Na época de Jesus, as mulheres eram sempre
dependentes, primeiramente de seu pai e depois do marido. E quando uma mulher
ficava viúva, todos os bens do marido eram herdados pelo filho mais velho, e
ela passava a ser dependente deste filho. As viúvas eram uma parte desprotegida
da sociedade e estavam expostas à ganância dos poderosos que, principalmente
com a morte de um filho único, seus bens corriam o risco de passar para as mãos
de juízes gananciosos.
No evangelho de hoje encontramos uma viúva
levando para a sepultura o seu único filho, aliando o sofrimento da perda ao do
desamparo.
Jesus sempre se mostrou sensível ao sofrimento
humano, tendo compaixão dos que sofrem, demonstrando assim sua natureza humana
e, ao contrário do que normalmente acontece, Ele não espera que a viúva ou
outra pessoa interceda pela vida do jovem. Quando Ele se depara com tamanho
sofrimento, se compadece e compartilha de seus sentimentos, o que O leva a
trazer o jovem de volta à vida, mostrando agora Sua grande natureza divina.
Jesus não invoca a Deus por várias vezes como Elias e os outros profetas para
realizar o milagre, Ele apenas ordena que o jovem se levante: “Moço, eu ordeno
a você: Levante-se!”.
A compaixão é feita de palavras e gesto, pois
quem tocava num morto naquela cultura era contaminado pela impureza, mas Jesus
quebra o tabu e cria as suas próprias leis, e o povo reage com medo diante do
extraordinário e maravilhoso.
O povo de Deus esperava pela volta de um
profeta e alguns achavam que seria Elias, outros que seria Moisés. Quando Jesus
ressuscita o filho da viúva, a multidão que o acompanhava vê Nele o novo
profeta que traz toda a graça e a misericórdia de Deus.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: 1Rs 17,17-24; Gl 1,11-19; Lc 7,11-17
Hoje somos chamados a ter confiança. Confiança
como a viúva do Evangelho que chorava a morte de seu filho único. Jesus teve
compaixão da viúva recuperando a vida de seu filho. Por isso a Igreja não se
cansa de nos apresentar Jesus como o senhor da vida e da morte.
A Primeira Leitura da liturgia dominical nos
apresenta o filho da viúva de Sarepta(cf. 1Rs 17,17-24). Elias era o “homem de
Deus”: agia com a força de Deus. É conhecido por sua luta contra os ídolos, no
século VIII AC. Sua presença no meio do povo falava de Deus; seus gestos eram
“sinais” de Deus. Assim, a ressurreição do filho da viúva de Sarepta não é
magia, e sim a resposta de Deus à oração de Elias(cf. 1Rs 17, 22). A viúva de
Sarepta, que sabe estar dando hospedagem a um homem de Deus, pensa que Deus
entrou em sua casa para castigá-la por suas iniquidades. Por isso, morreu seu
filho. Não sabia que Deus não é um Deus de morte, mas, como de repente lhe é
revelado, o Deus de vida. A ressurreição se dá por obra de Elias que não se
apresenta, porém, como doador da vida, antes como alguém que invoca aquele que
a dá.
A figura da mulher significa a perda da
esperança e o sentimento de derrota e de procurar um culpado. O profeta Elias é
a figura que acredita no Deus da vida, que não abandona o homem ao poder da
morte.
O milagre do profeta Elias, como outros a eles
atribuídos, significa fundamentalmente que Yahveh é a única fonte da vida e da
fertilidade. A vida vem de Deus. Toda a vida e ação de Elias apontam nesse
sentido; o próprio nome Elias significa “Yahveh é o meu Deus”. Portanto, todos
os elementos da mensagem devem ser vistos à luz desta centralidade. Todo o
relato, que pode denotar referências mágicas na relação entre pecado e doença,
baseia-se na oração de Elias, que deixa clara a sua fé num Deus pessoal, senhor
e fonte de vida.
A Segunda Leitura nos apresenta a vocação de
Paulo(cf. Gl 1,11-19). Paulo tem a certeza de que a sua vocação tem sua origem
em Jesus Cristo, portanto, em Deus mesmo. Para provar isso a seus críticos, não
pode recorrer ao conteúdo de sua mensagem, pois eles apregoam no nome do mesmo
Cristo um outro conteúdo. Então, aponta sua história pessoal: de fanático
perseguidor de Cristo foi, por este, transformado em “Apóstolo das gentes”. No
caminho de Damasco, Cristo o chamou e com a sua luz ao mesmo tempo o cegou e o
iluminou.
