Terra, casa, trabalho: esses foram os três pontos
fundamentais em torno dos quais desenvolveu-se o longo e articulado discurso do
Papa Francisco aos participantes do Encontro Mundial dos Movimentos Populares,
recebidos esta terça-feira na Sala Antiga do Sínodo, no Vaticano. O Pontífice
ressaltou que é preciso revitalizar as democracias, erradicar a fome e a
guerra, assegurar a dignidade a todos, sobretudo aos mais pobres e
marginalizados.
Tratou-se de um veemente pronunciamento, ao mesmo
tempo, de esperança e de denúncia. Um discurso que, por amplidão e
profundidade, tem o valor de uma pequena encíclica de Doutrina Social. Ademais,
era natural que os Movimentos Populares solicitassem este encontro com o Papa
Francisco.
Efetivamente, na Argentina, como bispo e depois
como cardeal, Bergoglio sempre se fez próximo das comunidades populares como as
de "catadores de papel" e "camponeses". No fundo, nesta
audiência retomou o fio de um compromisso jamais interrompido.
O Santo Padre evidenciou já de início, no discurso,
que a solidariedade – encarnada pelos Movimentos Populares – encontra-se
"enfrentando os efeitos deletérios do império do dinheiro".
O Papa observou que não se vence "o escândalo
da pobreza promovendo estratégias de contenção que servem unicamente para
transformar os pobres em seres domésticos e inofensivos". Quem reduz os
pobres à "passividade", disse, Jesus "os chamaria de
hipócritas". Em seguida, deteve-se sobre três pontos chave:
"Terra, teto, trabalho. É estranho – disse –,
mas quando falo sobre estas coisas, para alguns parece que o Papa é comunista.
Não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho."
Portanto, acrescentou, terra, casa e trabalho são "direitos
sagrados", "é a Doutrina social da Igreja".
Dirigindo-se aos "camponeses", Francisco
disse que a saída deles do campo por causa "de guerras e desastres
naturais" o preocupa. E acrescentou que é um crime que milhões de pessoas
padeçam a fome, enquanto a "especulação financeira condiciona o preço dos
alimentos, tratando esses alimentos como qualquer outra mercadoria". Daí,
a exortação do Papa Francisco a continuar "a luta em prol da dignidade da
família rural".
Em seguida, o Santo Padre dirigiu seu pensamento
aos que são obrigados a viver sem uma casa, como experimentara também Jesus,
obrigado a fugir com sua família para o Egito. Hoje, observou, vivemos em
"cidades imensas que se mostram modernas, orgulhosas e vaidosas".
Cidades que oferecem "numerosos lugares" para uma minoria feliz e,
porém, "negam a casa a milhares de nossos vizinhos, incluindo as
crianças".
Com pesar, Francisco ressaltou que "no mundo
globalizado das injustiças proliferam-se os eufemismos para os quais uma pessoa
que sofre a miséria se define simplesmente 'sem morada fixa'".
O Papa denunciou que muitas vezes "por trás de
um eufemismo há um delito". Vivemos em cidades que constroem centros
comerciais e abandonam "uma parte de si às margens, nas periferias".
Por outro lado, elogiou aquelas cidades onde se
"segue uma linha de integração urbana", onde "se favorece o
reconhecimento do outro". Em seguida, foi a vez de tratar da questão do
trabalho:
"Não existe – ressaltou – uma pobreza material
pior do que a que não permite ganhar o pão e priva da dignidade do
trabalho." Em particular, Francisco citou o caso dos jovens desempregados
e ressaltou que tal situação não é inevitável, mas é o resultado "de uma
opção social, de um sistema econômico que coloca os benefícios antes do
homem", de uma cultura que descarta o ser humano como "um bem de
consumo".
