Há um curioso paradoxo na afirmação de que as
opções sexuais de cada um são um assunto privado, por um lado, e a frenética
luta para promover a educação sexual de crianças e adolescentes, a ideologia do
gênero e o casamento civil homoafetivo, de outro. É um paradoxo perverso.
Porque silencia.
Silencia porque cada vez que alguém tenta falar
publicamente sobre os temas acima, de modo a expor suas próprias opiniões sobre
o assunto, há sempre alguém que retruca agressivamente com a afirmação de que a
conduta sexual de cada um, as escolhas sexuais de cada um, são assunto
estritamenteparticular e privado, e por isto aqueles que
manifestam-se no sentido de que a ideologia de gênero não é matéria adequada
para a educação de nossos jovens, que a identidade sexual não pode prescindir
do seu componente biológico para estabelecer-se, e que a família não pode
prescindir da complementariedade e da fecundidade para definir-se são
agredidos como se fossem apenas moralistas, retrógrados e reacionários, além de
fanáticos religiosos, que querem impor seus próprios padrões de moralidade aos
outros. Vivam e deixem viver, dizem os defensores dessas ideologias. Não
se metam nas escolhas sexuais dos outros, dizem eles, porque vivemos num país
livre e laico e não lhes cabe impor a nós a (suposta) opressão heterossexual e a
discriminação de cidadãos com base em preferências sexuais.
Onde está o paradoxo? Está em dizer que tais
assuntos são “privados”, e que portanto dizem respeito apenas aos que os vivem,
e ao mesmo tempo tentar obter o reconhecimento público das condutas dos
que ostentam tais opções. Ora, se tais assuntos são privados, e se é injusto
que qualquer grupo social que tenha opiniões diferentes venha a interferir nas
escolhas de quem os adota, então de igual modo é injusto que se pleiteie
o reconhecimento público e a promoção estatal dessas
escolhas. Mesmo a título de “educação inclusiva” ou “vencer os preconceitos e
as discriminações”.
Ouvi, outro dia, durante um debate inflamado,
alguém perguntar agressivamente a um interlocutor que discordava da legalização
do casamento homoafetivo: “Por que você quer impor sua própria
heteronormatividade a quem tem uma sexualidade diferente da sua? Se você
acredita no casamento heterossexual, então case-se com alguém de outro sexo e
seja feliz, e deixe ser feliz quem acredita no casamento homoafetivo e quer ter
direito a ter sexo com alguém do mesmo sexo. Uma vez que a conduta deste
último não vai influir em nada na sua vida, sua posição é simples
moralismo, discriminação injusta, atraso de mentalidade, falta de educação,
violação do estado laico. Seu direito acaba onde começa o direito do outro”.
Temendo ser retrógrado, atrasado, fanático ou
moralista, o debatedor que se opunha a tais “avanços” se calou, porque não
tinha argumentos que não parecessem simplesmente uma intromissão no direito
sexual alheio, ou na felicidade do outro, ou tradicionalismos e
conservadorismos sem valor.
Não há
“direitos sexuais”.
Não são poucos os católicos que se deixam não
somente calar, mas até convencer por argumentos assim. Mas tais argumentos são
simplesmente falsos.Não há uma categoria pública de direitos sexuais.
E a contradição aqui é gritante. Se a sexualidade se constitui de
condutas privadas, a categoria dos “direitos” se constitui na
esfera pública. Por isto, falar em “direitos sexuais” é submeter à
condição de públicos os interesses que o próprio debatedor colocou
como privados quando quis colocar-se a salvo da crítica de quem
defendia a posição oposta.
Não há direitos sexuais, compreendidos como um
direito subjetivo ao prazer genital. Nem sequer como possibilidade de
estabelecimento de políticas públicas estatais sobre tais prazeres.
