“Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho
amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto todos conhecerão
que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,34-35). Talvez
um dos propósitos do dia de hoje seja mandar fazer um quadro com essas belas
palavras e colocá-lo na nossa sala de estar e, dessa maneira, lê-las
frequentemente pedindo a Deus a graça de que a caridade fraterna seja uma
realidade na nossa vida. É muito bonito falar do amor ao próximo. Que difícil,
porém, é vivê-lo!
Estamos fartos de discursos humanitários
retóricos! Gostaríamos de ver solucionada a situação das pessoas com as quais
convivemos: “esse vive num barracão, aquele passa fome, fulano não tem
trabalho, o outro está com depressão, os grupos estão divididos na minha
paróquia, no meu grupo há uma pessoa que sempre quer destacar-se mais que os
outros, há críticas… um desastre!”
Será que os não-católicos conhecem os
católicos pelo amor mútuo, pela atenção caridosa, pelo carinho, pela boa
educação, pela generosidade e pela disponibilidade? Para saber como se vive a
caridade é preciso olhar, em primeiro lugar, para Jesus. A regra, a medida da
caridade, é ele: “como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns
aos outros”. Como Cristo amou-nos? Rebaixando-se a si mesmo, sofrendo na cruz e
derramando todo o seu Sangue por nós, preocupando-se verdadeiramente com os
nossos pequenos e grandes problemas etc. Assim deve ser o nosso amor aos
irmãos: será preciso dedicar-lhes tempo, escutá-los, dispor-se para ajudá-los
quando for preciso, ser agradecidos para com as pessoas, corrigir com fortaleza
e gentileza quando necessário, viver as normas da educação e da prudência, ser
discretos, compreendê-los, sorrir também quando não se tem vontade,
sacrificar-se discretamente para que os outros passem bons momentos.
E nas paróquias? Quantas rivalidades! Quantos
ciúmes! Quanta inveja! Disse alguém que “Cristo mandou que nos amássemos, não
que nos amassemos”. Há muitas reuniões, e pouca união! Os problemas na
comunidade cristã não são novos, São Paulo escreveu aos Gálatas: “se vos
mordeis e vos devorais, vede que não acabeis por vos destruirdes uns aos
outros” (Gl 5,15). Porque será que os cristãos às vezes se mordem devorando-se
uns aos outros? Pelo mesmo motivo que São Paulo identificou entre os gálatas:
eram carnais. O que é necessário para viver a caridade? Deixar-se conduzir pelo
Espírito Santo e fazer as obras do Espírito: “caridade, alegria, paz,
paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança” (Gl
5,22-23). Hoje é o dia para que renovemos os bons propósitos de viver opere et
veritate, com obras e na verdade, a virtude da caridade, não em geral e em
abstrato, mas em particular e concretamente: na família, com o pai, com a mãe,
com os irmãos, com os amigos, com o patrão, com o empregado, com o meu irmão de
comunidade. Não é fácil porque as pessoas têm problemas, dificuldades, às vezes
exalam mau olor, falam demasiado (e às vezes com a boca cheia) ou não falam
quase nada, faz calor. Poderíamos enumerar mil e uma razões para não viver a
caridade, nenhuma delas é consequente.
O amor de que Jesus fala é o amor que acolhe,
que se faz serviço, que respeita a dignidade e a liberdade do outro, que se faz
dom total (até à morte) para que o outro tenha mais vida.
A proposta cristã resume-se no amor. O amor é
o distintivo, que nos identifica… Que em nossos gestos as pessoas possam
descobrir a presença do Amor de Deus no mundo!
Comentário dos textos bíblicos
Textos: At 14,21b-27; Ap 21,1-5a; Jo 13,31-33a.34s
O Evangelho deste domingo nos mostra o
discurso de Jesus aos seus discípulos por ocasião da última ceia. Jesus sabe
que lhe restam poucas horas de vida e sente a necessidade de deixar algumas
instruções com um típico sabor testamentário. Inicia com a expressão “meus
filhinhos” (v. 33), fazendo lembrar um pai a transmitir aos seus filhos o que é
essencial e verdadeiramente fundamental.
Assim como os filhos consideram sagradas as palavras que o pai lhes diz
no leito, antes da morte, também Jesus quer que os seus discípulos não esqueçam
jamais as palavras que ele quer deixar: “Dou-vos um novo mandamento: amai-vos
uns aos outros como eu vos tenho amado” (v. 34).
