Estamos no último domingo antes da Ascensão,
que encerra a presença humana de Cristo na terra.A Igreja celebra nos próximos
dias duas grandes festas: Ascensão e Pentecostes; convida-nos a ter os olhos
postos no Céu, a Pátria definitiva a que o Senhor nos chama.
O Evangelho (Jo 14, 23-29) apresenta o final
do discurso da despedida. Cristo promete aos seus discípulos enviar o Espírito
Santo: “Ele vos ensinará e recordará tudo o que vos tenho dito.”
O Senhor prometera aos seus discípulos que,
passado um pouco de tempo, estaria com eles para sempre. “Ainda um pouco de
tempo e o mundo já não me verá. Vós, porém, tornareis a ver-me…” (Jo 14,19-20).
O Senhor cumpriu a sua promessa nos dias em que permaneceu junto dos seus após
a Ressurreição, mas essa presença não terminará quando subir com o seu Corpo
glorioso ao Pai, pois pela sua Paixão e Morte nos preparou um lugar na casa do
Pai, “onde há muitas moradas. Voltarei e tomar-vos-ei comigo, para que, onde eu
estou, estejais vós também” (Jo 14,2-3).
Os Apóstolos, que se tinham entristecido com a
predição das negações de Pedro, são confortados com a esperança do Céu. A volta
a que Jesus se refere inclui a sua segunda vinda no fim do mundo e o encontro
com cada alma quando se separar do corpo. A nossa morte será precisamente o
encontro com Cristo, a quem procuramos servir nesta vida e que nos levará à
plenitude da glória. Será o encontro com Aquele com quem falamos na nossa
oração, com quem dialogamos tantas vezes ao longo do dia.
Da Oração, do trato habitual com Jesus Cristo,
nasce o desejo de nos encontrarmos com Ele. A fé purifica muitas das asperezas
da morte. O amor ao Senhor muda completamente o sentido desse momento final que
chegará para todos. O pensamento do Céu nos ajudará a superar os momentos
difíceis.
Jesus promete aos discípulos o envio de um
defensor (Jo 14, 16-17), de um intercessor, que irá animar a comunidade cristã
e conduzi-la ao longo da sua história. Trata-se do Paráclito que é o nosso
Consolador enquanto caminhamos neste mundo no meio de dificuldades e sob a
tentação da tristeza. “Por maiores que sejam as nossas limitações, nós, homens,
podemos olhar com confiança para os Céus e sentir-nos cheios de alegria: Deus
ama-nos e liberta-nos dos nossos pecados. A presença e a ação do Espírito Santo
na Igreja são o penhor e a antecipação da felicidade eterna, dessa alegria e
dessa paz que Deus nos prepara” (Cristo que passa, nº 128). Invoquemos sempre o
Espírito Santo! Ele é a força que nos anima e sustenta na caminhada cotidiana e
nos revela a verdade do Pai.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos:
Atos 15, 1-2.22-29; Ap 21, 10-14.22-23; Jo 14, 23-29
O Evangelho deste domingo, tirado do capítulo
14 de São João, onde Jesus diz: “Se alguém me ama, guarda a minha Palavra e meu
Pai o amará, e nós viremos a ele, e faremos nele a nossa morada ” (Jo 14, 23).
Estas expressões são dirigidas aos discípulos, mas podem também ser aplicadas a
cada um de nós e fazem parte do discurso de despedida, pronunciado por Jesus
durante a sua última ceia com os Apóstolos.
Depois de apresentar a eles por estatuto o mandamento do amor (cf. Jo
13,1-17;13,33-35), vai agora explicar como eles se manterão, após a sua partida
e a relação com Ele e com o Pai.
O texto ressalta a presença de Deus naquele
que cumpre a vontade do Senhor. E o ato
de crer só se completa no ato de amor a Jesus.
Assim, amar, crer e guardar a palavra são quase sinônimos. Jesus deseja ser amado por nós, deseja de nós
uma relação viva, comprometida, plena de risco e confiança, e na qual
consagremos cada aspecto da nossa vida.
O relato evangélico também sublinha a promessa
do Espírito Santo, aquele que vem completar o ensinamento de Cristo. Jesus lembra aos apóstolos que durante sua
permanência entre eles lhe ensinara muitas coisas. Mas, quando vier o Espírito Santo, que o Pai
enviará em seu nome, lhes ensinará todas as coisas (cf. v. 26). O cristão conta sempre com o auxílio do
Espírito Santo, mesmo nas situações mais contraditórias e conflituosas, pois de
toda crise vivida com amor e confiança em Deus, em sua providência, recebemos
sempre um bem maior do que poderíamos esperar.