Para São Paulo, o Evangelho é uma força vital
e criadora, que produz o que anuncia; a sua força é Deus. É uma força vital,
uma dinâmica profética que Paulo recebeu diretamente de Deus. O Apóstolo São
Paulo tem convicção de que a sua conversão é obra exclusiva de Deus. Temos aqui
um equilíbrio dinâmico entre a gratuidade da fé e a adesão à tradição e
magistério eclesiástico. Somos convidados a estarmos sempre abertos à revelação
de Deus, à autêntica conversão, ao acolhimento do Evangelho vivo de Deus.
No tempo em que Jesus peregrinava neste mundo,
Israel esperava a volta do profeta por excelência, para preparar a “visita” de
Deus. Havia certa dúvida se o profeta seria Moisés(cf. Dt 18,16) ou Elias(cf.
Ml 3,23-24). Mas, quando Jesus ressuscita o filho de uma viúva, que o Evangelho
de Lc 7,11-17 nos conta hoje, não hesita em reconhecer nele o novo Elias: “Um
grande profeta apareceu entre nós e Deus veio visitar o seu povo!” (cf. Lc
7,16). Assim Jesus é o sinal da presença de Deus, com sua graça e misericórdia.
Ele se “comiserou” (cf. Lc 7,13) como o povo esperava no seu Dia. No quadro do
Evangelho de Lucas, esta narração tem ainda outra função: logo em seguida lemos
o episódio do Batista, que pergunta se Jesus é aquele que deve vir, no sentido
de profeta escatológico. E a resposta de Jesus é: “Olha só o que está
acontecendo: todas as categorias mencionadas nas profecias messiânicas
encontram cura, e até os mortos são ressuscitados; e aos pobres é anunciada a
boa notícia de Jesus, o seu programa de vida; será que ainda existe dúvida?
Todos nós sabemos que a viúva é uma mulher
carente e desamparada pela sociedade. A vida se esvai. A desolação é completa.
Por isso mesmo, a Sagrada Escritura apresenta os órfãos e as viúvas como
protótipos dos marginalizados. E o amparo aos órfãos e viúvas é a manifestação
perfeita de verdadeira e autêntica vida comunitária e de inserção na comunidade
eclesial.
A Primeira Leitura da missa de hoje nos anuncia
a ressurreição do filho da viúva de Sarepta realizada pelo profeta Elias(Cf.
1Rs 17,17-24). Jesus chega com seus discípulos à cidade de Naim e encontra-se
com uma viúva, cujo filho era levado para o cemitério fora da cidade. “O
Senhor, ao vê-la, ficou comovido e disse-lhe: Não chores”. Mas Jesus não ficou
nas palavras: “Aproximando-se, tocou no esquife e disse: Jovem, eu te ordeno,
levanta-te!” E o morto sentou-se e começou a falar. E, Jesus o entregou à sua
mãe”. E todos reconheceram que Deus visitou o seu povo. A Primeira Leitura é
narrada para ilustrar como em Jesus se realiza a esperança do novo Elias. É uma
tipologia: Elias é o “primeiro esboço” que é levado à perfeição em Cristo. Por
trás destas tipologias, freqüentes na antiga teologia cristã, está à fé na
continuidade da obra de Deus: o que ele tinha iniciado em Israel, levou-o a
termo em Jesus Cristo. Que Jesus supera Elias aparece nos detalhes da narração:
ele não é apenas o “homem de Deus”, mas “o Senhor”; não precisa fazer todos os
trabalhos que Elias fez para reanimar a criança.
Tanto a Primeira Leitura como o Evangelho
revelam grande valorização da vida. Deus quer conservar seus filhos em vida.
Isso está no violento contraste com a leviandade e até o desprezo que a vida
humana enfrenta em nossa sociedade. Deus se comisera para fazer reviver uma
criança, enquanto nossa sociedade as mata ainda no útero. Será que poderemos
novamente falar de uma visita de Deus, quando restauramos o sentido do valor da
vida, não só no caso do aborto, mas também das guerras, repressão, torturas,
poluição do meio ambiente, da fauna, da flora, dos alimentos, do trânsito
assassino, e, sobretudo da miséria e da fome? O salmo responsorial nos exalta a
resistirmos: “Eu vos exalto, ó Senhor, pois me livrastes e preservastes minha
vida da morte!”(cf. Sl. 30/29).
