CARTA ENCÍCLICA DO PAPA LEÃO XIII
"QUOD APOSTOLICI MUNERIS"
SOBRE O SOCIALISMO E O COMUNISMO
aos Veneráveis Irmãos Patriarcas, Primazes,
Arcebispos, Bispos e outros Ordinários em paz e comunhão com a Santa Sé
Apostólica.
Veneráveis Irmãos, Saúde e Bênção Apostólica.
INTRODUÇÃO
Crescem os
males da sociedade.
1. Obedecendo ao dever do Nosso cargo apostólico,
não deixamos logo no princípio do Nosso Pontificado, nas cartas encíclicas que
Vos dirigimos, Veneráveis Irmãos, de apontar esta peste mortal que se introduz
como a Serpente por entre as articulações mais íntimas dos membros da sociedade
humana, e a coloca num perigo extremo. Ao mesmo tempo vos indicamos os remédios
mais eficazes para que a sociedade possa voltar ao caminho da salvação e
escapar aos graves perigos que a ameaçam. Mas os males, que então deploramos,
aumentam tão rapidamente, que somos de novo obrigado a dirigir-Vos a palavra,
porque nos pareceu ouvir mais uma vez ressoar aos nossos ouvidos estas palavras
do Profeta: ‘Clama, não cesses de clamar, levanta a tua voz e que ela seja
semelhante a uma trombeta” (Is 63,1).
Socialismo,
comunismo, niilismo.
2. Vós compreendereis facilmente que Nos referimos
a essa seita de homens que, debaixo de nomes diversos e quase bárbaros, se
chamam socialistas, comunistas ou niilistas, e que, espalhados sobre toda a
superfície da terra, e estreitamente ligados entre si por um pacto de
iniquidade, já não procuram um abrigo nas trevas dos conciliábulos secretos,
mas caminham ousadamente à luz do dia, e se esforçam por levar a cabo o
desígnio, que têm formado de há muito, de destruir os alicerces da sociedade
civil. É a eles, certamente, que se referem as sagradas letras quando dizem:
“Eles mancham a carne, desprezam o poder e blasfemam da majestade” (Jud 8).
Contra a
sociedade.
3. Nada deixam intacto ou inteiro do que foi
sabiamente estabelecido pelas leis divinas e humanas para a segurança e honra
da vida. Enquanto censuram a obediência, devida às autoridades às quais o
Apóstolo nos ensina que toda a alma deve ser sujeita e que receberam por
empréstimo de Deus o direito de mandar, eles pregam a igualdade absoluta de
todos os homens no que diz respeito aos direitos e deveres. A união natural do
homem e da mulher, sagrada até entre as próprias nações bárbaras, eles a
desonestam; e este laço, no qual se encerra principalmente a sociedade
doméstica, enfraquecem-no e até o entregam ao mero capricho da sensualidade.
Contra a
propriedade.
4. Seduzidos por fim pela cobiça dos bens
presentes, que é “a origem de todos os males e que faz errar na fé aqueles em
quem domina” (1 Tim 6,10), eles combatem o direito de propriedade, sancionado
pela lei natural; e, por um atentado monstruoso, enquanto afectam tomar
interesse pelas necessidades de todos os homens e pretendem satisfazer todos os
seus desejos, trabalham por arrebatar e pôr em comum tudo o que tem sido
adquirido ou por título de legitima herança, ou pelo trabalho do espírito e das
mãos, ou pela economia.
Contra a
autoridade.
5. E estes monstruosos erros, eles os proclamam nas
suas reuniões, os advogam nos seus panfletos e os semeiam entre o povo por meio
de uma nuvem de jornais. De onde se segue que a majestade respeitável dos Reis
e a autoridade estão expostas, a tal ódio da plebe sediciosa, que alguns
culpáveis traidores, insofridos de todo o freio, várias vezes num curto espaço
de tempo, animados de ímpia audácia, têm apontado repetidamente as suas armas
contra os próprios chefes das nações.
ORIGEM DE
TAIS DOUTRINAS
O
racionalismo.
