O primeiro discute-se assim — Parece que Cristo
não tomou o seu próprio corpo e sangue.
1. — Pois, não devemos afirmar dos atos e ditos de
Cristo senão o que não nos transmitiu a autoridade da Sagrada Escritura. Ora,
os Evangelhos não referem ter Cristo comido, o seu corpo nem bebido o seu
sangue. Logo, também nós não podemos afirmá-la.
2. Demais. — Nenhum ser pode estar em si mesmo,
salvo talvez em razão das partes, isto é, enquanto uma parte está em outra,
como o ensina Aristóteles. Ora, o que é comido e bebido está em quem come e
bebe. Logo, estando Cristo totalmente sob ambas as espécies do sacramento,
parece impossível que ele próprio recebesse este sacramento.
3. Demais. — De dois modos podemos receber este
sacramento — o espiritual e sacramental. Ora, recebê-lo espiritualmente não cabia
a Cristo, pois, nenhuma graça tinha a receber deste sacramento. E por conseqüência
nem o modo sacramental, que sem o espiritual é imperfeito, como se estabeleceu.
Logo, Cristo de nenhum modo recebeu este sacramento.
Mas, em contrário, diz Jerônimo: Nosso
Senhor Jesus Cristo foi ao mesmo tempo conviva e o banquete, ele próprio a si
mesmo se comeu.
SOLUÇÃO. — Certos disseram que Cristo, na Ceia, deu
aos seus discípulos o seu corpo e sangue, mas ele próprio não os tomou. — Mas
esta opinião é inadmissível. Porque Cristo era o primeiro a observar o que
instituiu para os outros observarem. Por isso quis ser batizado antes de impor
o batismo aos outros, segundo aquilo da Escritura: Começou Jesus a fazer e a
ensinar. Por onde, primeiro tomou o seu corpo e o seu sangue e depois deu a
tomá-las aos discípulos. Assim, àquilo da Escritura — Depois que comeu e
bebeu, etc. — diz a Glosa: Cristo comeu e bebeu na ceia, quando deu aos
discípulos o sacramento do seu corpo e sangue. Por onde, como os filhos
tiveram carne e sangue comum, ele também participou igualmente das mesmas
causas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Os
Evangelhos referem que Cristo tomou o pão e o cálice. Mas não devemos
entendê-lo como os tivesse apenas tomado nas mãos, segundo certos dizem; senão
que os tomou para os dar a tomar aos outros. Por isso, o dizer aos discípulos: Tomai
e comei, e ainda — Tomai e bebei, deve-se entender como tendo ele
próprio tomado para comer e beber. Assim é que certos o disseram em verso:
O Rei está
sentado, na Ceia, rodeado do grupo dos doze;
Tem-se a si
mesmo nas mãos, é para si o seu próprio alimento.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como dissemos, Cristo,
enquanto está neste sacramento, ocupa lugar, não nas suas dimensões próprias,
mas nas dimensões das espécies sacramentais. De modo que, em qualquer lugar
onde essas espécies estiverem aí está o próprio Cristo. E como tais espécies
podiam estar nas mãos e na boca de Cristo, o próprio Cristo podia estar
totalmente nas suas mãos e na sua boca. Mas isso não poderia dar-se se ocupasse
um lugar segundo as suas espécies próprias.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos o efeito deste
sacramento é não só o aumento da graça habitual, mas também uma certa deleitação
atual com a doçura espiritual. Mas embora a graça de Cristo não aumentasse por
ter recebido este sacramento, gozou contudo de um certo deleite espiritual,
pela nova instituição dele. Por isso ele próprio o disse: Tenho desejado
ansiosamente comer convosco esta Páscoa. O que Eusébio expõe como alusivo ao
novo mistério do Testamento Novo, que transmitiu aos discípulos. Por onde,
comungou tanto espiritual como sacramentalmente, enquanto tomou o seu corpo sob
a forma de sacramento, sacramento que sabia e dispôs que era o do seu corpo.
Mas de modo diferente do que os demais, quando o recebem sacramental e
espiritualmente, que recebem aumento de graça e precisam dos sinais
sacramentais para perceberem a verdade.
Santo Tomás de Aquino,
Suma Teológica
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