Como nós podemos vislumbrar a Páscoa nestas
leituras? A cena de Sarepta e de Naim, no Evangelho, repetem-se com muita
freqüência, digo até impressionante, através da história. Não precisamos ir
muito longe. Ela está presente em cada Comunidade de fiéis. Ainda hoje, a toda
hora, levam-se jovens, filhos únicos de mães viúvas, aos cemitérios. Isto
acontece quando a vida gerada é tirada. Dá-se no abandono das pessoas, nas
injustiças, na marginalização das massas sofridas. A nossa sociedade está
repleta de mães viúvas, que levam seus filhos únicos para o Cemitério. A última
esperança de vida é tragada pela morte.
Então é hora de nossas Comunidades Eclesiais
reagirem. Importante que ela esteja à caminha como Jesus, como Elias. Mas não
pode passar ao largo. Precisa parar, precisa entrar em casa, na cidade, para
visitar as viúvas. Deverá ter a mesma atitude de Jesus: compadecer-se,
consolar, agir, ressuscitando o jovem para que o povo glorifique a Deus.
Deus Se encontra onde há o sentido da piedade,
do amor vivificante. Significa ainda que, seguindo Jesus, só podemos também
suscitar vida, ter piedade dos que sofrem, oferecer a nossa ajuda, ter uma
atitude de oblação. Das duas, uma: ou fazemos da nossa vida um cortejo de
morte, dos sem esperança, que acompanham o cadáver, em atitude de choro, de
luto, de desespero; ou fazemos do nosso peregrinar um caminho de esperança, de
ressurreição, de transformação do choro e da morte em sentido de vida. Podemos
escolher, é certo. Mas se somos seguidores de Cristo e nos deixamos visitar por
este grande profeta, não temos alternativa!
Paulo, na segunda leitura, para provar que seu
“evangelho” é o verdadeiro mostra a sua origem. Não foi ele mesmo, nem outro
ser humano, que o inventou(cf. Gl. 1,11.16.19). São Paulo faz questão de dizer
que não foi instruído por homem algum. Quem fez de Paulo seu mensageiro foi
Cristo mesmo, que o “fez cair do cavalo”; a transformação operada em Paulo,
tornando o antigo rabino, fariseu e perseguidor de cristãos, em apóstolo de
Cristo, não é obra humana. E também seu evangelho não é obra humana. Por isso,
este resumo de sua história pessoal é história de salvação.
Esta atitude será sincera se repetirmos o
gesto de São Paulo. Sermos discípulos autênticos, convictos e zelosos pelo
Evangelho(cf. Gl. 1,11-19). Somos chamados a deixar de devastar a Igreja, e
deixar revelar-se em nós o Filho de Deus. Percebendo o renascimento da vida nos
desamparados, também a Assembléia eucarística poderá glorificar a Deus porque
mais uma vez Ele visitou o seu povo. Ele renderá graças neste domingo,
sobretudo, por aqueles e aquelas que, na sociedade injusta, se comprometem em
defender e alimentar a vida dos irmãos necessitados.
Hoje e sempre Deus continua visitando o seu
povo. A visita de Deus deixa seu povo também com a “responsabilidade de
gratidão”. O povo espalhou a fama de Jesus por toda a região. Mostrou que soube
dar valor à visita que recebeu. A Igreja terá de celebrar a mesma gratidão de
Deus, que fez grandes coisas aos pequenos, aos fracos e aos humilhados. Muitos
ainda não são capazes disso. Não se sabem alegrar com a visita de Deus aos
pequenos. Por isso lhes escapa a grandeza desta visita singular. Mas, afinal,
quando é que sentimos Deus mais verdadeiramente próximo de nós: ao se realizar
uma grande solenidade, ou quando um gesto de amor atinge uma pessoa carente?
Nós não podemos e não devemos aceitar que
Jesus seja reduzido a simples precursor de uma humanidade renovada. Jesus já é
nossa humanidade. Nele o futuro já é presente. Contemplando o mundo, esse
teatro imenso onde se desenrola a ação maravilhosa do homem, temos
alternadamente a sensação de um gigantesco vazio. Se olharmos com os olhos da
fé na ressurreição de Cristo, permaneceremos confiantes porque a nossa história
é, no tempo, a história da morte e ressurreição de Jesus.