6. Esta audácia de homens pérfidos, que ameaça com
uma ruína cada vez mais grave a sociedade civil, e enche de inquietação e temor
todos os espíritos, tira a sua origem e a sua causa dessas doutrinas
envenenadas, que, em tempos anteriores, espalhadas como germe de corrupção
entre os povos, têm produzido a seu tempo frutos deletérios.
7. Efectivamente sabeis muito bem, Veneráveis
Irmãos, que a guerra encarniçada que os Inovadores declararam, a partir do
século XVI, contra a fé católica, e que tem aumentado de dia para dia cada vez
mais, até à nossa época, tende a este fim, que, recusando toda a revelação e
suprimindo toda a ordem sobrenatural, esteja aberto o campo às invenções, ou
antes aos delírios da razão somente. Este erro, que da razão indevidamente tira
o nome, lisonjeia e excita o orgulho do homem e tira o freio a todas as suas
paixões: por isso invadiu naturalmente não só o espírito de muitos indivíduos,
mas também, em grande escala, a sociedade civil.
SEUS FRUTOS
O Estado, e
o Ensino sem Deus.
8. Daí veio que, por uma nova iniquidade,
desconhecida até aos pagãos, os Estados se constituíram sem fazerem caso algum
de Deus, nem da ordem por Ele estabelecida; a autoridade pública foi declarada
corno não tirando de Deus nem o seu principio, nem a majestade, nem a força de
mandar, mas que provinha da multidão, que, reputando-se livre de toda a sanção
divina, julgou que devia submissão apenas às leis que ela mesma fizesse,
consoante o seu capricho. Sendo combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais
da fé como contrárias à razão, o próprio Autor e Redentor do género humano é
insensivelmente e pouco a pouco banido das Universidades, dos liceus, dos
colégios e de todo o uso púbico da vida humana.
A rebelião
dos necessitados.
9. Entregues ao olvido recompensas e castigos da
vida futura e eterna, o desejo ardente da felicidade foi circunscrito aos
limites do tempo presente. Estando por toda parte profusamente espalhadas estas
doutrinas e introduzindo-se em todos os lugares esta extrema licenciosidade de
pensamento e de acção, não é para admirar que os homens de ínfima condição,
cansados da pobreza de suas casas ou pequenas oficinas, tenham inveja de se
elevarem até aos palácios e à fortuna dos ricos: não é para admirar que já não
haja tranquilidade na vida pública e particular, e que o género humano esteja
já chegado quase à borda do abismo.
OS PAPAS
ALERTAM OS POVOS
10. Entretanto os Pastores Supremos da Igreja, a
quem incumbe o cuidado de preservar o rebanho do Senhor dos embustes do
inimigo, empregaram logo ao princípio todos os seus esforços para afastar o
perigo e prover à salvação dos fiéis. Efectivamente, depois que começaram a
formar-se as sociedades secretas, em cujo seio já se iam desenvolvendo os
germes dos erros que temos apontado, os Pontífices romanos Clemente XII e Bento
XIV não se descuidaram em desmascarar os desígnios ímpios das seitas e avisar
os fiéis do mundo inteiro do mal que s1hes preparava secretamente.
O
filosofismo, As seitas ocultas.
11. Depois que os que se ufanavam do nome de
filósofos atribuíram ao homem uma espécie de independência desenfreada e
começaram a inventar e sancionar o que chamam o direito novo, contrário à lei
natural e divina, o Papa Pio VI, de saudosa memória, assinalou imediatamente,
com documentos públicos, o carácter iníquo e a falsidade destas doutrinas e ao
mesmo tempo predisse, com previdência apostólica, o estado ruinoso ao qual o
povo, miseravelmente enganado, seria conduzido. Contudo, como se não tomou
medida alguma eficaz para impedir que as perversas doutrinas das seitas se
espalhassem cada vez mais pelos povos e penetrassem nos altos públicos dos
governos, os Papas Pio VII e Leão XII anatematizaram estas seitas secretas e
avisaram de novo a sociedade do perigo que a ameaçava.
O
socialismo.
12. Finalmente, todos sabem com que gravidade de
linguagem, com que firmeza e constância o Nosso glorioso Predecessor Pio IX, de
saudosa memória, combateu, quer nas suas alocuções, quer nas suas Encíclicas
dirigidas aos Bispos de todo o mundo, tanto os esforços iníquos das seitas,
como nomeadamente a peste do socialismo, que já irrompia dos seus antros.