O evangelho também nos fala da paz. Disse Jesus: “Deixo-vos a paz, a minha paz
vos dou…”. Esta saudação de paz era dada, tanto no encontro como na despedida.
A palavrapaz aparece cinco vezes nos
últimos capítulos do Evangelho de São João. Duas vezes antes da paixão e três
outras vezes após a ressurreição, como um sinal a certificar a sua união e a
sua amizade para com os seus discípulos. Jesus distingue entre sua paz e a paz
do mundo. A sua paz é um dom, um presente, uma espécie de herança, derivada de
sua partida. O objetivo dessa paz é evitar a perturbação do coração que
invadirá os discípulos, bem como a timidez e o medo, ao se apresentarem perante
as autoridades que condenaram Jesus à morte (cf. Mc 13, 11). Por isso Jesus diz: “Que o vosso coração não
se perturbe, nem se encha de medo” (Jo 14,27).
A paz dada por Jesus é feita de amor, de diálogo, de entendimento e de
colaboração. E é a fonte da mais serena
alegria. Por isso, a Paz que Jesus
transmite deve assumir o lugar da tristeza, do desânimo e da falta de confiança
e até de fé dos discípulos.
Ser cristão é viver na paz. Não em uma paz sem compromisso e instável,
como é, muitas vezes, a paz do mundo. A
paz dada por Jesus é feita de amor.
Jesus deixa a paz aos seus discípulos, paz diferente daquela a que o
mundo oferece. A paz que Jesus nos traz
baseia-se numa relação de amor com Ele.
A paz que o Cristo nos propõe não significa
uma vitória sobre os adversários, mas uma vitória do homem sobre si mesmo, ao
deixar-se vencer, conquistado por Aquele que nos amou e se entregou por nós,
vencido na cruz, mas vitorioso na ressurreição.
E como se constrói a paz? Já nos diz o profeta
Isaías: “A paz será obra da justiça” (Is 32, 17), de uma justiça praticada e
vivida. E o Novo Testamento nos ensina que o pleno cumprimento da justiça é
amar o próximo como a nós mesmos (cf. Mt 22, 39). E São Paulo nos indica as atitudes necessárias
para fazer a paz: “Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, de
humildade, de mansidão, de paciência, suportando-vos uns aos outros e
perdoando-vos mutuamente, se alguém tiver razão de queixa contra outro. Tal
como o Senhor vos perdoou, fazei-o vós também” (Cl 3, 12-13). Estas são as
atitudes que devemos praticar para sermos construtores da paz.
A paz é dom de Deus, porque Ele, com o seu
Espírito, pode imprimir estas atitudes nos nossos corações e na nossa carne, e
fazer de nós verdadeiros instrumentos da sua paz. A paz é dom de Deus, porque é
fruto da sua reconciliação conosco. Somente quando o homem se reconcilia com
Deus é que ele se torna um obreiro de paz.
Na Carta de São Paulo aos Gálatas lemos: “Mas
o fruto do Espírito é paz…” (Gl 5, 22). O amor e a alegria, que são os
primeiros frutos do Espírito Santo, têm como efeito cumular a alma de uma paz
inabalável. Esta é a paz que o Apóstolo Paulo tão ardentemente deseja aos
primeiros cristãos: “Que a paz de Cristo reine nos vossos corações” (cl 3, 15).
A paz está também relacionada com o dom total,
definitivo e supremo do que Deus concede aos homens através de Jesus Cristo. Em
razão disto Deus e Jesus Cristo aparecem nomeados com expressões semelhantes:
“O Deus da paz” (Rm 15,33; Nm 13,20) e “o Senhor da paz” (2Ts 3,14). Mais
propriamente ainda se diz de Cristo: “Ele, de fato, é a nossa paz” (Ef 2,14) e
no mesmo contexto será chamado “aquele que opera ou realiza a paz” (Ef
2,15.17).
