respostas podemos ter uma melhor
ideia dos pensamentos deste Papa e também desfazer alguns mitos.
Crer ou não
no Demônio?
"O Demônio é, teologicamente, um ser que optou
por não aceitar o plano de Deus. (...) Acredito que o Demônio existe. Talvez
seu maior sucesso nestes tempos tenha sido nos fazer acreditar que ele não
existe, que tudo se arranja em um plano puramente humano." (p. 19)
O uso da
batina
"Hoje, os padres já não usam batina. Mas um
sacerdote recém-ordenado usava, e alguns padres o criticavam. Então, ele
perguntou a um sacerdote sábio: "É errado eu usar batina?". O sábio
lhe respondeu: "O problema não é que a use, mas que a arregace quando a
tiver que arregaçar para trabalhar pelos outros" (p. 31)
A herança da
fé não se negocia
"Nos séculos III e IV formularam-se
teologicamente as verdades de fé reveladas e transmitidas, que são
inegociáveis, a herança. Isso não significa que ao longo da história, pelo
estudo e pela pesquisa, não se vão encontrando luzes sobre essas verdades: como
é Jesus, como se configura a Igreja, como é o verdadeiro comportamento cristão,
como são os mandamentos. Tudo isso vai se enriquecendo com as explicações.
Certas coisas são opináveis, mas - repito - a herança não se negocia. O
conteúdo da fé religiosa é passível de ser aprofundado pelo pensamento humano,
mas, quando esse aprofundamento colide com a herança, é heresia."(p. 32)
Sobre os
movimentos pentecostais
"Nasce em mim uma natural desconfiança quando
surgem os fenômenos curadores, inclusive quando aparecem as revelações, as
visões; essas coisas me deixam na defensiva. Deus não é uma espécie de empresa
de logística, que envia mensagens o tempo todo. (...) Pensar que o que o senhor
ou eu sentimos como consolação espiritual, quando oramos, seja uma profecia ou
uma revelação para todo o mundo é uma ingenuidade muito grande. Às vezes, as
pessoas sentem coisas e, por conta de uma má interpretação ou um desequilíbrio
psíquico, algumas confundem isso com uma profecia. (...) Outra questão, mais
fácil de interpretar é a cura. Hoje, com estudos da parapsicologia, com
opiniões de oncologistas que dizem que há influência do psíquico sobre o
físico, algumas coisas podem ser explicaras. Também existe a intercessão
ministerial de um rabino ou presbítero que ora ou pede pela saúde do outro, e
acontece. Para mim, o que avalia uma pessoa que age segundo a lei de Deus na
cura é a simplicidade, a humildade, a falta de espetaculosidade. Do contrário,
mais que cura, pode ser um negócio." (p. 41)
Manter o
celibato
"Por ora, sou a favor que se mantenha o
celibato, com seus prós e contras, porque são dez séculos de boas experiências
mais que de falhas. O que acontece é que os escândalos se veem logo. A tradição
tem peso e validez." (p. 50)
"Que o celibato traga como consequência a
pedofilia está descartado. Mais de 70% dos casos de pedofilia se dão no entorno
familiar e vicinal: avós, tios, padastros, vizinhos. O problema não está
vinculado ao celibato. Se um padre é pedófilo, era-o antes de ser padre."
(p. 51)
O feminismo
"O que eu gostaria de acrescentar é que o
feminismo, como filosofia única, não faz nenhum favor a quem diz representar,
porque coloca as mulheres em um plano de luta reivindicativa, e ela é muito
mais que isso. A campanha das feministas da década de 1920 conseguiu o que
queriam e acabou. Mas uma filosofia feminista constante também não dá dignidade
que a mulher merece. Caricaturando, eu diria que corre o risco de se
transformar em um machismo de saia." (p. 90)
Sobre a
adoção de crianças por parceiros homossexuais
"Costuma-se argumentar que uma criança estaria
melhor se criada por um casal de pessoas do mesmo sexo que em um orfanato ou
instituição. As duas situações não são ideais. O problema é que o Estado não
faz o que tem que fazer. (...) Mas a falta do Estado não justifica outra falta
do Estado." (p. 101)
Condenação
ao comunismo e capitalismo
"Na concepção imanente do sistema comunista,
tudo aquilo que é transcendente e indica uma esperança além paralisa o trabalho
do aqui. Portanto, ao paralisar o homem, é um ópio que o torna conformista, que
o faz aguentar, mas não o deixa progredir. Mas esta não é uma concepção apenas
do sistema comunista. O sistema capitalista também tem sua perversão
espiritual: domesticar a religião. Ele a domestifica para que não incomode
tanto, torna-a mundana. Dá-lhe certa transcendência, mas só um pouquinho. Nos
dois sistemas antagônicos pode haver uma concepção de ópio; o comunista porque
quer que todo o trabalho seja o progresso do homem, concepção que já vinha de Nietzsche.