Jesus fala em um “novo mandamento”. A novidade
deste novo mandamento é que não se trata do antigo e conhecido mandamento que
ordenava “amar ao próximo como a ti mesmo” (Lv 19,18). A própria construção da
frase, sugere que o “novo” deste mandamento consiste, exatamente, no “como eu
vos amei”. Nem a palavra amar, nem o mandamento do amor são novos. Novo é amar
como Jesus, amar em Jesus, por causa de sua palavra impressa em cada página do
evangelho.
O verbo “agapaô” – traduzido do grego como
amar, aqui utilizado, define, o amor que faz dom de si, o amor até ao extremo,
o amor que não guarda nada para si, mas é entrega total e absoluta. O ponto de
referência no amor é o próprio Jesus, como prescreve o complemento da frase
“como eu vos tenho amado”. Amar consiste em acolher, em pôr-se ao serviço dos
outros, em dar-lhes dignidade e liberdade pelo amor, e isso sem limites. Jesus
é a norma, agora traduzida em palavras, o que ele mesmo manifestou com seus
atos, para que os seus discípulos tenham uma referência. O amor, igual ao de Jesus, que os discípulos
devem manifestar entre si será visível para todos (v. 35). Trata-se de um amor universal, capaz de
transformar todas as circunstâncias negativas e todos os obstáculos em ocasiões
para progredir no amor.
O estilo divino desse amor de Cristo tem que
ser o modelo do nosso amor. De tal sorte
que nossa presença junto aos irmãos seja uma sombra da presença do próprio
Cristo. Um amor que presta em favor dos
irmãos, os mais humildes serviços, como fez Jesus. Cristo se identifica com o outro,
especialmente com os mais necessitados.
É uma verdade que somente os cristãos, mediante a fé, podem ver Cristo
na pessoa do outro, pois será a partir deste amor a base do nosso julgamento
final, pois ele mesmo disse: “Tive fome e não me destes de comer, tive sede e
não me destes de beber…”. E completa: “Todas as vezes que o deixastes de fazer
a um destes pequeninos, foi a mim eu o deixastes de fazer” (Mt 25,40-45).
Além de proclamar o mandamento do amor, Jesus
deixou esta norma como sinal distintivo para os seus seguidores: “Nisso conhecerão todos que sois meus
discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (v. 35). Por vontade expressa de Cristo é o amor o
sinal de identificação de seus discípulos.
O sinal que de agora em diante distinguirá seus discípulos deverá ser o
amor mútuo. Como já nos diz o
Evangelista São João: “Se alguém diz: Eu amo a Deus e odeia a seu irmão é
mentiroso. Pois, quem não ama a seu irmão, ao qual viu, como pode amar a Deus,
a quem não viu? E dele temos este
mandamento: Quem ama a Deus, ame também
a seu irmão” (1Jo 4,20s). E ainda frisa:
“Sabemos que passamos da morte para a vida porque amamos os irmãos. Quem não
ama permanece na morte” (1Jo 3,14).
Diante destas exigências apresentadas por
Jesus e lançando um olhar para cada um de nós, percebemos que somos fracos e
limitados. Existe sempre em nós uma resistência ao amor e na nossa existência
há muitas dificuldades que provocam divisões, ressentimentos e rancores. Mas
não podemos perder a esperança. O Senhor prometeu estar presente na nossa vida,
nos tornando capazes deste amor generoso e total, que sabe superar todos os
obstáculos. Se estivermos unidos a Cristo, poderemos amar verdadeiramente deste
modo que Ele quer. Amar os outros como Jesus nos amou só é possível com aquela
força que nos é comunicada na relação com Ele, especialmente na Eucaristia, na
qual se torna presente de maneira real o seu Sacrifício de amor que gera amor.
A prática do amor mútuo é a expressão da fé em
Jesus. O verdadeiro discípulo distingue-se pelo amor. A capacidade de amar-se
mutuamente indica o quanto Jesus está agindo na vida do cristão. A presença
salvadora de Jesus tem o efeito de desatar o nó do egoísmo, que afasta os indivíduos
de seus semelhantes e, por consequência, de Deus também.
São Paulo ressalta que o amor é superior a
todos os dons extraordinários. O amor é maior do que o dom de língua. O amor é
maior do que o dom de profecia e conhecimento. O amor é maior do que o dom de
milagres. Sem amor, até as melhores obras de caridade ficam isentas de valor
(cf. 1Cor 13,1-3). O amor é melhor por causa da sua excelência intrínseca e
também por causa da sua perpetuidade.