Pronunciada por Jesus, a palavra paz se
reveste ainda de um significado de extraordinária eficácia, na própria
saudação: “A paz esteja convosco” (cf. Lc 24,36; Jo 20,19.26). É importante
notar que a mesma força de anúncio e de comunicação da salvação se encontra na
idêntica saudação com que os discípulos imitam Jesus em seus ministérios (cf. Mt
10,13; Lc 10,5-6). Não se trata de um simples desejo ou cumprimento social,
mas, na verdade, da proclamação e oferecimento dos bens relacionados com a paz
messiânica. Para Jesus esta paz é algo tão objetivo e concreto que irá
permanecer naqueles dispostos a acolhê-la; e, ao contrário, ela “voltará” para
o discípulo, caso seja recusada (Mt 10,3; Lc 10,5-6).
Aa paz prometida por Jesus é sentida onde a
vontade de competir, de dominar, de ocupar os primeiros lugares cede lugar ao
serviço e ao amor desinteressado pelos últimos.
A paz do mundo muitas vezes se apresenta como fruto de vitórias sobre os
inimigos, mas a paz de Cristo ocorre quando somos tocados pela virtude do seu
amor e quando não somos contaminados pelo pecado e pelo erro.
Viver esta paz, torná-la presente entre nós,
anunciá-la aos que a desconhecem, é a exigência fundamental da fidelidade dos
discípulos de Cristo. A missão de
evangelizar, anunciar Jesus e sua obra, anunciar a chegada do Reino, sempre foi
entendida pela Igreja como o anúncio e a necessidade de se construir a
comunidade cristã como uma comunidade da paz.
Paz é uma palavra profética por excelência! Paz é o sonho de Deus, é o
projeto de Deus para a humanidade, para a história, com toda a criação.
Peçamos a intercessão da Virgem Maria, Mãe de
Deus e nossa mãe, para que possamos ser todos os dias os portadores da
paz. E ela, a quem invocamos com o
título de Rainha da paz, possa sempre nos conduzir ao seu filho Jesus, o
príncipe da paz. Assim seja.
PARA REFLETIR
No Domingo passado, dizíamos que a Igreja é
fruto da Páscoa do Senhor, que ela nasceu do lado do Cristo morto e
ressuscitado, que ela vive e continua a nascer da água do Batismo e do sangue
da Eucaristia, que o Senhor, na sua fidelidade, haverá de levá-la à plenitude,
que até lá, a Igreja deve ser sinal vivo do Reino de Deus entre as provações da
história e deve viver no amor – herança que o Senhor nos deixou…
No Domingo presente, a Palavra de Deus
continua a nos falar da Igreja, dessa Comunidade do Ressuscitado, Comunidade
que peregrina já há dois mil anos na história humana, como um povo tão pobre,
tão débil, humanamente falando, mas também tão rico e tão forte pela presença
do Ressuscitado entre nós.
É ainda o Apocalipse que nos apresenta, de
modo belíssimo, a glória da Jerusalém celeste, Esposa do Cordeiro, nossa Mãe
católica: “Mostrou-me a Cidade Santa, Jerusalém, descendo do céu, de junto de
Deus, brilhando com a glória de Deus” – Esta Jerusalém gloriosa é a Igreja! Ela
não nasce do povo, não nasce de um projeto humano; ela nasce do coração do Pai,
que, através do Filho Jesus, doador do Espírito, chamou-nos, reuniu-nos,
salvou-nos e fez de nós um novo povo, uma nova cidade, uma nova aliança, início
de uma nova humanidade. A Igreja é a verdadeira Jerusalém, a verdadeira Cidade
de Deus, que desce do céu e que é santificada pelo sangue do Cordeiro e, um
dia, será totalmente transfigurada na glória de Deus. Não na sua própria
glória, mas na de Deus, aquela glória que já brilha na face do Cristo ressuscitado!
