A epidemia do Zika vírus e a consequente ameaça aos
fetos de ocorrer microcefalia reacendem o debate sobre a legalização do aborto
no Brasil. Entrar num diálogo sobre essa questão é tarefa difícil, pois a
gravidade da situação não favorece ponderar os diferentes aspectos da
problemática. Uma visão imediatista e pragmática, contudo, sugere
resolver o impasse com recurso ao aborto. Na prática, não faltará
quem induza a essa “prevenção”.
A microcefalia é uma condição neurológica rara em
que a cabeça e o cérebro da criança são significativamente menores do que a de
outras da mesma idade e sexo. Seu cérebro não cresce o suficiente durante a
gestação ou após o nascimento. Crianças com microcefalia têm problemas de
desenvolvimento e não há uma cura definitiva, entretanto, tratamentos realizados
desde os primeiros anos podem melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida.
Acolher e cuidar de bebês com microcefalia é um ato de amor e acolhimento dos
mais indefesos da sociedade. Mesmo assim, não faltam vozes clamando o direito
ao aborto para fetos diagnosticados com microcefalia.
Nesse contexto, não podemos evitar perguntas
fundamentais: Quando inicia a vida qualitativamente humana num embrião? O feto
é uma pessoa ou apenas um conglomerado de células à mercê da mulher que o
carrega no útero? A partir de que dia, ou momento, o feto pode ser
considerado pessoa humana? Para alguns, a vida humana inicia na concepção e,
portanto, o aborto seria um crime. Outros entendem que, nas primeiras fases da
gestação, não se pode pensar em vida qualitativamente humana. Por isso, o
aborto, nos primeiros meses de gravidez, poderia ser autorizado.
Os dados das ciências biomédicas não identificam um
momento definido e aceito consensualmente como o marco inicial da vida humana.
A escola genética, contudo, em contraposição à desenvolvimentista, entende o
resultado da fecundação como algo vivo; biologicamente diferente do útero
materno; uma combinação dos cromossomos com patrimônio genético novo; vida
biologicamente humana e individual, com herança genética própria e exclusiva,
derivada da combinação dos 23 pares cromossômicos. Qualquer decisão sobre
abortar, portanto, depende de “um” ponto de vista. Não há consenso. Então, como
decidir?
Para além dos aspectos legal e religioso, está o
problema moral do aborto. Legalizar não significa abolir o caráter mau da ação.
No momento em que se reinvindica o direito ao aborto, há uma tendência de
privatizar a questão e reduzi-la somente ao ponto de vista jurídico. Pode,
então, o aborto ser reinvidicado como direito? Todo direito defende, promove e
produz o bem para a pessoa e a sociedade. O aborto elimina uma vida humana e,
portanto, é um mal. Países com prática abortiva não resolveram o dilema ético
que constitui o núcleo da questão.
Conforme a tradição cristã, já na concepção, tem
início uma nova vida, dom do Criador e, ao mesmo tempo, responsabilidade e
tarefa a ser assumida pelas pessoas. Em seu mistério, a vida do ser humano
encerra um caráter de sacralidade e, portanto, é inviolável. Na defesa do feto,
pretende-se que a humanidade seja honrada para além de toda utilidade,
vantagens ou interesses. Assim, o aborto, sobretudo nos casos de gestação de
criança portadora de patologias, torna-se a prova real de desrespeito para com
todo o gênero humano, de redução simplificada do que realmente é um ser humano.
O aborto não é “solução” para nenhum problema social, é somente uma medida
anódina. A prioridade não deveria ser a luta pela legalidade do aborto, mas
pela dignidade da vida da pessoa humana, independentemente do estágio ou da
situação em que se encontre.
Dom Leomar
Antônio Brustolin
Bispo
Auxiliar de Porto Alegre
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