Os
governantes desconfiam da Igreja.
13. Mas é muito para lastimar que os que se
encarregaram de vigiar, pelo bem público, enganados pelos ardis dos ímpios e
assustados pelas suas ameaças, sempre deram prova de desconfiança e até de
injustiça para com a Igreja, não compreendendo que todos os esforços das seitas
teriam sido impotentes se a doutrina da Igreja católica e a autoridade dos
Pontífices romanos tivessem sempre sido devidamente respeitadas pelos príncipes
e pelos povos. Porque “a Igreja do Deus vivo, que é a coluna e o sustentáculo
da verdade” (1 Tim 3,15), ensina as doutrinas e princípios, cuja verdade
consiste em assegurar inteiramente a salvação e tranquilidade da sociedade e
desarreigar completamente o germe funesto do socialismo.
OPOSIÇÃO
ENTRE A DOUTRINA DO EVANGELHO E O SOCIALISMO
O
igualitarismo socialista.
14. Porque, ainda que os socialistas, abusando do
próprio Evangelho, a fim de enganarem mais facilmente os espíritos incautos,
tenham adoptado o costume de o torcerem em proveito da sua opinião, -entretanto
a divergência entre as suas doutrinas depravadas e a puríssima doutrina de
Cristo é tamanha que maior não podia ser. Pois “que pode haver de comum entre a
justiça e a iniquidade. Ou que união entre a luz e as trevas?” (2 Cor 6,14). Os
socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos
os homens segundo a natureza; afirmam, como consequência, que não se devem
honras nem veneração à majestade dos soberanos, nem obediência às leis, a não
serem estabelecidos por eles próprios e segundo o seu gosto.
A Igualdade
evangélica.
15. Mas, ao contrário, segundo as doutrinas do
Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma
natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que,
tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o
castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de
poder provém do próprio Autor da natureza, “de quem toda a paternidade tira o
nome, no céu e na terra” (Ef 3,15).
16. Mas as almas dos príncipes e dos súbditos
estão, segundo a doutrina e preceitos católicos, ligadas de tal sorte, por
deveres e direitos mútuos, que se modere o desejo de dominar e o motivo da
obediência se torne fácil, constante e nobilíssimo.
Doutrina da
Igreja sobre o poder.
17. Por isso a Igreja inculca constantemente aos
súbditos o preceito do Apóstolo: “Não há poder que não venha de Deus e os que
existem foram ordenados por Deus. Aquele, pois, que resiste ao poder resiste à
ordem de Deus e os que resistem atraem sobre si a condenação”. E de novo ordena
que sejam submissos não só por temor, mas também por motivos de consciência, e
que se dê a cada um o que for devido: “a quem o imposto, o imposto; a quem o
temor, o temor; a quem a honra, a honra” (Rom 13,1-7). Aquele que criou e
governa todas as coisas regulou com a sua sabedoria providencial que as íntimas
coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu
fim.
18. Por isso, assim como no céu quis os coros dos
Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu
graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem
apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor 12,27>; assim
estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em
dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a
Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres
que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem
comum.
Admoestação
aos que governam.
19. Mas, para que os regentes dos povos usem do
poder que lhes é concedido para edificar e não para destruir, a Igreja de
Cristo avisa-os muito a propósito de que a severidade do julgamento supremo
ameaça também os príncipes, e repetindo as palavras da Divina Sabedoria brada a
todos em nome de Deus: “Prestai atenção, vós que dirigis as multidões e que vos
comprazeis do número das nações, porque o poder vos foi dado por Deus e a força
pelo Altíssimo que examinará as vossas obras e perscrutará os vossos
pensamentos... Porque o julgamento dos que governam será muito severo.. . Deus
efectivamente não exceptuará pessoa alguma nem terá atenção com as grandezas de
ninguém, pois Deus criou o pequeno e o grande e tem igual cuidado por todos;
mas para os mais fortes está reservado um castigo mais forte” (Sab 6,3 ss).