Que Deus, que sempre nos visita, nos
comprometa com a vida em plenitude. Deus só visita aos homens e mulheres que
defendem a vida e se opõem contra a morte. Que sejamos todos pregoeiros da vida
e da vida plena, amém!
PARA REFLETIR
– Quem diria? O filho da viúva está vivo de
novo.
– Vivo de novo? Que história é essa? Ele já
morreu alguma vez?
– Você não sabe o que aconteceu? Foi incrível!
Eu estava lá e vi quando Jesus lhe disse que se levantasse do caixão. Que
susto! Eu nunca tinha visto coisa igual.
– Por mais estranho que pareça, o fato é que
ele é um jovem fantástico: bem educado, cuida da mãe e é um rapaz trabalhador e
serviçal.
Esse tipo de conversa, algum tempo depois da
ressurreição do filho da viúva de Naim, seria bastante normal. O diálogo acima
poderia ser de duas senhoras que, enquanto lavavam a roupa, comentariam o
assunto, pois “a notícia deste fato correu por toda a Judéia e por toda a
circunvizinhança” (Lc 7,17). E não é para menos! Um morto que já não está
morto! Por outro lado, o que tem de estranho que aquele que se levantaria da
região dos mortos na manhã do domingo que seguiria à sua morte na cruz,
ressuscite a um jovenzinho?
A surpresa daquelas senhoras seria grande.
Deve ter sido impressionante! Imagine se isso acontecesse com você? Num dia que
você é incapaz de identificar, você se levanta de um caixão sem saber muito bem
o que está acontecendo, tendo por todos os lados uma multidão pasmada,
admirada, com medo, boquiaberta. É quase para morrer de susto! Eu acho que
aquele jovem não se esqueceria dessa cena por todos os anos que durassem a sua segunda
vida.
Logicamente, o rapaz não esperava ser
ressuscitado. Jesus, “movido de compaixão” (Lc 7,13) para com a mãe do garoto,
a viúva de Naim, foi quem o ressuscitou. Quão doloroso para uma mãe viúva ver
sepultada a sua última esperança, o seu filho único! Pobre mulher! O que a
esperaria se Jesus não houvesse ressuscitado o seu filho? Solidão, dor, noites
entre lágrimas e, talvez, muita fome. O garoto que estava no caixão não era só
a consolação daquela pobre mulher, mas também era a possibilidade de que ela
levasse uma vida mais ou menos confortável durante os seus últimos anos de
vida. Jesus compreende a situação das pessoas e não fica indiferente diante do
sofrimento humano. O Senhor fez esse milagre por compaixão. Um amigo meu disse
certa vez que Jesus fez esse milagre pensando na sua mãe, Maria, que dentro de
pouco tempo estaria só: vendo o futuro da sua mãe sem o seu Filho único, se
compadece da viúva de Naim e faz o milagre. Não sei se o meu amigo tem razão,
mas é, sem dúvida, uma reflexão inteligente.
Talvez fosse mais confortável para aquele
garoto continuar morto, pois ele “descansava em paz”. No entanto, ele era útil
para outras pessoas. O Senhor quis que aquele jovem ficasse aqui na terra mais
alguns anos. É importante que nós também compreendamos que a nossa vida só tem
sentido em relação a Deus e aos demais, que nós não vivemos para nós mesmos.
Deus espera que nós trabalhemos na salvação das pessoas. Morreremos somente
quando Deus quiser depois de trabalhar muito pela sua glória e pela salvação
dos irmãos. Deus espera que cada um de nós seja útil para o próximo, que a
nossa vida seja colocada a serviço da humanidade, de cada pessoa que temos à
nossa volta.
Anos mais tarde, depois de ajudar a sua mãe e
de vê-la morrer em paz, o nosso jovem, que já não seria tão jovem, passaria
novamente pela porta da cidade levado pelos outros. Tinha morrido pela segunda
vez! Jesus já não apareceria para ressuscitá-lo pela terceira vez. E até hoje o
nosso jovem continua esperando a ressurreição dos mortos que acontecerá nos
últimos dias.
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