E o capitalista porque tolera uma espécie de transcendência doméstica que
se manifesta no espírito mundano. (123)
"O cristianismo condena com a mesma força
tanto o comunismo quanto o capitalismo selvagem. Existe uma propriedade
privada, mas com a obrigação de socializá-la em parâmetros justos. Um exemplo
claro é o que acontece com o dinheiro que vai para o exterior. O dinheiro tem
pátria, e aquele que explora uma indústria no país e leva o dinheiro para
guardá-lo fora está pecando. Porque não honra com esse dinheiro o país que lhe
dá a riqueza, o povo que trabalha para gerar essa riqueza (129)
Atuação da
Igreja em favor dos judeus
"Há alguns anos, o cardeal Clemens August von
Galen foi beatificado porque enfrentou os nazistas. Não sei como fez para
salvar sua própria vida, foi um bispo muito corajoso que desde o início
denunciou como o nazismo agia. Pio XI falava perfeitamente alemão e nesse
idioma escreveu uma encíclica que, se a analisarmos hoje, não perdeu a
atualidade. (...) Quando Pio XII morreu, Golda Meir mandou uma carta
reconhecendo que ele havia salvado muitos judeus (...) Alguns sobreviventes
depois foram agradecer ao Papa. O Vaticano tem casas que ficam fora de seus
limites, em território italiano, onde muitos judeus se esconderam." (p.
144)
O povo
depositário das promessas
"Uma frase do Concílio Vaticano II é chave:
diz que Deus se manifesta a todos os homens e em primeiro lugar resgata o povo
depositário das promessas. E como Deus é fiel a suas promessas, isso não foi
repudiado. A Igreja reconhece oficialmente que o povo de Israel continua sendo
depositário das promessas. Em nenhum momento diz: "Perderam o jogo, agora
é nossa vez". É um reconhecimento ao povo de Israel (...) Além de tudo, o
povo judeu não pode ser acusado de deicídio, como aconteceu durante muito
tempo. Quando lemos o relato da Paixão, fica claro. É como se acusassem todo o
povo argentino pela administração de um dado governo".' (p. 148)
Um
mal-entendido
"A primeira vez que os evangélicos me
convidaram para uma de suas reuniões no Luna Park, o estádio estava cheio.
Nesse dia falaram um sacerdote católico e um pastor evangélico. Fizeram duas
palestras cada um, intercaladas, com um intervalo para comer uns sanduichinhos
ao meio-dia. Em dado momento, o pastor evangélico pediu que todos rezassem por
mim e por meu ministério. Ele havia me perguntado se eu aceitaria que rezassem
por mim e eu respondera que sim, claro. Quando todos rezavam, a primeira coisa
que me ocorreu foi me ajoelhar, um gesto muito católico, para receber a oração
e a bênção das 7 mil pessoas que estavam ali. Na semana seguinte, uma revista
publicou: "Buenos Aires, Sé vacante. O arcebispo cometeu o delito de
apostasia". Para eles, orar junto aos outros era apostasia (...) Cada um
reza segundo a sua tradição, qual é o problema?" (p. 172)
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Fonte: Sobre
o Céu e a Terra: o que pensa o novo papa Francisco sobre a família, a fé e o
papel da Igreja no século XXI. - Jorge Bergoglio e Abraham Skorka.
Disponível
em: Apologistas Católicos
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