Contra o
abuso do poder.
A paciência
e a oração.
20. Se, portanto, acontecer alguma vez que o poder
púbico seja exercido pelos príncipes temerariamente e ultrapassando os limites
da justiça, a doutrina da Igreja católica não permite que os súbitos se
revoltem contra eles, com receio de que a tranquilidade da ordem fique ainda
mais perturbada e por isso a sociedade sofra um prejuízo muito maior. E, quando
as coisas chegarem ao ponto de já não brilhar esperança alguma de salvação, a
Igreja ensina que o remédio deve ser rogado e apressado pelos merecimentos da
paciência cristã e com fervorosas orações a Deus.
21. Se a vontade dos legisladores e dos príncipes
sancionar ou ordenar alguma coisa que esteja em oposição com a lei divina ou
natural, a dignidade e o dever do nome cristão, assim como o preceito
apostólico, prescrevem que devemos “obedecer a Deus antes que aos homens” (At
5,29).
A SOCIEDADE
DOMÉSTICA
22. A própria sociedade doméstica, que é o
princípio e a base da cidade e do reino, ressente e experimenta necessariamente
esta virtude salutar da Igreja, que contribui para a perfeita organização e
para a conservação da sociedade civil. Pois bem sabeis, Veneráveis Irmãos, que
a verdadeira constituição da sociedade é baseada, segundo a necessidade do
direito natural, directamente sobre a união indissolúvel do homem e da mulher e
que é completada pelos direitos e deveres mútuos entre os pais e os filhos,
entre os amos e os criados. Sabeis também que as doutrinas do socialismo
desorganizam completamente a sociedade, porque, perdendo o apoio que lhe dá o
casamento religioso, tem forçosamente de ver enfraquecer-se o poder do pai
sobre os filhos, e os deveres dos filhos para com os pais.
23. A Igreja, pelo contrário, nos ensina que o
casamento respeitável em tudo (Heb 13,4), instituído pelo próprio Deus no
princípio do mundo para a propagação e conservação do género humano, e por Ele
decretado indissolúvel, foi feito mais indissolúvel e mais santo ainda por
Cristo, que lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e dele fez a figura da sua
união com a Igreja.
24. Por consequência, é necessário, segundo as exortações
do Apóstolo (Ef 5,23), que o homem seja o chefe da mulher como Cristo é o Chefe
da Igreja, e que as mulheres sejam submissas a seus maridos e deles recebam as
provas de amor fiel e constante, como a Igreja é submissa a Cristo, que a
abraça com amor eterno e castíssimo.
Poder
paterno e heril.
25. A Igreja regula igualmente o poder dos pais e
dos amos, a fim de que possam conter os filhos e os criados no cumprimento dos
seus deveres, sem se afastarem dos Imites da justiça. Porque, segundo a
doutrina católica, a autoridade dos pais e dos amos deriva da autoridade do Pai
e do Senhor celeste. Por consequência tira dela não somente a origem a força,
mas até, e muito necessariamente, a sua essência e carácter. Daí vem que o
Apóstolo exorta os filhos “a obedecer a seus pais no Senhor e a honrarem seu pai
e mãe, que é o primeiro mandamento acompanhado de promessa” (Ef 6,1-2). E aos
pais diz: “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à cólera, mas dai-lhes
educação instruindo-os e corrigindo-os segundo o Senhor” (Ei 6,4).
Relações
entre amos e criados.
26. E mais adiante o mesmo Apóstolo recomenda aos
criados e aos amos: aos primeiros que “Obedeçam a seus senhores segundo a
carne, como ao próprio Jesus Cristo servindo-os de bom grado como ao Senhor;
aos outros que e não excedam em ameaças nem maus tratos, lembrando-se que Deus
é o Senhor de todos, e que para Ele não há distinção de pessoas” (Ef 6,5-9).
27. Se todas estas coisas fossem observadas por
aqueles a quem dizem respeito, conforme a disposição da vontade divina, cada
família ofereceria a imagem da morada celeste e os insignes benefícios que dai
resultariam não ficariam encerrados unicamente dentro das paredes da casa, mas
espalhar-se-iam também profusamente nos Estados.