São Paulo define que o amor é paciente e
benigno, ou seja, o amor tem uma infinita capacidade de suportar. A palavra
indica paciência com pessoas, no sentido de reagir com bondade perante aqueles
que o maltratam. São Paulo ainda explica
que o amor não é ciumento, ufanoso e ensoberbecido. Não se conduz inconvenientemente,
não procura os seus próprios interesses e não se ressente com o mal. O amor não
se alegra com a justiça, mas regozija-se com a verdade. E, por fim, diz São
Paulo que o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e tudo suporta (cf. 1Cor 13,4-7). E ainda segundo São Paulo, dentre as maiores
virtudes: fé, esperança e caridade, a maior de todas é a caridade, ou seja, o
amor (cf. 1Cor 13,13).
Podemos correr o risco de reconhecer o perigo
de alegrarmos com o fracasso dos nossos inimigos. Há um mal intrínseco em nós
mesmos. Podemos sentir um falso alívio quando vemos os nossos adversários
fracassando e caindo, mas isto não é amor. O amor além de perdoar, esquece e
não mantém um registro do que foi dito e feito contra nós. A ausência de amor faz com que o cristão
perca o seu significado diante de Deus. Deus não pode usar, para a sua glória,
um cristão sem amor.
Possamos hoje questionar a nós mesmos: É este
o amor que Jesus pede que estou vivendo e compartilhando? Estou testemunhando, com gestos concretos, o
amor de Deus? Nos nossos comportamentos e atitudes uns para com os outros,
todos podem descobrir o amor de Deus no mundo?
Saibamos haurir diariamente da relação de amor com Deus pela oração, a
força para transmitir o anúncio profético de salvação a todas as pessoas com as
quais convivemos.
Peçamos ao Senhor que ele mesmo nos ajude a
pôr em prática este mandamento novo do amor que ele nos ordena a praticar e nos
faça abrir as portas do nosso coração para perdoar aqueles que nos ofendem e a
abrir nossas mãos para partilhar com quem não tem o pouco que temos. Assim seja.
PARA REFLETIR
Durante todo o tempo pascal a Igreja nos faz
contemplar o Ressuscitado e o fruto da sua obra: o dom do Espírito, a nossa
santificação, os sacramentos que nascem do seu lado aberto, a Igreja, sua
Esposa, desposada no leito da cruz…
Hoje, precisamente, é para a Igreja,
comunidade nascida da morte e ressurreição de Cristo, que a Palavra de Deus
orienta o nosso olhar.
Primeiramente, é necessário que se diga sem
arrodeios: Cristo sonhou com a Igreja, a amou e fundou-a. A Igreja, portanto, é
obra do Cristo, foi por ele fundada e a ele pertence! Ela não se pertence a si
mesma, não se pode fundar a si própria, não pode estabelecer ela própria a sua
verdade. Tudo nela deve referir-se a Cristo e a ele deve conduzir! Mas, há
mais: não é muito preciso, não é muito correto dizer que Cristo “fundou” a
Igreja. Não! A fundação da Igreja não terminou ainda: Cristo continua fundando,
Cristo funda-a ainda hoje, ainda agora, nesta Eucaristia sagrada!
Continuamente, o Cordeiro de pé como que imolado, Cabeça da Igreja que é o seu
Corpo, funda, renova, sustenta, santifica, sua dileta Esposa pela Palavra e
pelos sacramentos: “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela, a fim de
purificá-la com o banho da água e santificá-la pela Palavra, para apresentá-la
a si mesmo a Igreja, gloriosa, se mancha nem ruga, ou coisa semelhante, mas
santa e irrepreensível!” (Ef 5,25-27). São afirmações impressionantes, belas, profundas:
(1) Cristo amou a sua Igreja e, por ela, morreu e ressuscitou; (2) pela sua
morte e ressurreição, de amor infinito, ele purifica continuamente a sua
Igreja, santifica-a totalmente, sem desfalecer. Por isso a Igreja é santa, será
sempre santa e não poderá jamais perder tal santidade, apesar das infidelidades
de seus membros! (3) Este processo de contínua fundação e santificação da
Igreja em Cristo dá-se pelo “banho da água” – símbolo do Batismo e dos
sacramentos em geral – e pela “Palavra” – símbolo da pregação do Evangelho.
Então, Cristo continua edificando sua Igreja neste mundo pela Palavra e pelos
sacramentos, sobretudo o Batismo e a Eucaristia. A Igreja não se pertence: ela
é de Cristo! E, como esposa de Cristo, é nossa Mãe: ela nos gerou para Cristo
no Batismo, para Cristo ela nos alimenta na Eucaristia e de Cristo ela nos fala
na sua pregação! Ela é a nossa Mãe católica, desposada pelo Cordeiro imolado na
sua Páscoa, como diz o Apocalipse: “estão para realizar-se as núpcias do
Cordeiro e sua Esposa já está pronta: concederam-lhe vestir-se com linho puro,
resplandecente!” (19,7s).