Mesmo a título de “garantia de não discriminação” a quem tem qualquer
pulsão, tendência ou opção sexual neste ou naquele sentido. Todo direito
manifesta um poder, e a todo direito se opõe um dever. Se há um
“poder sexual” reconhecido como direito, há a possibilidade de impor, por via
estatal, a um outro, o dever de garantir, promover ou conceder prazer sexual ao
suposto “titular” desse direito. Ao admitir tais direitos, estaríamos
estabelecendo que caberia ás famílias, ao estado, aos quartéis, aos hospitais,
às escolas, enfim, a todas as esferas públicas de convivência, o dever de
garantir o exercício do prazer sexual aos cidadãos que estiverem titularizados
com tais direitos. Não é difícil imaginar onde isto nos conduziria. Aliás, já
está conduzindo: os banheiros públicos, que sempre foram espaço de atendimento
de necessidades fisiológicas digestivas, separados, portanto, conforme
critérios estritamente biológicos e corporais, transformaram-se, por decreto do
Governo federal, em espaço de manifestação de “identidade sexual” - ou seja, de
expressão do “direito sexual” dos ativistas, e da contrapartida do “dever
sexual” de que nossa preocupação com o pudor e a ingenuidade, por exemplo, de
crianças e adolescentes, seja derrogado em favor do “prazer sexual” dos
ativistas. Não é, pois, de condutas privadasque estamos falando aqui, mas
da imposição pública universal de opções particulares aos outros, privando-o,
por outro lado, de exercer suas próprias opções de não ver misturados assuntos
sexuais com assuntos digestivos. Se isto não for de interesse de todos, então
já não vivemos numa democracia, mas numa ditadura cujo projeto é estabelecer os
seus próprios conceitos de “fim da discriminação sexual” e da “igualdade de
gênero” por cima da razão, da fé, da tradição, da corporeidade, da ciência, dos
interesses, de todos os cidadãos.
O matrimônio
como relação complementar, reprodutiva e estável.
Além disso, o matrimônio sempre foi visto como o
relacionamento estável potencialmente fértil e reprodutivo entre seres
biologicamente complementares, e somente por isto ele despertou interesse
público. Em nome da necessidade de prorrogação, no tempo, da própria existência
da comunidade humana, bem como do valor que a prole gera a todos os
membros de uma nação – representando a nova geração de trabalhadores, soldados,
governantes, cidadãos – é que esta relação adquiria a dimensão
pública que a fazia de necessária regulamentação estatal. Não havia uma
relação com o prazer sexual em si, nem sequer com quaisquer pulsões ou desejos
que os cônjuges eventualmente sentissem, entre si ou com terceiros: a esfera
das emoções, dos sentimentos, dos desejos ou do prazer esteve sempre fora
do âmbito público, em matéria de família e matrimônio, salvo quando relacionado
à estabilidade, ao respeito recíproco e ao cuidado adequado com a prole.
O interesse estatal se dava pelo fato de que as
consequências das relações sexuais complementares eram, essencialmente, duradouras e graves:
implicavam reprodução, e um novo ser humano, que precisava ser cuidado e
sustentado até a idade adulta, e adquiria, então, o dever recíproco de cuidar
de seus genitores. Qualquer outra atividade sexual que não tivesse tal dimensão
era um indiferente, ou mesmo um inconveniente jurídico, porque
colocava o desejo sexual individual acima do interesse social. E a libido,
neste contexto, é uma base extremamente frágil, e portanto totalmente
inconveniente, para estabelecer a família. Com prazer ou não, com atração ou
não, a simples condição potencial essencial da geração da prole, com todos
os seus consectários, é o único fundamento válido para o reconhecimento
público de tais relacionamentos como familiares.
No momento, porém, que se pleiteia uma nova base
como fundamento para o próprio matrimônio, qual seja, a pulsão sexual
indistinta por qualquer outra pessoa, independentemente de
complementariedade ou de potencialidade para a reprodução natural, os
fundamentos do casamento estão sendo alterados, e não somente para os chamados
“casais homoafetivos”. Se não há diferença entre o desejo sexual homoafetivo e
a união complementar essencialmente reprodutiva, e ambas dão origem à mesma
pretensão de reconhecimento público, então a base do matrimônio mudou, e mudou
para a sociedade inteira. O que fundamenta o matrimônio, agora, seria
o contrato sexual, a libido recíproca, e não mais o interesse social na
estabilidade de um lar para a prole. E isto para homoafetivos ou para heterossexuais.
É por isso que o reconhecimento estatal da união homoafetiva como casamento
afeta a todos os matrimônios, não somente aos homoafetivos. Por essa ideologia,
desaparecida a libido, ou dirigida ela a outra pessoa, desfaz-se a família,
porque o prazer sexual, tornado sinônimo de “felicidade”, é tido como o único
fundamento para o casamento civil.
Somente um governo que já perdeu a noção sobre o
bem comum da família, sobre o respeito à maioria dos cidadãos, pode promover
tais condutas e impor, inclusive, que sejam matéria de ensino para as crianças
e adolescentes, nos colégios públicos e privados. Em pouquíssimo tempo, este
mesmo governo estará processando pais de família, religiosos e professores que
ousem ensinar para os jovens que, se a sexualidade sem critério fosse
o centro da vida e da identidade humana, a humanidade seria apenas mais
um rebanho de seres irracionais. Quem sabe um dia tenhamos até uma
“Campanha da Fraternidade” em favor dessas políticas governamentais
desarvoradas. Não duvido, mas espero e rezo para que isto não ocorra.
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ZENIT
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