Após o
advento do Concílio Vaticano II criou-se a impressão errônea de que o hábito eclesiástico
não era mais necessário. Não há nada nos diversos documentos conciliares que
corrobore ou justifique tal impressão, mas é certo que ela se alastrou e muitos
sacerdotes passaram a não mais usar o hábito sob alegação de que a lei
universal fora revogada. Existe, porém, vasta documentação sobre o tema, sempre
no sentido da obrigatoriedade do uso. O Código de Direito Canônico de 1983,
assinado pelo Bem-aventurado Papa João Paulo II, no cânon 284, por exemplo,
diz:
"Cân. 284 Os clérigos usem
hábito eclesiástico conveniente, de acordo com as normas dadas pela Conferência
dos Bispos e com os legítimos costumes locais."
A Igreja
entende como ‘clérigos’, os padres, bispos e cardeais e como ‘hábito
eclesiástico’ o clergyman, a batina ou os hábitos religiosos. Com respeito à
tradução, existe uma pequena observação a ser feita. O original do mesmo cânon
diz:
"Can. 284. – Clerici
decentem habitum ecclesiasticum, iuxta normas ab Episcoporum conferentia
editas atque legitimas locorum consuetudines, deferant."
A palavra
decentem, ao pé da letra quer dizer decente, contudo, o sentido mais
exato seria o da palavra decoroso. A palavra ‘conveniente’ traduz a ideia de
que ‘pode não convir’ e não é esse o sentido adequado. A melhor tradução seria,
talvez, decoroso, pois tem a ver com dignidade.
Outra
observação diz respeito à expressão ‘hábito eclesiástico’. Por hábito é
preciso compreender roupa e por eclesiástico, ‘que pertence à Igreja’ ou
‘homem dedicado ao serviço da Igreja’; assim, hábito eclesiástico é uma
roupa distintiva do homem comum, especial para aquele que pertence à Igreja.
Devido às diferenças climáticas, culturais e outras, o Papa deixa a cargo das
Conferências Episcopais a definição dos detalhes; porém, a norma geral está
dada: é obrigatório.
Ainda sobre
o texto do cânon 284, tem-se a expressão ‘legítimos costumes locais’, ou
seja, não se trata de qualquer costume, mas tão somente os legítimos, de acordo
com a lei. E a lei diz que deve haver o hábito eclesiástico.
Em 1987,
foi publicada uma norma especial para o Brasil, redigida pelo então secretário
da Congregação para os Bispos, Dom Lucas Moreira Neves. A norma é bem
intencionada, mas é confusa em sua linguagem. Veja:
"Usem
os clérigos um traje eclesiástico digno e simples, de preferência, o clergyman
ou batina."
O
problema está na expressão ‘de preferência’, pois dá margem à pergunta
"o que preferir?". Em 1994, a Congregação para o Clero resolveu o
problema com a publicação do documento "Diretório para o Ministério e a
Vida dos Presbíteros", cujo número 66 dispõe sobre a obrigatoriedade
do uso do hábito eclesiástico.
"Numa sociedade secularizada
e de tendência materialista, onde também os sinais externos das realidades
sagradas e sobrenaturais tendem a desaparecer, sente-se particularmente a
necessidade de que o presbítero — homem de Deus, dispensador dos seus mistérios
— seja reconhecível pela comunidade, também pelo hábito que traz, como sinal
inequívoco da sua dedicação e da sua identidade de detentor dum ministério
público. O presbítero deve ser reconhecido antes de tudo pelo seu
comportamento, mas também pelo vestir de maneira a ser imediatamente
perceptível por cada fiel, melhor ainda por cada homem, a sua identidade e
pertença a Deus e à Igreja.
Por este motivo, o clérigo deve
trazer um hábito eclesiástico decoroso, segundo as normas emanadas pela
Conferência Episcopal e segundo os legítimos costumes locais. Isto significa
que tal hábito, quando não é o talar, deve ser diverso da maneira de vestir dos
leigos e conforme à dignidade e à sacralidade do ministério. O feitio e a cor
devem ser estabelecidos pela Conferência dos Bispos, sempre de harmonia com as
disposições do direito universal.
Pela sua incoerência com o
espírito de tal disciplina, as praxes contrárias não se podem considerar
legítimas e devem ser removidas pela autoridade eclesiástica competente. Salvas
exceções completamente excepcionais, o não uso do hábito eclesiástico por parte
do clérigo pode manifestar uma consciência débil da sua identidade de pastor
inteiramente dedicado ao serviço da Igreja."
De acordo
com esse texto, portanto, o não uso do hábito eclesiástico só pode ocorrer em
condições excepcionais e ainda pressupõe uma débil consciência da identidade de
sacerdote.