DIREITO DE
PROPRIEDADE
28. Quanto à tranquilidade da sociedade pública e
doméstica, a sabedoria católica, apoiada nos preceitos da lei natural e divina,
a isso provê muito prudentemente com suas doutrinas e ensinos sobre o direito
da propriedade e sobre a partilha dos bens que são arranjados para as
necessidades e utilidades da vida. Porque os sectários do socialismo,
apresentando o direito de propriedade como uma invenção humana que repugna à
igualdade natural dos homens, e reclamando o comunismo dos bens, declaram que é
impossível suportar com paciência e pobreza e que as propriedades e regalias
dos ricos podem ser violadas impunemente. Mas a Igreja, que reconhece muito
mais útil e sabiamente que existe a desigualdade entre os homens, naturalmente
diferentes nas forças do corpo e do espírito, e que esta desigualdade também existe
na propriedade dos bens, determina que o direito de propriedade ou domínio, que
vem da própria natureza, fique intacto e inviolável para cada um.
Condenação
da rapina.
Desvio pelos
pobres.
29. Ela sabe, efectivamente, que o roubo e o
latrocínio foram proibidos por Deus, autor e defensor de todos os direitos, de
tal forma que nem sequer é permitido desejar os bens doutrem, e que os ladrões
e roubadores, assim como os adúlteros e idólatras, são excluídos do reino dos
céus. Mas entretanto a Igreja, esta piedosa mãe, nem por isso despreza o
cuidado pelos pobres nem se descuida de prover às suas necessidades, porque,
abraçando-os com a sua ternura maternal e sabendo que eles representam o
próprio Jesus Cristo, que considera como feito a EIe o bem que por qualquer for
feito ao mais ínfimo dos pobres, os tem em grande consideração; ela os ajuda
por todos os meios possíveis, toma a seu cargo mandar levantar por todo o mundo
casas e hospícios para os receber, sustentar e tratar, e os toma debaixo da sua
protecção.
30 Além disso, impõe como rigoroso dever aos ricos
dar o supérfluo aos pobres e ameaça-os com o juízo de Deus que os condenará aos
suplícios eternos, se não acudirem às necessidades dos indigentes. Enfim,
atenta e consola o coração dos pobres, quer apresentando-lhes o exemplo de
Jesus Cristo que, “sendo rico, quis fazer-se pobre por nós” (2 Cor 8,9), quer
lembrando-lhes as suas palavras, pelas quais declara felizes os pobres e
ordena-lhes que esperem as recompensas da felicidade eterna.
31. Quem não verá, na verdade, que é este o melhor
meio de apaziguar a antiga questão entre os pobres e os ricos? Porque, a
própria evidência das coisas e dos fatos bem o demonstra, desprezado ou
rejeitado este meio, terá de acontecer necessariamente uma de duas Coisas: ou a
maior parte do género humano será reduzida à ignominiosa condição dos escravos,
como o foi por muito tempo entre os pagãos, ou a sociedade será agitada por
perturbações continuas e desolada pelos roubos e assassínios, como muito
recentemente ainda tivemos o desgosto de ver.
Exortação
aos povos e autoridades.
32. Sendo isto assim, Veneráveis Irmãos, Nós, a
quem incumbe, há pouco tempo, o governo de toda a Igreja, depois de termos
mostrado desde o princípio do Nosso Pontificado aos povos e aos príncipes,
acossados pelo furor da tempestade, o porto onde encontrariam um abrigo seguro,
impelidos agora pelo gravíssimo perigo que está ameaçando, fazemos de novo
ressoar a seus ouvidos a palavra apostólica para a salvação dos mesmos, bem
como para a salvação de seus Estados. Nós lhes pedimos, Nós lhes rogamos
instantemente que aceitem o magistério da Igreja tão benemérita dos Estados,
debaixo do ponto de vista da prosperidade pública, e que atentem bem que os
interesses do Estado e os da religião, estão de tal forma unidos entre si, que
tudo quanto se fizer perder a esta última, outro tanto enfraquece o dever dos
sóditos e a majestade do poder.
