Uma das afirmações bíblicas mais conhecidas e fonte
do humanismo cristão diz que o homem foi feito “à imagem e semelhança de Deus”.
Porém, qual seria o significado dessa expressão? “Imagem” e “semelhança”
significam a mesma coisa ou há algo de específico em cada uma dessas
noções? O homem, com o pecado, perdeu a imagem ou a semelhança com Deus?
Santo Tomás de Aquino tratou com profundidade essas questões na sua Suma
Teológica (I, q. 93, arts. 1-9) e vamos procurar expor o que ele disse numa
série de textos.
Em primeiro lugar, parece que a expressão “à imagem
e semelhança de Deus” não é muito adequada, pois São Paulo disse no Novo
Testamento que somente Cristo é o primogênito de toda criatura e imagem
perfeita de Deus (Col. 1, 15). Esse versículo parece fazer o antigo texto de
Gênesis obsoleto.
Entretanto, a afirmação do Antigo Testamento,
“façamos o homem a nossa imagem e semelhança” (Gn. 1, 26), não pode ser
abandonada. É uma afirmação verdadeira e sempre válida. É preciso compreender o
que distingue as noções de “imagem” e “semelhança” para compreender o sentido
dos dois versículos bíblicos antes citados.
Segundo Santo Agostinho, “onde se dá a imagem se dá
imediatamente a semelhança, mas onde há semelhança não há imediatamente imagem”
(Octaginta trium quaest.). Isso significa que “semelhança” é essencial à
imagem, fazendo parte daquela noção. “Imagem” então acrescenta algo ao conceito
de “semelhança”: a noção de ser sido feito por outro. Uma imagem imita a outra
coisa e depende sempre da coisa que imita. A imagem é, pois, uma semelhança que
depende necessariamente de outro e deriva do ato de imitar. O exemplo que dá
Santo Tomás é ilustrativo: um ovo pode ser semelhante a outro, sem ser imagem
daquele. A imagem de um homem no espelho é semelhante ao homem, e procede
necessariamente dele.
A imagem inclui em si a noção de semelhança e
acrescenta a ela a ideia de ser dependente de outro. A noção de imagem, porém,
não requer a igualdade. A imagem de uma pessoa pode ser refletida no espelho, o
que não faz que haja igualdade total entre a pessoa e sua imagem. Porém, se
houver a igualdade, diz-se que imagem é uma perfeita imitação do que foi
representado. Sendo assim, o homem é imagem de Deus porque há certa semelhança
de Deus nele. O homem, de fato, depende dele como sua causa última. Não há, porém,
igualdade entre Deus e o homem, visto que Deus supera infinitamente o mesmo
homem.
O homem, portanto, possui uma imagem imperfeita de
Deus. Por isso Gen. 1, 26 diz que o homem foi criado “à imagem e semelhança de
Deus”. “À” indica precisamente aproximação.
Jesus Cristo, por sua vez, é o primogênito de toda
criatura e imagem perfeita de Deus (Col. 1, 15). Note-se que São Paulo diz que
Jesus é Imagem de Deus, e não “à imagem”. Isso significa que o Filho possui uma
semelhança perfeita com o Pai, pois ambos possuem a mesma natureza divina.
Jesus Cristo, de fato, é “Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus
verdadeiro, gerado não criado, consubstancial ao Pai” (Credo
Niceno-constantinopolitano). Santo Tomás faz a seguinte comparação: em Jesus
Cristo se dá a imagem de Deus assim como a imagem de um rei está presente no
seu filho natural. A imagem de Deus no homem, por sua vez, se dá como a imagem
de um rei na sua moeda.
Desse modo, fica esclarecido que o homem foi feito
“à imagem e semelhança de Deus” e Jesus Cristo é a Imagem perfeita de Deus,
pois quem o vê, vê o Pai (Jo. 14, 7).
Pe. Anderson
Alves,
Doutor em
filosofia na Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma e professor na
Universidade Católica de Petrópolis, Brasil.
Fonte:
ZENIT
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