As pessoas tendem a considerar a mentira como um
pecado circunstancial, como se determinadas situações - salvar pessoas em risco
de vida, por exemplo - a tornassem moralmente legítima. No entanto, a doutrina
tradicional da Igreja ensina que a mentira é sempre e intrinsecamente má. “A
mentira é, por sua natureza, condenável” [1], diz o Catecismo. Isso significa
dizer que ela não é pecado porque é proibida - como é comer carne na
Sexta-Feira Santa, uma proibição de que se pode obter dispensa -, mas porque é
desordenada em si mesma. Por isso, não é justificável mentir em nenhuma
circunstância.
O Catecismo da Igreja Católica define a mentira como
“falar ou agir contrariamente à verdade, para induzir em erro” [2]. No caso,
trata-se de falar ou agir contrariamente àquilo que está na própria mente. Uma
pessoa, por exemplo, que estivesse enganada a respeito de algo e o comunicasse,
pensando ser a verdade, não mentiria. Se, ao contrário, se começa a dizer
coisas que não estão de acordo com o que está na mente, a razão de ser da
palavra, que é comunicar os pensamentos, desaparece.
É preciso levar em conta, sobretudo, o grande
apreço que os cristãos devem ter pela verdade, pois Nosso Senhor se definiu
como “o caminho, a verdade e a vida” [3] e o Espírito Santo foi chamado por Ele
de “o Espírito da Verdade” [4]. Ao mesmo tempo, é com seriedade que Jesus
repreende os mentirosos: “O vosso pai é o diabo, (...) nele não há verdade.
Quando ele fala mentira, fala o que é próprio dele, pois ele é mentiroso e pai
da mentira” [5].
Em certas circunstâncias, existe a possibilidade de
se recorrer à chamada restrição mental. Em sentido estrito, também ela é
pecaminosa, pois não passa de um modo “sofisticado” de mentir. Em sentido
amplo, porém, sendo uma frase ou um gesto ambíguo, ela pode ser justificada,
caso exista uma razão grave e proporcionada, como salvar uma vida, manter a boa
fama, guardar o sigilo de Confissão ou o segredo profissional etc. Às vezes,
uma pessoa faz uma pergunta imprudente, tentando descobrir algo que ela não tem
o direito de saber.
Algumas passagens de padres da Igreja, como
Orígenes, São João Crisóstomo, Santo Hilário de Poitiers e Cassiano, são um
pouco difíceis e parecem tentar justificar a mentira. Na verdade, quando se se
depara com os textos originais e com seus respectivos contextos, percebe-se que
eles estão falando, na verdade, da restrição mental, e não da mentira, que,
como já dito, é sempre condenável.
Opõe-se à mentira a virtude da veracidade.
Numerosos são os mártires cristãos que derramaram o próprio sangue para não
dizer uma mentira, seja com palavras ou gestos. Em algumas ocasiões, durante as
perseguições do Império Romano, bastava que um cristão jogasse um punhado de
incenso num braseiro para honrar a imagem de César, para que salvasse a sua
vida. Os mártires, no entanto, vendo que aquele gesto seria uma simulação,
preferiam a morte a ofender Nosso Senhor com uma só mentira. Por isso tantos
deles eram colocados nas arenas, jogados aos leões, crucificados e queimados
vivos.
Sobre a gravidade da mentira, o Catecismo explica
que, “embora a mentira, em si, não constitua mais que um pecado venial,
torna-se mortal quando lesa gravemente as virtudes da justiça e da caridade”
[6]. Quem ama a Deus e a justiça, no entanto, deve firmar um real compromisso
com a verdade, procurando evitar não só os grandes pecados, mas também as
faltas veniais. Como dizia Santo Agostinho, “nós nunca mentimos, porque somos
filhos da luz”.
Referências
Catecismo da Igreja Católica, 2485
Ibidem, 2483
Jo 14, 6
Jo 16, 13
Jo 8, 44
Catecismo da Igreja Católica, 2484
Fonte: Christo Nihil Praeponere
Nenhum comentário:
Postar um comentário