Domingo fui à
missa, como costumo fazer nos domingos, com a minha família. Estava ocorrendo
uma “missa sertaneja” na minha paróquia, de modo que tive que acompanhar a
procissão de entrada com uma versão mal adaptada do “Menino da Porteira”, ouvir
o “Luar do Sertão” como salmo responsorial e ir à fila da comunhão sob o som da
“Tristeza do Jeca”. Enfim, ao menos houve o cuidado de adaptar as letras da
música para uma vaga expressão de religiosidade; um pouco mais piedoso do que
certa missa celebrada em homenagem às mães na escola católica em que meus
filhos estudam, em que as leituras foram substituídas por textos do santo
fundador, ou mesmo uma missa de sétimo dia ocorrida numa paróquia de religiosos
daqui da nossa Arquidiocese, em que o salmo responsorial era de Renato Russo e
os textos da liturgia da Palavra proclamaram poemas de Carlos Drummond de
Andrade.
Na segunda,
resolvi passar numa livraria católica, para comprar um exemplar da encíclica “Veritatis
Splendor”, que gosto de folhear para servir de inspiração ao meu trabalho
jurídico. Quase não encontrei: perdida por trás de outros livros, numa estante
remota. Como destaques na vitrine, livros teológicos de autores tais como Roger
Haight, Andrés Torres Queiruga, Marciano Vidal, Leonardo Boff, só para citar
alguns que lembro de cabeça. Todos já notificados por heresia pela Congregação
para a Doutrina da Fé da Santa Sé. Havia outras obras igualmente destacadas,
com títulos como “Uma Outra Igreja é Possível” (parece que já se dá por certo
que esta já não é mais possível) ou “Ovelhas ou Protagonistas”, sobre o papel
de leigo (Parece que o autor descobriu que Jesus seria um pastor de “protagonistas”,
não de ovelhas).
Já no trabalho,
percorrendo o noticiário eletrônico, descubro, pela internet, que como cristão,
não devo ficar com os braços cruzados, mas lutar pela imediata implantação da
“reforma política popular” oferecida por uma certa “Coalizão pela Reforma Política Democrática e Eleições limpas”. No site “Reformapolitica.org.br”,
um diácono católico me alerta que “para os maniqueístas que defendem que a
Igreja não deve mexer com política, é necessário lembrar que a CNBB participa
ativamente deste processo. E, por uma questão de consciência, assinala Dom
Joaquim Giovani Mol Guimarães, bispo auxiliar de Belo Horizonte e responsável
pela Comissão para o Acompanhamento da Reforma Política, trata-se de um ato que
tem como motivação a vivência da fé.”
Mas viver a fé
na vida política, sou logo advertido, não é debater dentre os diversos modelos
de reforma política, mas aceitar apenas a da Coalizão. E concluir, com ela, que
a atual classe política está constituída majoritariamente de gente ilegítima
até mesmo para participar de um debate assim. Qualquer outra proposta é
“contrarreforma”, o que soa comoreacionarismo da elite dominante contra
a vanguarda popular presidida por esta “coalizão”.
Leio um artigo
publicado no site “Adital”: “Para D. Leonardo Steiner, Secretário Geral da
CNBB, 'a maioria dos congressistas não têm interesse em reformar o sistema
político e eleitoral do nosso país porque se encontram em zona de conforto no
atual sistema. É necessária uma conjunção de forças, no sentido de unificar
objetivos e áreas a serem reformadas'”. Seria necessário, segundo tais
pensadores, uma “Constituinte exclusiva” para a reforma política. Nossa atual
Constituição não serviria mais.
Na verdade,
parece que a Coalizão vê esta falta de legitimidade política dos políticos
brasileiros especialmente no PMDB: “Na próxima quarta-feira, a Ordem dos
Advogados do Brasil e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil realizarão um
ato público contra a proposta de reforma política defendida pelo PMDB, no
Congresso Nacional.” É a notícia publicada no site “poder Online”. Na
verdade, o site Adital complementa as informações, assim: “A informação é
do professor Daniel Seidel, membro da Comissão Brasileira de Justiça e Paz,
assessor político da CNBB, uma das organizações que integram a Coalizão pela
Reforma Política Democrática e Eleições Limpas”. Este Daniel Seidel, tomo
conhecimento também pela Internet, fala pelos bispos mas não é bispo. Parece
que tem filiação partidária, e que já foi candidato, mas por um partido
devidamente popular e vanguardista. Ele chama as outras propostas de reforma
política de “contrarreformas”: “como o tempo político no Congresso se
acelerou com o andamento de uma contrarreforma e já acelerada, nós vamos fazer
chegarem as assinaturas”, observa. Ainda atribui a resistência de setores
católicos à reforma proposta pela entidade que representa como “falácias
contadas à opinião pública sobre a campanha da reforma política,
preconizada pela Coalizão.” Lembra que “os quatro pontos principais da proposta
são: a proibição do financiamento de campanha por empresas e
adoção do financiamento democrático de campanha; eleições proporcionais
em dois turnos; paridade de gênero na lista
pré-ordenada; e fortalecimento dos mecanismos dademocracia direta, com
a participação da sociedade em decisões nacionais importantes.”