Ela é a herança e a realização plena do antigo
povo de Israel, ela é a plenitude do povo de Israel, é o Israel da nova
aliança. Por isso, “nas suas portas estavam escritos os nomes das doze tribos
de Israel”. Mas, a Igreja é mais que Israel: ela é aberta a todos os povos,
suas portas são abertas para todos os lados: “havia três portas do lado do
oriente, três portas do lado norte, três portas do lado sul e três portas do
lado do ocidente”. A nova Jerusalém é católica, é aberta a todos, aberta em
todas as direções, pois nela todos os povos, todas as culturas terão abrigo. A
Igreja não é simplesmente uma continuação do antigo Israel e a nova aliança não
é simplesmente uma continuação da antiga! Não somos judeus! Em Cristo, tudo foi
renovado: “Eis que eu faço novas todas as coisas!” (Ap 21,5). Se a Igreja tem
nas suas portas os nomes das doze tribos de Israel, tem, por outro lado, como
alicerce, o doze apóstolos do Cordeiro: “A muralha da cidade tinha doze
alicerces, e sobre eles estavam escritos os nomes dos doze apóstolos do
Cordeiro”. Isso aparece muito claramente na primeira leitura da Missa de hoje:
os apóstolos, assistidos pelo Espírito Santo, decidiram que os cristãos vindos
do paganismo não necessitavam tornarem-se judeus, não precisavam cumprir a Lei
de Moisés! Os cristãos não são uma seita judaica! É interessante como os
apóstolos, ao tomarem uma decisão tão importante, tinham consciência de que
eram assistidos pelo Espírito do Cristo ressuscitado: “Pareceu bem ao Espírito
Santo e a nós…” – foi o que eles disseram… o que a Igreja ainda hoje diz,
quando os bispos, sucessores dos apóstolos, decidem algo sobre a fé, em
comunhão com o Sucessor de Pedro. A Igreja sabe e experimente que o seu Esposo
ressuscitado não a abandona; não a abandonará jamais! Recordemos a promessa de
Jesus no Evangelho de hoje: “O Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará
em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará o que eu vos tenho dito”.
Este Espírito Santo santifica continuamente a Igreja, guia-a, sustenta-a, vivifica-a,
orienta-a! Ele é a própria vida do Ressuscitado em nós, seja pessoalmente, seja
como comunidade de fé. Por isso Jesus olha para nós e pode dizer com toda
verdade e segurança e com toda eficácia: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou!
Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes o que eu vos disse:
‘Vou e voltarei a vós!’” – É verdade: o Ressuscitado permanece conosco na
potência do seu Espírito! Não precisamos ter medo, não precisamos nos sentir
sozinhos, confusos, abandonados: na potência do Espírito, o Cristo estará
sempre conosco!
É por isso que o Autor sagrado afirma ainda:
“Não vi nenhum templo na cidade, pois o seu Templo é o próprio Senhor, o Deus
Todo-poderoso, e o Cordeiro. A cidade não precisa de sol, nem de luz que a
iluminem, pois a glória de Deus é a sua luz e a sua lâmpada é o Cordeiro”. Que
imagens, irmãos e irmãs! A Igreja, nova Jerusalém está toda imersa em Deus e no
seu Cristo. Ela mesma é templo de Deus no Espírito Santo! Ela vive na luz do
Cristo, apesar de caminhar nas trevas deste mundo! Para o mundo, que somente
pode enxergar a Igreja na sua realidade exterior, ela é apenas mais uma
instituição, entre tantas do mundo. Mas, para nós, que cremos, para nós somos
Igreja viva, para nós que dela nascemos e nela vivemos, para nós que nos
nutrimos de seus sacramentos, ela é muito mais, ela é este admirável mistério
de fé! É isto que queremos dizer quando dizemos: “Creio na Igreja, una, santa,
católica e apostólica”. Renovemos nossa fé na Igreja e mergulhemos cada vez
mais no seu mistério, pois é aí, é aqui, que podemos viver na nossa vida o
mistério e a salvação do Cristo, nosso Deus.
Gostaria de terminar com as palavras de Carlo
Carreto:
“Como és contestável para mim, Igreja! E, no
entanto, como te amo!
Como me fizeste sofrer! E, no entanto, quanto
te devo!
Gostaria de te ver destruída. E, no entanto,
tenho necessidade de tua presença.
Deste-me tantos escândalos! E, no entanto, me
fizeste compreender a santidade.
Nunca vi nada de mais obscurantista, mais
comprometido e mais falso no mundo. Mas também nunca toquei em nada tão puro,
tão generoso e tão belo!
Quantas vezes tive vontade de bater em tua
cara a porta de minha alma! E quantas vezes orei para um dia morrer em teus
braços seguros!
Não, não posso me libertar de ti, porque eu
sou tu, mesmo não sendo completamente tu!
Além disso, aonde iria eu? Construiria outra?
Mas não poderia construí-la, senão com os
mesmos defeitos, porque são os meus defeitos que levo para dentro dela.
E, se a construísse, seria a minha igreja e
não a Igreja de Cristo!
E já estou bastante velho para compreender que
não sou melhor que os outros.”
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