O Evangelho de São Mateus narra que, em determinado
dia, Jesus estava pregando e sua mãe e irmãos procuravam falar com Ele. Ao ser
informado disso, Jesus respondeu: "Quem é minha mãe, e quem são meus
irmãos?"; em seguida, apontou para todos os que ali estavam e disse:
"Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu
Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe." (12,
46-50) Igualmente, no Evangelho de São Marcos e de São Lucas, o mesmo evento é
narrado, mas, o que Jesus quis ensinar com essas palavras aparentemente duras?
Não parece possível que Ele tenha realmente
desprezado ou feito pouco caso de sua mãe. Basta recordar a passagem referente
ao jovem rico, quando Ele diz que, para entrar no Reino do Céu, é preciso
honrar pai e mãe:
"Alguém
aproximou-se de Jesus e disse: ‘Mestre, que devo fazer de bom para ter a vida
eterna?’ Ele respondeu: ‘Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom.
Se queres entrar na vida, observa os mandamentos’. - ‘Quais’, perguntou ele.
Jesus respondeu: Não cometerás homicídio, não cometerás adultério, não
roubarás, não levantarás falso testemunho, honra pai e mãe, ama teu próximo
como a ti mesmo." (Mateus 19, 16-19)
Mais plausível seria pensar que Jesus desejasse
mostrar, nessa passagem, que a salvação não estaria mais ligada ao sangue do
povo judeu e ensinando, assim, que o novo povo de Deus deve ser baseado na fé e
na obediência à vontade divina.
No Antigo Testamento, para uma pessoa ser inserida
no ‘povo de Deus’, bastava o nascimento; não era preciso fazer nada, poder-se-ia
dizer que a salvação era genética. Evidentemente que, por causa disso, os
judeus desprezavam aqueles que não faziam parte da ‘raça eleita’, os goyn, os
gentios. O que Jesus faz, portanto, é quebrar o paradigma dos laços sanguíneos.
Alguns versículos antes do episódio com sua mãe, Ele havia sinalizado esse novo
modo de ser povo de Deus quando disse:
"Então,
alguns escribas e fariseus disseram a Jesus: ‘Mestre, queremos ver um sinal da
tua parte.’ Ele respondeu-lhe: ‘Uma geração perversa e adúltera busca um sinal,
mas nenhum sinal lhe será dado, a não ser o sinal do profeta Jonas. De fato,
assim como Jonas esteve três dias e três noites no ventre da baleia, assim
também o Filho do Homem estará três dias e três noites no ventre da terra. No
dia do Juízo, os habitantes de Nínive se levantarão juntamente com esta geração
e a condenarão, pois eles mostraram arrependimento com a pregação de Jonas. No
dia do Juízo, a rainha do Sul se levantará juntamente com esta geração e a
condenará; pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de
Salomão, e aqui está quem é mais do que Salomão" (Mateus 12, 38-42)
Ora, a ‘geração perversa e adúltera’ a que Jesus
referiu-se são os judeus, a raça eleita. Jonas não queria pregar em Nínive,
como é sabido, porque lá eram todos gentios; no entanto, ele prega e os
ninivitas se convertem. Da mesma forma, a rainha de Sabá, uma mulher negra,
etíope, não pertencia ao povo de Israel, mas ela ouve a mensagem de Salomão.
Logo, o que Jesus está fazendo é escandalizar os
judeus ao seu redor, dizendo que o que passa a valer é a conversão, é fazer a
vontade de Deus, obedecendo os mandamentos e não mais apenas os laços de
sanguíneos. A "nova" família de Jesus é formada por aqueles que fazem
a vontade de Deus que está no céu. O novo povo de Deus está baseado, portanto,
na fé.
Nesse viés, Maria Santíssima passa a ser honrada
não tanto por ter dado a carne ao Salvador, mas por tê-lo concebido na
obediência: "Faça-se em mim segundo a Tua vontade" (Lucas 1, 38). É
por isso que justamente esta passagem controversa dos Evangelhos é usada pela
Igreja para as missas em honra à Ela. No missal de Pio V, utilizado até o ano
de 1969, nas missas votivas de Nossa Senhora, o Evangelho proclamado era sempre
esse. Portanto, Jesus não desprezou sua mãe com essas palavras. A mãe de Jesus
é aquela que faz a vontade do Pai. A graça maior de Maria Santíssima foi ter
acreditado e feito a vontade de Deus em sua vida.
Padre Paulo
Ricardo
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Cristo Nihil
Praeponere
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