Curiosamente, no
site do PT http://www.pt.org.br/reformapolitica/, há a
propaganda de uma “reforma política de iniciativa popular”, cujas
assinaturas estão sendo colhidas em algum lugar que o site não especifica, com
as seguintes características: “Convocar uma Constituinte exclusiva”,
por coincidência também proposto pela Coalizão, o voto em lista
pré-ordenada, um aumento real da presença das mulheres em todas as
instâncias da política nacional (ou de gênero, como diz a
cartilha da Coalizão), e o financiamento público de campanha.
Num outro site
sobre reforma política, chega a notícia: “Na tarde desta quarta-feira (3), foi
a vez do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva votar "sim" no
Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema
Político, durante um evento em Salvador (BA)”. Há uma foto vistosa de um
palanque e do referido político, em pé, a assinar um documento.
Num corredor de
sacristia, num desses finais de semana de missas sertanejas, ouvi duas pessoas
conversando sobre o panelaço ocorrido na semana passada, durante o programa do
PT: “são os coxinhas, eles não se conformam por terem perdido as
empregadas domésticas, por terem que dividir os aeroportos com os pobres, por
terem que dividir as universidades com os afrodescendentes, os médicos cubanos
revolucionaram o problema da saúde no Brasil”. Bom, não tenho empregadas, não
curso universidades e frequento muito raramente os aeroportos. Nunca utilizei
os serviços dos médicos cubanos. Mas minha faxineira leva mais de três horas
para se deslocar da sua casa até a minha, de ônibus. Talvez ela não saiba que
deveria vir de avião.
Quanto a mim,
estou aguardando para obedecer aos nossos bispos. Quero ser um bom católico. Se
para isso é necessário passar a cantar “Menino na Porteira” para comungar,
considerar ilegítimos e contrarreformistas todos os que discordem da reforma
política acima descrita, ser representado por leigos militantes partidários em
nome da Conferência dos nossos bispos, ler Boff, Vidal e Queiruga como teólogos
de referência e defender que a Constituição Brasileira já não serve, e que
qualquer um que reclame contra as políticas do governo é um “coxinha”
reacionário e explorador de um sistema “excludente” que não aceita que os
pobres andem de avião, então vamos.
Se é necessário
acreditar que, apesar de divulgada no site do PT e concordar ponto por ponto
com as propostas daquele partido, a iniciativa popular da “coalizão” é
independente, e se isto é devido por força da obediência ao magistério da
Igreja no Brasil, nos esforçaremos por obedecer. Já tivemos um Bispo
vanguardista no poder, no Paraguai. Parece que os “maniqueístas que
defendem que a Igreja não deve participar da política” o derrubaram. Conta
o ex-presidente do Uruguai em sua Biografia, recentemente publicada:
“Um encontro
tão fugaz e repentino entre presidentes levantaria suspeitas, motivo pelo qual
o governo brasileiro resolveu enviar um avião a Montevidéu para transportar o
emissário de Mujica à residência de Dilma, em Brasília. (...) Durante a
conversa, Dilma mostrou a ele fotos, gravações e informes dos serviços de
inteligência brasileiros, venezuelanos e cubanos, que registravam como foi
gestado um 'golpe de estado' contra Lugo por um grupo de "mafiosos"
que, a partir da queda do presidente, assumiram o poder. 'O Brasil necessita
que o Paraguai fique de fora do Mercosul para, dessa forma, acelerar as
eleições no país', concluiu Dilma. (...)Na semana seguinte, no início do julho
de 2012, todos os presidentes do Mercosul votavam, em uma cúpula na cidade
argentina de Mendoza, a suspensão do Paraguai.”
Fechar os olhos,
engolir, obedecer, seria o novo lema para o resto de nós. Parece que não
sabemos nem ver por nós mesmos, nem julgar adequadamente,
nem agir senão reacionariamente. Seremos, parece, reeducados pelos
“protagonistas” de uma “nova Igreja”.
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ZENIT
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