E quando reconhecerem que, para afastar esta peste
do socialismo, a Igreja possui uma força como nunca tiveram nem as leis
humanas, nem as repressões dos magistrados, nem as armas dos soldados, tratarão
de restituir logo à Igreja a condição e liberdade tais, que possa exercer esta
força tão salutar para o bem comum de toda a sociedade humana.
EXORTAÇÃO AO
EPISCOPADO
Prevenir as
crianças.
33. Quanto a Vós, Veneráveis Irmãos, que
reconheceis perfeitamente a origem e o carácter dos males que nos assolam por
toda a parte, tratai com todas as veras e com todo o esforço do vosso espírito
de espalhar e fazer penetrar profundamente nas, almas a doutrina católica.
Esforçai-vos por que todos os cristãos acostumem seus filhos desde a mais tenra
idade a amar a Deus e a respeitar a Sua santa vontade, a inclinarem-se perante
a majestade dos príncipes e das leis, e refrear as paixões e a conservar
escrupulosamente a ordem que Deus estabeleceu na sociedade civil e na sociedade
doméstica.
Não apoiar o
socialismo.
34. É necessário, além disto, que trabalheis para
que os filhos da Igreja Católica não ousem, seja debaixo de que pretexto for,
filiar-se na seita abominável, nem favorecê-la. E também que por acções nobres
e pela honradez do seu comportamento mostrem como a sociedade humana seria
feliz, se cada um dos seus membros brilhasse pela rectidão dos seus actos e
pelas suas virtudes.
Fomentar as
associações de proletários sob a tutela da Igreja.
35. Finalmente, como se procuram sobretudo
sectários na classe dos homens que exercem oficio, que alugam o seu trabalho e
que, cansados da condição de trabalhadores, são muito facilmente seduzidos pela
esperança das riquezas e pelas promessas de fortuna, parece oportuno sustentar
as sociedades de artistas e operários, que, fundadas debaixo da protecção da
Religião, ensinam a todos os associados que se contentem com a sua sorte e
suportem o trabalho com paciência e os persuadam a que tenham uma vida sossegada
e tranquila.
Confiança em
Deus.
36. Favoreça os Nossos esforços e os Vossos,
Veneráveis Irmãos, Aquele a quem somos obrigados a atribuir o princípio e o
êxito de todo o bem. Aliás, nestes dias em que celebramos o Nascimento de Nosso
Senhor, encontramos motivos de esperança de um socorro muito próximo.
Efectivamente, esta nova salvação que Cristo recém-nascido trouxe ao mundo já
envelhecido e quase decomposto pela enormidade de seus males, Ele nos ordena
que a esperemos também; e aquela paz anunciada aos homens pelos Anjos, também
prometeu que no-la dava. “A mão do Senhor não se retirou para não nos poder
salvar, nem aos seus ouvidos se obstruíram para não nos poder ouvir” (Is 59,1).
Nestes dias, pois, de feliz auspício, Nós vos desejamos a Vós, Veneráveis
Irmãos, e a todos os fiéis das Vossas Igrejas, todas as felicidades e todas as
alegrias; e Nós rogamos com instância Àquele que dá todos os bens — “para que
de novo apareça aos homens a benignidade de Deus nosso Salvador” (T-ito 3,4),
que, depois de nos ter arrancado do poder do Nosso terrível inimigo, nos elevou
à nobilíssima dignidade de filhos.
37. E a fim de que os Nossos votos sejam mais
pronta e completamente realizados, juntai-Vos a Nós, Veneráveis Irmãos, para
dirigir a Deus fervorosas orações; invocai também a protecção da bem-aventurada
Virgem Maria, Imaculada desde a origem, e de S. José seu esposo, e dos
bem-aventurados Apóstolos S. Pedro e S. Paulo, em cuja intercessão temos a
maior confiança. Entretanto, como penhor dos favores celestes, Nós Vos damos do
fundo do coração, no Senhor, a Bênção Apostólica, a Vós, Veneráveis Irmãos, ao
Vosso clero e a todos os povos fiéis.
Dada em Roma,
junto de S. Pedro, aos 28 de dezembro de 1878, primeiro ano do Nosso
Pontificado.
LEÃO
XIII, PAPA
_____________________________________
Disponível em
português: Depósito P
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