Pois bem, esta Igreja, tão amada por Cristo,
tão nossa Mãe, deve caminhar neste mundo nas dores de parto. Temos um exemplo
disso na primeira leitura da Missa de hoje. Paulo e Barnabé vão animando as
comunidades,“encorajando os discípulos … a permaneceram firmes na fé”, pois “é
preciso que passemos por muitos sofrimentos para entrar no Reino de Deus”.
Assim caminha o Povo de Deus, Comunidade fundada por Cristo e vivificada pelo
seu Espírito: entre as tribulações do mundo e as consolações de Deus. Muitas
vezes, a Igreja enfrentará dificuldades por parte de seus inimigos externos –
aqueles que a perseguem direta ou veladamente, aqueles que desejam o seu fim e,
vendo-a com antipatia, trabalham para difamá-la. Mas, também, muitas vezes, a
provação vem de dentro da própria Igreja: das fraquezas de seus membros, dos
escândalos provocados pela humana fraqueza daqueles que deveriam dar exemplo de
uma vida nova em Cristo Jesus. Se é verdade que isto não fere a santidade da
Igreja – porque essa santidade vem de Cristo e não de nós -, por outro lado, é
verdade também que nossos escândalos e maus exemplos atrapalham e muito a
credibilidade do nosso anúncio do Evangelho e a credibilidade do próprio
Evangelho como força que renova a humanidade! Infelizmente, enquanto o mundo
for mundo, enquanto a Igreja estiver a caminho, experimentará em si a
debilidade de seus membros. Assim, foi no grupo dos Doze, assim, nas
comunidades do Novo Testamento, assim é hoje. É interessante que o Evangelho de
hoje começa com Judas, o nosso irmão, que traiu o Senhor, saindo do Cenáculo,
saindo do grupo dos Doze, saindo da Comunidade: “Depois que Judas saiu do
cenáculo”… – são as primeiras palavras do Evangelho… E, no entanto, apesar da
fraqueza de Judas e dos Doze, apesar da nossa fraqueza, Jesus continua nos
amando e crendo em nós: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos
outros. Como eu vos amei, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros. Nisto
todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros”.
Não tenhamos medo, não desanimemos, não nos escandalizemos: o Senhor está
conosco, ama-nos, porque somos o seu rebanho, as suas ovelhas, a sua Igreja.
Ama-nos e derramou sobre nós o seu amor e sua força que é o Espírito Santo!
Se agora vivemos entre tribulações e desafios,
nossa esperança é firmemente alicerçada em Cristo; nele, venceremos, nele, a
Mãe católica, um dia, triunfará, totalmente glorificada e tendo em seu regaço
materno toda a humanidade. Ouçamos – é comovente: “Vi um n ovo céu e uma nova
terra… O primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe” – o
Senhor nos promete um mundo renovado, sem a marca do pecado, simbolizado pelo
mar. “Vi a Cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, de junto de Deus,
vestida qual esposa enfeitada para o seu marido”. – É a Igreja, totalmente
renovada pela graça de Cristo, totalmente Esposa, numa eterna aliança de amor,
realizada na Páscoa e consumada no fim dos tempos! “Esta é a morada de Deus
entre os homens. Deus vai morar no meio deles. Eles serão seu povo, e o próprio
Deus estará com eles”. – A Igreja é o “lugar”, o “espaço” onde o Reino acontece
visivelmente: Deus, em Cristo, habita no nosso meio e será sempre “Deus-com-eles”,
Deus-conosco, Emanuel! “Deus enxugará toda lágrima dos seus olhos. A morte não
existirá mais, e não haverá mais luto, nem choro, nem dor, nem morte, porque
passou o que havia antes. Aquele que está sentado no trono disse: ‘Eis que eu
faço novas todas as coisas’”.
Caríssimos, olhem para mim, olhem-se uns para
os outros! Somos a cara da Igreja, o cheiro da Igreja, a fisionomia da Igreja,
a fraqueza e a força, a fidelidade e a infidelidade, a glória e a vergonha da
Igreja! Tão pobre, tão frágil, tão deste mundo… mas também tão destinada à
glória, tão divina, tão santa, tão católica, tão de Cristo! Coragem! Vivamos
profundamente nossa vida de Igreja; é o único modo de ser cristão como Cristo
sonhou! Soframos as dores e desafios da Igreja agora, para sermos partícipes da
vitória que Cristo dará a Igreja na glória! Como diz o Apocalipse, “estas
palavras são dignas de fé e verdadeiras”. Amém.
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