Falando espontaneamente, ou seja, fora do texto, o
Pontífice retomou a Exortação apostólica "Evangelii Gaudium" para
denunciar mais uma vez que as crianças e os anciãos são descartados. E agora se
descartam os jovens, com milhões de desempregados, disse ainda. Trata-se de um
desemprego juvenil que em alguns países supera 50%, constatou. Todos, reiterou,
têm direito a "uma digna remuneração e à segurança social".
Aqui, disse o Pontífice, encontram-se
"catadores de papel", vendedores ambulantes, mineiros,
"camponeses" aos quais são negados os direitos do trabalho, "aos
quais se nega a possibilidade de sindicalizar-se". Hoje, afirmou,
"desejo unir a minha voz à de vocês e acompanhá-los em sua luta".
Em seguida, Francisco ofereceu sua reflexão sobre o
binômio ecologia-paz, afirmando que são questões que devem concernir a todos,
"não podem ser deixadas somente nas mãos dos políticos". O Santo
Padre afirmou mais uma vez que estamos vivendo a "III Guerra
Mundial", em pedaços, denunciando que "existem sistemas econômicos
que têm que fazer a guerra para sobreviver":
"Quanto sofrimento, quanta destruição _ disse
o Papa –, quanta dor! Hoje, o grito da paz se eleva de todas as partes da
terra, em todos os povos, em todo coração e nos movimentos populares: Nunca
mais a guerra!"
Um sistema econômico centralizado no dinheiro –
acrescentou – explora a natureza "para alimentar o ritmo frenético de
consumo" e daí derivam feitos destrutivos como a mudança climática e o
desmatamento. O Papa recordou que está preparando uma Encíclica sobre a
ecologia assegurando que as preocupações dos Movimentos Populares estarão presentes
nela. O Pontífice perguntou-se por qual motivo assistimos a todas essas
situações:
"Porque – respondeu – neste sistema o homem
foi expulso do centro e foi substituído por outra coisa. Porque se presta um
culto idolátrico ao dinheiro, globalizou-se a indiferença." Porque, disse
ainda, "o mundo esqueceu-se de Deus que é Pai e tornou-se órfão porque
colocou Deus de lado".
Em seguida, o Papa exortou os Movimentos Populares
a mudarem este sistema, a "construírem estruturas sociais
alternativas". Francisco advertiu que é preciso fazê-lo com coragem, mas
também com inteligência. Com tenacidade, porém, sem fanatismo. Com paixão, mas
sem violência".
Nós cristãos, disse, temos um bonito programa: as
Bem-aventuranças e o Cap. 25 do Evangelho segundo Mateus. Francisco reiterou a
importância da cultura do encontro para derrotar toda discriminação e disse que
é preciso uma maior coordenação dos movimentos, sem, porém, criar
"estruturas rígidas":
"Os Movimentos Populares – afirmou – expressam
a necessidade urgente de revitalizar nossas democracias, muitas vezes
sequestradas por inúmeros fatores." É "impossível", frisou,
"imaginar um futuro para uma sociedade sem a participação protagonista da
grande maioria" das pessoas.
É preciso superar "o assistencialismo
paternalista" para ter paz e justiça, prosseguiu, criando "novas
formas de participação que incluam os movimentos populares" e "sua
torrente de energia moral". O Pontífice concluiu seu discurso com um
premente apelo:
"Nenhuma família sem casa. Nenhum camponês sem
terra! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma pessoa sem a dignidade que o
trabalho dá" – disse.
Entre os participantes, no Vaticano, do encontro
dos Movimentos Populares figura também o presidente da Bolívia, Evo Morales.
O diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Pe.
Federico Lombardi, explicou que, nesta ocasião, a visita do chefe de Estado
boliviano não foi "organizada mediante os habituais canais
diplomáticos" e que o encontro "privado e informal" no final da
tarde desta terça-feira entre o Papa Francisco e o presidente deve ser
considerado "uma expressão de afeto e proximidade ao povo e à Igreja
boliviana e um apoio à melhoria das relações entre as Autoridades e a Igreja no
país". (RL)
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