O Evangelho
da mulher de Jesus! Estranho, mas é esse o título dado pela pesquisadora
Karen King, da Universidade de Harvard, a um minúsculo pedaço de papiro copta
encontrado recentemente. Especialistas se dividem na opinião sobre a
autenticidade do documento. Falta ainda o teste com carbono 14 para comprovar a
sua datação, postulada no século IV. Trata-se de frases soltas: “Não [para mim]. Minha mãe me deu a vi[da]
(1). Os discípulos disseram a Jesus: (2); negar; Maria é digna disso (3). Jesus
disse a eles: Minha mulher (4). Ela conseguirá ser minha discípula (5). Que os
perversos se encham (6). Quanto a mim habito com ela para que (7). Uma imagem
(8).
O uso de termos gnósticos – corrente de pensamento
(séculos de 1 a 7) que acreditava na salvação pelo conhecimento –, como: mãe, vida, Maria é digna disso, minha mulher
e perverso, se encham sinaliza que pode se tratar de pedaço do evangelho
apócrifo – texto usado de forma escondida pelos cristãos e que não foram
considerados inspirados – gnóstico de Maria Madalena (ano 150), do qual faltam
as páginas de 1 a 6. Assim, estamos diante de mais um texto gnóstico cristão.
Os gnósticos consideravam Maria Madalena como a companheira de Jesus. O
evangelho de Filipe afirma: “Eram três
que acompanhavam sempre o Senhor: sua mãe Maria, a irmã dela, e Madalena, que é
chamada de sua companheira, consorte” E ainda: “A companheira de Cristo é Maria
Madalena. O Senhor amava Maria Madalena mais que todos os discípulos, e a
beijava na boca repetida vezes. Os discípulos lhe disseram: Por que a amas mais
que a nós? O Salvador respondeu dizendo: Como é possível que eu não vos ame
tanto quanto a ela?” No evangelho de Maria Madalena, Pedro reconhece que
Jesus amava Madalena diferentemente das outras mulheres e pergunta apavorado: “Será que Ele verdadeiramente a escolheu e a
preferiu a nós?”. Levi defende Maria Madalena e chama a atenção de Pedro
por agir de forma misógina com as mulheres, como os adversários. O apócrifo
Perguntas de Maria também admite que Madalena era amante, parceira sexual ou
esposa carnal de Jesus. Opinião considerada exagerada e contestada por Pistis Sophia. Assim sendo, o fragmento
encontrado é mais um testemunho da crença nos primórdios do cristianismo e na
relação matrimonial entre Jesus e Madalena. O que dizer de tudo isso? Com
certeza, essa dúvida vai permanecer para sempre. Para os gnósticos, a união
entre o masculino e o feminino era vista numa esfera espiritual de superação da
divisão corpórea. Jesus e Madalena eram vistos como exemplo dessa integração. O
beijo entre eles é a expressão desse desejo espiritual que comunicava o saber.
Da afirmativa “minha mulher” decorre um Jesus homem
que ama uma mulher, como todos os homens do seu tempo. Onde está o erro nisso?
Como bom judeu, Jesus jamais teria proibido essa relação humana e divina. O que
não contradiz com o seu conselho de vida celibatária dada aos que queriam se
dedicar de forma integral ao Reino. Na outra ponta da linha, a descoberta desse
papiro mantém na pauta de discussão a questão do celibato do clero, sem, no
entanto, comprovar historicamente que Jesus era casado.
No dito de Jesus “Maria é digna disso” está
implícita outra controvérsia: a liderança apostólica da mulher. Em 201,
Tertuliano escreve, proibindo as mulheres de ensinar, exorcizar, batizar,
pregar, oferecer Eucaristia na Igreja, bem como de reivindicar cargo
sacerdotal. Foi nessa época também que iniciou o processo de identificação
errônea da prostituta de Lc 7,36-50 com Madalena, mulher que exerceu forte liderança
entre os apóstolos, esteve ao lado de Jesus e o amou profundamente, sendo sua
discípula amada. Ela foi capaz disso. Ademais, o amor entre Jesus e Madalena é
o que integra tudo em todos. Um amor sublime e humano.
Frei Jacir
de Freitas Faria, OFM
é Padre
franciscano, escritor, mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto
Bíblico, de Roma, especialista em evangelhos apócrifos, professor de exegese
bíblica no Instituto Santo Tomás de Aquino – ISTA, em Belo Horizonte e em
cursos de Teologia para leigos. Autor de uma centena de artigos. Autor e
coautor de quinze livros, sendo o último: Infância apócrifa do menino Jesus.
Histórias de ternura e travessura. Petrópolis: Vozes, 2010. Diretor Geral e
Pedagógico dos Colégios Santo Antônio e Frei Orlando, ambos em Belo Horizonte.
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Franciscanos
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