Tão logo
essa norma foi publicada, iniciou-se um movimento de rejeição a ela, sob
alegação de que o que valia para o Brasil era a norma redigida em 1987, até que
o então Bispo de Nova Friburgo escreveu para a Santa Sé tentando esclarecer a
questão. No dia 22 de outubro de 1994, a Santa Sé expediu uma Nota Explicativa
acerca do assunto. Ela diz:
"I. Esclarecimento sobre
o valor vinculante do artigo 66 do Diretório para o ministério e a vida dos
presbíteros (Cf. Communicationes,
27 [1995] 192-194)
1. O "Diretório para o
ministério e a vida dos presbíteros", publicado pela Congregação para o
Clero, por encargo e com a aprovação do Santo Padre João Paulo II, está
permeado, em sua totalidade, de um profundo espírito pastoral. No entanto, isto
não retira o valor de obrigatoriedade de muitas de suas normas que não têm um caráter
apenas exortativo, mas são juridicamente vinculantes.
2. Esta obrigatoriedade jurídica e
disciplinar aplica-se tanto às normas do Diretório que simplesmente recordam as
normas disciplinares semelhantes do Código de Direito Canônico (por exemplo, art.
16, § 6), quanto às outras normas que, determinando a forma de execução das
leis universais da Igreja, explicitam suas razões doutrinárias e inculcam ou
solicitam a sua fiel observância (como, por exemplo, os artigos 62-64).
3. As normas deste último tipo,
que pertencem à categoria dos Decretos gerais e executórios e "obrigam os
que estão sujeitos às próprias leis" (cân. 32), são frequentemente
emitidas pela Santa Sé em Diretórios, conforme é previsto pelo próprio Código
de Direito Canônico (cân. 33, § 1).
3. No que se refere concretamente ao
art. 66, do Diretório para o ministério e a vida dos presbíteros, ele contém
uma disposição geral complementar ao cânon 284, com as características dos
Decretos gerais executórios (cf. cân. 31). É, portanto, uma norma à qual se
desejou atribuir exigibilidade jurídica, como também se deduz da redação do
próprio texto e do lugar em que foi incluído: sob o título "A
obediência".
5. De fato, o artigo 66:
a) recorda, até mesmo com notas de
referência, os recentes ensinamentos do Magistério pontifício a este respeito,
seu fundamento doutrinário e as razões pastorais do uso do hábito eclesiástico
por parte dos ministros sagrados, como prescrito pelo cân. 284;
b) determina de forma mais concreta
o modo de execução de tal lei universal sobre o uso do hábito eclesiástico, ou
seja, que "quando não é o talar, deve ser diverso da maneira de vestir dos
leigos e conforme à dignidade e à sacralidade do ministério. O feitio e a cor devem
ser estabelecidos pela Conferência dos Bispos, sempre em harmonia com as
disposições do direito universal";
c) solicita, com uma afirmação
categórica, a observância e reta aplicação da disciplina sobre o hábito
eclesiástico: "Pela sua incoerência com o espírito de tal disciplina, as
praxes contrárias não se podem considerar legítimas e devem ser removidas pela
autoridade eclesiástica competente".
6. É evidente que, à luz destes
esclarecimentos aprovados pela própria Suprema Autoridade que promulgou o
Código de Direito Canônico, devem ser interpretados, em qualquer caso de
dúvida, até mesmo os Decretos Gerais emanados pelas Conferências Episcopais,
como legislação complementar da lei universal sancionada no cân. 284.
7. Em conformidade com os
requisitos do cân. 32, estas disposições do artigo 66 do Diretório para o
ministério e a vida dos presbíteros obrigam todos aqueles que são vinculados à
norma universal do cân. 284, ou seja, os Bispos e os presbíteros, mas não os
diáconos permanentes (cf. cân. 288). Os Bispos diocesanos constituem, além
disto, a autoridade competente para solicitar a obediência à referida
disciplina e remover as eventuais praxes contrárias ao uso do hábito clerical
(cf. cân. 392, § 2). Às Conferências episcopais cabe auxiliar a cada um dos Bispos
diocesanos no cumprimento desse seu dever."
Portanto,
é o documento "Diretório...", de 1994, a referência para a
interpretação dos decretos gerais das Conferências locais e tudo que for
nebuloso ou ambíguo deve ser esclarecido por ele.
Os Bispos
diocesanos são as autoridades competentes para solicitar a obediência no
cumprimeiro das leis da Igreja e as Conferências Episcopais devem auxiliá-los.
As leis da Igreja, em pleno vigor, são estas explanadas e transcritas, ao
alcance de todos.
É claro
que existem pessoas que optam por não obedecer a estas leis, alegando que não
estão convencidas da necessidade delas. Argumento inválido, pois a lei não
precisa de convencimento, apenas de obediência. Estas pessoas são livres para
desobedecer e um dia terão que apresentar suas justificativas. Contudo, as
outras pessoas têm o direito de obedecer e não podem ser condenadas por fazerem
o que é correto.
Padre Paulo Ricardo
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Imagens: web
Cristo Nihil Praeponere
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